STF discute se suspeita motivada por racismo estrutural pode anular provas de crimes; Julgamento será retomado na próxima semana

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira para estabelecer que são ilícitas abordagens policiais feitas com base na cor da pele e que o quesito racial não é válido para a realização de buscas pessoais pelas autoridades policiais. O julgamento foi interrompido após o voto de quatro ministros e será retomado na próxima semana.

A Corte está debruçada, desde esta quarta-feira, sobre uma ação que discute o perfilamento racial, em que as provas colhidas pela polícia em uma abordagem motivada pela cor da pessoa podem ser consideradas inválidas.

No caso concreto, os ministros analisam o caso de Francisco Cícero dos Santos Júnior, preso em Bauru (SP) com 1,53 gramas de cocaína em maio de 2020. Ele foi condenado por tráfico de drogas. Os policiais consideraram Francisco suspeito por ele ser negro, como admitiu um dos responsáveis pela prisão.

Fachin propôs uma tese segundo a qual "a busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência física".

Ainda, Fachin defendeu que "a busca pessoal sem mandado judicial reclama urgência para a qual não se pode aguardar uma ordem judicial". E propôs que "os requisitos para a busca pessoal devem estar presentes anteriormente à realização do ato e devem ser devidamente justificados pelo executor da medida para ulterior controle do Poder Judiciário".

Nesta quarta-feira, quando a análise do caso foi iniciada, representantes da sociedade civil se manifestaram, assim como a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Com relação ao caso do homem que foi preso, e que é representado pela Defensoria Pública de São Paulo, Fachin votou pela anulação das provas -- que considerou terem sido ilicitamente obtidas -- e determinou o trancamento da denúncia contra ele.

Fachin foi o primeiro a votar neste julgamento. Em seguida, os ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli divergiram do relator no caso concreto, mantendo a condenação do homem por considerarem que neste caso não houve perfilamento racial.

No habeas corpus, a defesa de Francisco destacou que um dos policiais que o prenderam admitiu em depoimento que o fato de ele ser negro despertou a suspeita. Segundo o PM, ao passar por uma rua em “área de tráfico”, a equipe policial “avistou de longe um indivíduo de cor negra que estava em cena típica de tráfico de drogas, uma vez que estava em pé junto ao meio fio da via pública e um veículo estava parado junto a ele, como se estivesse comprando/vendendo algo”.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, o perfilamento racial é o uso pela polícia, profissionais de segurança e controle das fronteiras no da raça, cor, ascendência, etnicidade ou nacionalidade de uma pessoa “como parâmetro para submetê-la a buscas pessoais minuciosas, verificações de identidade e investigações”. 

A ONU identificou, em um relatório de 2020 que no Brasil há “uma sobre-representação de brasileiros afrodescendentes no sistema carcerário, e uma cultura de perfilamento e discriminação racial em todos os níveis do sistema de justiça”.


Fonte: O GLOBO