Advogada alega que a mulher já ficou cinco meses internada no Hosmac e havia sido liberada há dois meses. 'Ela está sob efeito de remédios, não tem noção do que fala nem do que está acontecendo', diz advogada. Em nota, direção do Hosmac afirma que seguiu legislação
A defesa de Mafiza de Souza Cardoso, que aparece em vídeo ofendendo o motoboy Alessandro Martins com xingamentos racistas alega a funcionária pública é esquizofrênica e que chegou a ficar internada por cinco meses no Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac), em Rio Branco. Inclusive, na quarta-feira (8), houve um impasse entre as advogadas da defesa e a direção da unidade, que não permitiu o acesso delas à paciente.
"Ela já é conhecida no Hosmac. Ano passado, ela ficou 5 meses internada e faz cerca de 2 meses que o médico liberou", disse a advogada de defesa Helane Cristina.
Helane Cristina, a irmã da mulher e outra advogada da banca foram até o Hosmac em busca de acesso à paciente e para solicitar o prontuário dela, mas as solicitações foram negadas, segundo a advogada.
De acordo com a defesa, o acesso ao prontuário seria necessário para declarar a cliente como incapaz de responder pela acusação por conta de transtornos psiquiátricos. Após a negativa, Helane Cristina se juntou à colega de defesa e a irmã da paciente, na companhia de Vanessa Paes, presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil no Acre (OAB/AC).
“Não permitiram acesso à ela e disseram que não podiam dar acesso ao prontuário. Não explicaram, apenas citaram que era assim no Hosmac, que era uma portaria. Aí nós chamamos a polícia, pois pela lei não se pode cercear o acesso do advogado ao cliente, de maneira alguma, nem na ditadura era assim”, argumenta.
Segundo Helane Cristina, a situação só foi resolvida após cerca de 3 horas de impasse, quando um representante jurídico da Sesacre intermediou o acesso das advogadas à cliente.
“Depois de 3 horas, um representante do jurídico da Sesacre foi até lá. Ele fez a mediação pra que a gente tivesse acesso à paciente. Vale ressaltar que a direção do Hosmac não se preocupou em explicar, nem atender nossa solicitação. O representante da Sesacre que nos auxiliou. Conseguimos ter contato com a paciente e fizemos a solicitação do prontuário. Ela está sob efeito de remédios, não tem noção do que fala nem do que está acontecendo. Ela vai ser representada judicialmente pela irmã”, alega a advogada.
Código de ética
Em nota, a direção do Hosmac informou que negou o pedido de acesso ao prontuário por cumprimento ao Código de Ética Médica, além da Lei Geral de Proteção de Dados. "As advogadas tiveram o pedido de dispensa de prontuário negado, porque apresentaram apenas uma procuração assinada pela irmã que não possui valor jurídico, o que não lhe confere direito a ter acesso ao histórico clínico da paciente", ressalta.
O pronunciamento destaca ainda que, ao terem acesso à paciente, as advogadas solicitaram que ela assinasse uma procuração. A equipe médica alertou que ela não estaria em condições de decidir, mas as advogadas insistiram.
"Somente após a própria paciente verbalizar que não assinaria o documento e logo na sequência entrar em quadro de delírios é que as advogadas puderam constatar que ela não se apresentava com suas faculdades mentais preservadas", afirma.
Ainda segundo a nota, as advogadas coagiram e intimidaram servidores. "Repudiamos a postura truculenta e desrespeitosa com a qual as advogadas trataram nossas equipes de assistência". (Confira a íntegra da nota no final do texto)
Um vídeo gravado pelo motoboy enquanto ele trabalhava em uma farmácia no bairro Floresta, na capital acreana, mostra a mulher fazendo gestos obscenos em direção ao rapaz e gritando xingamentos racistas. Durante o ataque, ela ainda cospe em Martins.
“Vai para o inferno, bando de macaco, filma, corno. Mostra que tu é um preguiçoso, baitola. Mostra tua cara. Isso é pra tu saber, maldito, que eu te abomino. Quadrilha de negro maldita, bando de negro preguiçoso, bando de negro macaco. Filma, corno, filma que tu não tem mais nada a fazer.”
Um grupo de motoboys fez um protesto por conta do caso na terça (7), em Rio Branco. O grupo saiu da Gameleira, no Segundo Distrito da capital, em direção à casa da suspeita, na região da Baixada da Sobral. Equipes da Polícia Militar acompanharam o ato.
A Polícia Civil abriu um inquérito para apurar o caso, e o delegado responsável pelo caso, Pedro Resende, iniciou a oitiva das testemunhas na quarta (8). A mulher já foi identificada, porém ainda não foi interrogada.
O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) informou que vai requisitar instauração de inquérito policial para investigar crime de racismo contra o motoboy. O promotor Tales Tranin, que responde pela Promotoria Especializada de Defesa dos Direitos Humanos, vai encaminhar à polícia o vídeo em que a mulher se refere à vítima como “macaco” e “imundo”, entre outras agressões. Em entrevista à Rede Amazônica Acre nessa quarta (8), ele disse que casos desse tipo não devem ser tolerados.
"O Ministério Público não tolera e não vai tolerar crime de racismo ou qualquer ofensa que seja. A pessoa que cometer sentir os rigores da lei", ressaltou.
2ª maior alta
O Acre registrou um aumento de 74,2% nos casos de injúria racial no ano de 2021 em comparação com o ano anterior, segundo mostra o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estado teve a segunda maior alta do país nesse tipo de crime no ano passado.
Conforme o levantamento, ao longo de todo o ano de 2021, foram registrados nas delegacias das 22 cidades do Acre 54 casos de injúria racial. No ano anterior, em 2020, o total foi de 31 casos. Isso significa que a taxa desse tipo de crime no estado acreano saltou de 3,5 para 6 casos a cada 100 mil habitantes.
Com relação aos casos de racismo, as ocorrências mais que quadruplicaram no ano de 2021 no Acre em comparação com 2020. Segundo o anuário, em 2020 foram registrados 3 casos de racismo e em 2021 foram 13, o que representa uma taxa de 1,4 caso a cada 100 mil habitantes.
Nota oficial
"A Gerência Geral do Hospital de saúde Mentar do Acre- HosMAC vem a público esclarecer o caso em que um grupo de advogadas acusa a instituição hospitalar de cercear o direito de acesso a sua cliente que, atualmente, encontra-se em internação hospitalar.
É rigor esclarecer que as advogadas compareceram ao HOSMAC no final da tarde desta quarta-feira (8) para requerer junto à unidade hospitalar acesso ao prontuário clínico da paciente em questão. No entanto, considerando o Art.73 do Código de Ética Médica que prevê o sigilo profissional entre médico e paciente e resguardar as informações obtidas através do desempenhado da atividade médica, somente é possível entregar o prontuário médico com autorização expressa do paciente, seu representante legal ou mediante autorização judicial.
Dispondo ainda em seu parágrafo único: “Na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal, “Havendo esse mesmo entendimento pela PGE, conforme ofício PGE/PJPF 139/2021. Considerando ainda a Lei 13709/18 (Lei Geral de proteção de Dados), em vigência desde 18/09/2020, que dispõe sobre o cuidado com dados sensíveis dos pacientes em estabelecimentos de saúde.
As advogadas tiveram o pedido de dispensa de prontuário negado, porque apresentaram apenas uma procuração assinada pela irmã que não possui valor jurídico, o que não lhe confere direito a ter acesso ao histórico clínico da paciente. Mediante a recusa de entrega do prontuário, uma das advogadas passou a intimidar os servidores da unidade com ameaças de prisão, fazendo imposições com tom de voz alterado.
A Gerência de Assistência autorizou que as profissionais tivessem acesso à paciente, momento em que as advogadas passaram a "coagi-la", para que ela assinasse uma procuração. Mesmo a médica informando que a paciente não apresentava condições psíquicas favoráveis para tomada de decisões, as advogadas insistiam para que a paciente assinasse o documento. Somente após a própria paciente verbalizar que não assinaria o documento e logo na sequência entrar em quadro de delírios é que as advogadas puderam constatar que ela não se apresentava com suas faculdades mentais preservadas.
As profissionais então foram orientadas por um representante do jurídico da SESACRE a protocolarem pedido de apresentação do prontuário junto à instituição, para apreciação e posterior decisão.
Repudiamos a postura truculenta e desrespeitosa com a qual as advogadas trataram nossas equipes de assistência. Requerendo sob ameaça e a qualquer custo ter acesso ao histórico clínico de uma pessoa, no momento, inapta para realização de qualquer ato legal.
Não compactuamos com nenhuma ação delituosa, mas aqui, a pessoa em questão é tratada como paciente. Importante ressaltar que diferente do que as advogadas relataram a um portal de notícias local, quem acionou a Polícia Militar foi a Gerente de Assistência da unidade, já que as advogadas exigiam que sua solicitação fosse atendida.
Por fim, respeitamos as prerrogativas das advogadas, no entanto, ainda que se trate de um caso de comoção pública que ganhou repercussão, o nosso compromisso é com a saúde mental dos pacientes e o zelo pelo sigilo médico. Acreditamos inclusive que as advogadas deveriam pensar nas consequências de expor ainda mais a paciente à mídia."
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