Imagens da abordagem que terminou na morte de Tyre Nichols foram divulgadas pela polícia de Memphis após alertas de que eram 'apavorantes'; Biden disse estar 'indignado'

Cidades nos Estados Unidos viram protestos pontuais na noite desta sexta-feira após as autoridades de Memphis, no Tennessee, divulgarem vídeos que mostram policiais negros espancando o também negro Tyre Nichols no último dia 7. O homem de 29 anos, que não mostrou qualquer sinal de resistência, morreu três dias depois em decorrência dos ferimentos.

As autoridades já haviam anunciado que divulgariam os vídeos "apavorantes" após cinco policiais serem presos sob sete acusações, entre elas homicídio doloso — todos eles pagaram fiança e já respondiam em liberdade nesta sexta. As imagens mostram os agentes de segurança chutando, socando e espancando Nichols com um cassetete após uma abordagem por suposta condução perigosa.

O homem pode ser ouvido dizendo que só estava tentando chegar em casa, a cerca de 100 metros dali, e gritando repetidamente "mãe, mãe, mãe". As gravações mostram imagens das roupas dos policiais e de câmeras de segurança que juntas somam quase uma hora de violência contra Nichols, funcionário da FedEx, skatista e pai de um filho de 4 anos. Ele morreria no hospital três dias depois.

Após a divulgação das imagens, Floyd Bonner, Jr., xerife do condado de Shelby, que inclui Memphis, disse que dois de seus vices que estiveram na cena do espancamento foram afastados até que haja investigações. Ele disse ter "preocupações" com os subordinados, mas não as especificou.

Em um comunicado, o presidente Joe Biden afirmou estar "indignado e profundamente magoado por ver o vídeo horrível do espancamento que resultou na morte". De acordo com o presidente, que falou mais cedo por telefone com a família de Nichols, trata-se de "mais um lembrete doloroso do profundo medo e trauma, dor e exaustão que os americanos negros e pardos vivenciam diariamente":

"As imagens divulgadas esta noite vão indignar as pessoas, com razão", disse Biden, pedindo que os manifestantes se expressem pacificamente. "Aqueles que buscam justiça não devem recorrer à violência ou à destruição. A violência nunca é aceitável. É ilegal e destrutiva. Junto-me à família de Nichols para pedir protestos pacíficos", afirmou referindo-se a falas que os parentes da vítima fizeram mais cedo nesta sexta.

Atos pacíficos

Até a noite desta sexta, não há relatos de protestos violentos, e as expectativas por atos maciços parecem não ter se concretizado. Em Memphis, manifestantes ocupam a rodovia interestadual 55, ao sudoeste do centro da cidade, com gritos como "terror policial" e "justiça para Tyre". Há protestos organizados também em cidades como Los Angeles, Filadélfia e Seattle.

Em Nova York, há um ato na Times Square, onde cerca de 50 manifestantes carregam cartazes demandando o fim da violência policial e da "guerra contra os americanos negros". Houve ao menos três prisões após um grupo quebrar a janela de uma viatura.

Há outra manifestação pequena na Union Square, mais ao sul de Manhattan, e outra na região do Terminal Grand Central. O prefeito nova-iorquino, Eric Adams, afirmou horas antes que "se você precisa expressar sua raiva e indignação, o faça pacificamente".

Em Atlanta, no estado sulista da Geórgia, cerca de 50 pessoas se reuniam uma hora após a divulgação do vídeo, também carregando cartazes pacificamente. A cidade já está sob estado de emergência devido ao assassinato de um ativista ambiental que teria disparado contra um policial estadual na semana passada. A expectativa, contudo, é que haja protestos maiores no sábado.

Em Washington, há ao menos dois atos, um deles na Praça Lafayette, perto da sede do governo. A área foi palco de vários atos em maio e junho de 2020 em repúdio à execução de George Floyd, um homem negro asfixiado até a morte por um policial branco em Minneapolis.

A morte de Floyd gerou a maior onda de protestos antirracismo nos EUA desde o levante pelos direitos civis da década de 1960, e teve repercussões globais. As autoridades se preparam para a possibilidade de um movimento similar nos próximos dias. Em Portland, que viu mais de 100 dias de protestos do movimento "Vidas Negras Importam" em 2020, grupos anarquistas alertaram que estão se preparando para um longo fim de semana.

Quase 1h de vídeo

Os vídeos recém-divulgados começam mostrando a abordagem em uma interseção de trânsito, com os policiais se aproximando do carro de Nichols com as armas em punho e afirmando que ele será "explodido". Um dos policiais escancarou a porta, arrastando o motorista para fora do carro enquanto ele diz que "não fez nada". Outro agente ameaça usar seu taser.

Os policiais seguram várias partes do corpo de Nichols no chão, mas o homem repete "só estou tentando chegar em casa". Apesar de não mostrar resistência, os policiais continuam a mandá-lo ir para o chão, ordenando que ficasse de bruços. Um dos agentes de segurança afirma que irá quebrar suas mãos e chutá-lo.

Após cerca de dois minutos, um dos policiais dispara spray de pimenta contra o rosto de Nichols, mas a substância também espirrou em si mesmo e em seus colegas. A vítima conseguiu se levantar e correr sem ser alcançado. Um dos policiais tentava lavar o rosto e outro dizia que não conseguia enxergar, desistindo momentaneamente de correr atrás do homem.

Passados quase oito minutos, os policiais encontram Nichols não muito longe de sua casa e o derrubam, começando a espancá-lo, apesar dos gritos para que parassem e dos chamados repetidos que o homem fazia por sua mãe. Um agentes chutava com tanta força que ele mesmo quase foi parar no chão.

O espancamento dura cerca de três minutos, e a vítima não parece em momento nenhum sequer tentar revidar: o máximo que faz é mover as mãos para cobrir o rosto, em uma tentativa de se proteger das agressões. Quando um dos policiais o atinge por trás com um cassetete, Nichols levanta e cambaleia. Dois policiais, contudo, seguram seus braços enquanto um terceiro o soca várias vezes. A vítima só cai após receber três pancadas na parte de trás da cabeça.

Ao fim do espancamento, Nichols estava de bruços e aparentemente tonto. Os policiais o arrastaram para uma viatura, encostando-o no veículo por volta das 20h38. Pouco depois, é possível ouvir no rádio o Corpo de Bombeiros perguntar se era necessário ir até a cena ou se os policiais levariam o homem para o hospital. Os policiais responde a primeira opção, e dois paramédicos chegam dois minutos depois.

Enquanto examinam Nichols, os profissionais da saúde tentam mantê-lo recostado no carro, mas depois observam com distância enquanto a vítima tomba novamente. Passaram-se 22 minutos até que uma ambulância aparecesse às 21h01, intervalo durante o qual ao menos 10 pessoas puderam ser vistas no local. O hospital para onde o homem foi levado ficava a cerca de 15 minutos dali.

Após o incidente, as câmeras também captaram dois policiais dizendo que Nichols tentou pegar suas armas, com um deles afirmando que o homem "tinha as mãos na minha arma", algo que as imagens não mostram. Em uma entrevista ao canal NBC News, a chefe da polícia de Memphis, Cerelyn Davis, disse também que seu departamento não tem evidências que mostrem por que a abordagem de trânsito ocorreu.


Fonte: O GLOBO