Escalada da violência no Vale do Javari por organização criminosa culminou nas mortes de Bruno e Dom; Danielle Brasileiro falou ao GLOBO sobre reunião realizada um mês após o crime; Alcir Amaral diz que avisou PF
Um mês após o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em Tabatinga, na tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru, em 2019. o então presidente substituto da Funai, Alcir Amaral Teixeira, ouviu em uma reunião relatos de temor de servidores que atuavam no Vale do Javari que temiam ser os próximos a serem executados.
A reunião foi no dia 9 de outubro, mas Alcir afirmou que as denúncias não tinham consistência para serem investigadas e ainda lembrou que falsas denúncias de crime poderiam ser punidas por lei.
— Logo que Maxciel foi assassinado todos os servidores ficaram em pânico. Entrei em contato com a presidência por várias vezes, sem sucesso, e sequer queriam fazer uma nota de pesar pela morte dele.
— Logo que Maxciel foi assassinado todos os servidores ficaram em pânico. Entrei em contato com a presidência por várias vezes, sem sucesso, e sequer queriam fazer uma nota de pesar pela morte dele.
Depois vivemos essa situação surreal de ter o presidente da Funai na nossa frente desconfiando de nossos relatos e nos ameaçando indiretamente de que notícia de falso crime é crime também. Eu cheguei a questioná-lo sobre o que, para ele, configurava uma ameaça, não podia crer naquilo — lembra AO GLOBO a indigenista Danielle Moreira Brasileiro, que atuava como coordenadora regional do Vale do Javari na época.
De acordo com Danielle, a sensação de insegurança no Vale do Javari, que já não era tranquila, ficou ainda mais insustentável com a morte de Maxciel. Até então, a base de proteção do rio Ituí já havia sido atacada a tiros por pelos menos oito vezes.
— Alcir duvidou e queria ir até a base do Ituí, onde pôde verificar as marcas dos tiros nas placas, mas sempre com desconfiança. Foi uma situação de completo assédio moral, pois afinal estávamos psicologicamente abalados, com uma lista dos próximos servidores ameaçados, sabendo que havia grupo criminoso envolvido. Foi total negligência e omissão dele — afirma.
Segundo um trecho do documento obtido pelo GLOBO, Teixeira afirmou que não adiantaria investigar o caso porque "não traria resultados".
"O Presidente Substituto salientou que os pedidos de exercício à distância de funcionários que se sentiram inseguros após o assassinato de Maxciel foram respondidos através do processo SEI n° 08744.000233/2019-39. Segundo ele, as ameaças alegadas por estes funcionários não possuem materialidade e não foram devidamente registradas. Ele ressaltou a necessidade destes registros serem feitos sempre que uma situação de ameaça for percebida, indicando os nomes das pessoas envolvidas na manifestação de tais ameaças. Para ele, apesar de ser possível a instauração de inquérito acerca destas ameaças, ele julga que o procedimento não trará resultados, pois não há materialidade nos casos de ameaça relatados, citando o artigo n° 340 do Código Penal, o qual institui que uma informação sobre ameaça feita sem evidência pode ser configurada como crime", diz trecho da ata.
Danielle se recorda que dois meses antes de Maxciel ser assassinado, a Funai e o Exército tinham feito uma apreensão de redes dos pescadores ilegais, que foram queimadas na sequência. Logo depois disso, ela foi ameaçada pessoalmente por homens enviados por Ruben Villar, o Colômbia, investigado como mandante das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, e agora, também como o contratante dos pistoleiros que executaram Maxciel.
— Eles ficaram sabendo que as redes foram queimadas. Passaram na sede da Coordenação Regional duas ou três vezes até me encontrar. Um deles, de nome Chico Preto, falou textualmente que o Colômbia havia ficado revoltado com a ação da Funai e que nós deveríamos pagar o prejuízo calculado em R$ 15 mil e que isso não ficaria assim. Nesse dia, eles falaram que era o Colômbia que financiava eles — afirma.
Danielle prestou depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF) sobre o episódio das redes e também à Polícia Federal, por mais de uma vez. As investigações sobre o caso, no entanto, não avançaram e a PF a chegou a opinar pelo arquivamento. O MPF foi contra.
Um fonte da PF que acompanha as investigações de perto afirmou que o assassinato de Maxciel só foi reaberto pela "pressão internacional" causada pelas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips cerca de três anos depois.
— Se naquela época as denúncias dos servidores tivessem sido levadas a sério, talvez, o destino de Bruno e Dom poderia ter sido diferente — afirma um dos investigadores.
De acordo com Danielle, a sensação de insegurança no Vale do Javari, que já não era tranquila, ficou ainda mais insustentável com a morte de Maxciel. Até então, a base de proteção do rio Ituí já havia sido atacada a tiros por pelos menos oito vezes.
— Alcir duvidou e queria ir até a base do Ituí, onde pôde verificar as marcas dos tiros nas placas, mas sempre com desconfiança. Foi uma situação de completo assédio moral, pois afinal estávamos psicologicamente abalados, com uma lista dos próximos servidores ameaçados, sabendo que havia grupo criminoso envolvido. Foi total negligência e omissão dele — afirma.
Segundo um trecho do documento obtido pelo GLOBO, Teixeira afirmou que não adiantaria investigar o caso porque "não traria resultados".
"O Presidente Substituto salientou que os pedidos de exercício à distância de funcionários que se sentiram inseguros após o assassinato de Maxciel foram respondidos através do processo SEI n° 08744.000233/2019-39. Segundo ele, as ameaças alegadas por estes funcionários não possuem materialidade e não foram devidamente registradas. Ele ressaltou a necessidade destes registros serem feitos sempre que uma situação de ameaça for percebida, indicando os nomes das pessoas envolvidas na manifestação de tais ameaças. Para ele, apesar de ser possível a instauração de inquérito acerca destas ameaças, ele julga que o procedimento não trará resultados, pois não há materialidade nos casos de ameaça relatados, citando o artigo n° 340 do Código Penal, o qual institui que uma informação sobre ameaça feita sem evidência pode ser configurada como crime", diz trecho da ata.
Danielle se recorda que dois meses antes de Maxciel ser assassinado, a Funai e o Exército tinham feito uma apreensão de redes dos pescadores ilegais, que foram queimadas na sequência. Logo depois disso, ela foi ameaçada pessoalmente por homens enviados por Ruben Villar, o Colômbia, investigado como mandante das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, e agora, também como o contratante dos pistoleiros que executaram Maxciel.
— Eles ficaram sabendo que as redes foram queimadas. Passaram na sede da Coordenação Regional duas ou três vezes até me encontrar. Um deles, de nome Chico Preto, falou textualmente que o Colômbia havia ficado revoltado com a ação da Funai e que nós deveríamos pagar o prejuízo calculado em R$ 15 mil e que isso não ficaria assim. Nesse dia, eles falaram que era o Colômbia que financiava eles — afirma.
Danielle prestou depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF) sobre o episódio das redes e também à Polícia Federal, por mais de uma vez. As investigações sobre o caso, no entanto, não avançaram e a PF a chegou a opinar pelo arquivamento. O MPF foi contra.
Um fonte da PF que acompanha as investigações de perto afirmou que o assassinato de Maxciel só foi reaberto pela "pressão internacional" causada pelas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips cerca de três anos depois.
— Se naquela época as denúncias dos servidores tivessem sido levadas a sério, talvez, o destino de Bruno e Dom poderia ter sido diferente — afirma um dos investigadores.
Procurado, Alcir Teixeira afirmou que se recordava "mais ou menos" da reunião.
— O que eu pedi para eles foi que comprovassem as ameaças. Eles diziam que havia uma carta circulando, então pedi que me apresentasse alguma prova ou que registrassem queixa. Nâo houve materialidade. Essa é a palavra deles contra a minha — diz o ex-presidente da Funai.
Questionado sobre o por que a Funai não pediu para aumentar a segurança dos servidores, Alcir disse que levou a reivindicação aos órgãos que deveriam cuidar disso.
— Eu tive uma reunião com a Polícia Federal e a Civil e levei isso para eles. A Funai não tem competência de investigação, sim as polícias. Eu não tenho mais nada a declarar.
A reportagem leu trecho da ata em que Teixeira afirma que investigar o caso "não traria resultados", ele então desligou o telefone.
— A Funai de Brasília era totalmente antiindígena. Parecia que a gente era de um órgão inimigo. Ela vivia uma missão institucional totalmente diferente do que é a missão da Funai. O objetivo era barrar qualquer ação que fosse a favor de proteção e valorização dos povos indígenas, além de todo servidor que tentassse fazer isso ser alvo de perseguição, simbólica ou psicológica. Fomos totalmente abandonados pela Presidência — conclui Danielle.
Acusados podem ir a júri popular
Iniciadas nesta segunda-feira, em Tabatinga, as audiências de instrução e julgamento para decidir se os acusados de matar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips vão a júri popular ainda não terminaram, paralisadas por problemas de conexão de internet.
Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”; Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Dantos”; e Jefferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha” irão prestar depoimento por meio de videoconferência.
No total, serão ouvidas 15 testemunhas, das quais 13 de acusação e outras duas de defesa. Os advogados dos réus chegaram a arrolar o ex-presidente da República Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro para depor como testemunhas nas investigações sobre a morte de Bruno e Dom, porém, o juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal do Amazonas, negou.
Além de Bolsonaro e Moro, a defesa pediu a convocação do ex-presidente da Funai Marcelo Augusto Xavier e do ex-presidente do Ibama Eduardo Bim, mas sem sucesso. O juiz seguiu o entendimento do MPF, que classificou os pedidos como uma tentativa da defesa dos réus de atrasar o julgamento do caso.
Fonte: O GLOBO
No total, serão ouvidas 15 testemunhas, das quais 13 de acusação e outras duas de defesa. Os advogados dos réus chegaram a arrolar o ex-presidente da República Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro para depor como testemunhas nas investigações sobre a morte de Bruno e Dom, porém, o juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal do Amazonas, negou.
Além de Bolsonaro e Moro, a defesa pediu a convocação do ex-presidente da Funai Marcelo Augusto Xavier e do ex-presidente do Ibama Eduardo Bim, mas sem sucesso. O juiz seguiu o entendimento do MPF, que classificou os pedidos como uma tentativa da defesa dos réus de atrasar o julgamento do caso.
Fonte: O GLOBO
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