Diego Massena realizou o desejo de ser pai com o apoio de uma prima, que se voluntariou para o procedimento de fertilização in vitro

Desde adolescente, o advogado e professor universitário Diego Massena, de 33 anos, sonhava em ser pai. O tempo foi passando e, em 2021, solteiro e com o mundo ainda enfrentando a pandemia de Covid-19, ele decidiu que era a hora. 

Em maio, deu início aos preparativos para a chegada dos bebês. Duas meninas, que seriam fruto de um processo de fertilização in vitro. O que ele não imaginava é que seria um “parto” embalá-las no colo.

Massena, que é gay, optou pela reprodução assistida com o apoio de uma prima, que lhe ofereceu seu útero. Tudo ia bem até o advogado pedir ao Conselho Federal de Medicina da Bahia autorização para o procedimento. O pedido foi negado. Ali começava uma batalha judicial.

— Quando meu pedido foi negado, não acreditei. Na clínica onde fizemos o procedimento, recebemos todas as orientações, tudo parecia certo. Nossa médica acreditava que não teríamos nenhum problema para a autorização — conta Massena.

Àquela altura, a prima do professor já estava em tratamento para receber os óvulos doados de um banco da clínica de reprodução assistida. A insegurança jurídica deixava um medo no ar. O temor de perder todo o tratamento era angustiante. Mas Massena foi encorajado pelo próprio pai a lutar pelo direito de exercer sua paternidade.

O professor entrou com um pedido no Ministério Público de revisão do veto, quando foi solicitado que o Cremeb apresentasse uma cópia da decisão final, sob pena de se constituir “crime contra a administração da Justiça”. 

Massena conta que o pedido foi negado pelo conselho sob a alegação de que a prima dele tinha afirmado “não ter interesse na maternagem”, mas que, em outro momento, ela poderia mudar de ideia. Segundo o Cremeb, haveria a recomendação de que a mulher que fosse barriga solidária tivesse pelo menos um outro filho vivo para que a transferência acontecesse. 

Outra justificativa para a negativa foi a de que a gestora também poderia correr riscos de ter complicações e perder o útero.

— Eu tremia toda vez que chegava ao Cremeb para resolver alguma coisa, tinha medo. Eles diziam que não iam fazer e pronto. A partir da interpretação deles, nenhuma mulher mais poderia engravidar, já que toda gravidez tem riscos. Soube de pedidos de casais heterossexuais que foram prontamente aprovados — observa Massena.

Medo e fé no caminho

Amanda Cútalo é médica especialista em reprodução humana e foi a responsável pelo processo de fertilização das filhas de Massena. A profissional acredita que as justificativas do Cremeb não são suficientes para que a fertilização in vitro não seja autorizada.

— Toda pessoa que vem à clínica e decide passar por esse tipo de tratamento sabe dos riscos. Mas se está ciente e bem esclarecida, tem o direito de decidir sobre o corpo dela. 

Temos uma questão reprodutiva tão massacrada pela sociedade, uma pressão tão grande para que mulheres sejam mães, que, mesmo quando uma delas diz não ter interesse, ainda assim subentendem que um dia ela pode querer. 

Esse tipo de resolução tem que ser melhor pensada — diz a médica, acrescentando que a paciente recebe acompanhamento de clínicos, psiquiatras e psicólogos.

Durante sua jornada, Massena ganhou apoio de pessoas próximas e de outras que souberam de sua luta. No entanto, ele também teve de lidar com comentários desrespeitosos nas redes sociais e com questionamentos sobre a forma que escolheu para gerar as filhas, as gêmeas Isabela e Helena, que nasceram com sete meses de gestação, em 29 de setembro de 2021.

— A Constituição nos garante o direito de constituir família. Eu só queria exercer o meu direito como qualquer outra pessoa. 

Nós vemos tanta mãe solo, e não é tão comum vermos pais. Recebi muito carinho, mas também muito questionamento sobre o porquê de planejar filhos assim. Nunca imaginei que meu sonho pudesse ofender tanta gente — afirma.

Em fevereiro de 2022, finalmente veio uma decisão favorável, da juíza Rosa Ferreira de Castro, da 7ª vara de família em Salvador. Desde então, Massena anda com a sentença embaixo do braço, como um tesouro. 

Hoje, já nem se abala com perguntas como “qual o nome da mãe?” ou “onde ela está?”. A relação do professor com a prima segue a mesma, cheia de amor e carinho. Hoje, as bebês já se alimentam com leite complementar, e ela voltou para sua rotina.

Orgulhoso, Massena exibe a certidão de nascimento de Isabela e Helena, que carregam apenas o nome do pai no campo de filiação. O advogado teve direito à licença paternidade de seis meses, mas conseguiu a assistência em apenas um dos seus vínculos profissionais. No outro, ainda enfrenta barreiras.

Atualmente, o professor espera que sua história inspire outros que têm o sonho de ser pai ou mãe, mesmo que sozinhos, e enfrentam os mesmos percalços por que ele passou.


Fonte: O GLOBO