Com divulgação das linhas gerais do marco fiscal, ministro da Fazenda faz acenos à ala política e ao mercado e mostra caminho para fugir da armadilha da polarização com o ex-presidente

Fernando Haddad conseguiu lograr alguns tentos com a divulgação das linhas gerais, que ainda precisam de melhor detalhamento, da sua proposta de novo marco fiscal para o Brasil. 

O principal deles foi desviar o foco que estava desmedidamente sobre a volta de Jair Bolsonaro ao Brasil, como se ele fosse uma espécie de dom Sebastião, e não um ex-presidente que deixou o país pela porta dos fundos sem passar a faixa ao sucessor, mas antes disso incitou seus apoiadores a não reconhecerem o resultado da eleição e plantou as bases para uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro.

Ao falar sobre o que será o definidor inicial de rumos da gestão Lula 3, Haddad rapidamente catalisou as atenções dos agentes econômicos, da imprensa, que ainda parece ter dificuldade de não ser pautada pela polarização política, seis meses depois da eleição, dos políticos do Congresso, que ainda não se deram conta de que precisam começar a trabalhar efetivamente, e do próprio governo, que também não encontrou um tom uníssono para dizer a que veio.

O marco aponta para o futuro, enquanto a volta de Bolsonaro traz consigo o risco da armadilha de que se busque alguém com inúmeros acertos de contas a fazer com a Justiça e com o Fisco como contraponto político do governo. Foi, portanto, salutar que o ministro da Fazenda tenha tomado o palco neste momento. Agora só resta esperar que os petistas não queiram desdizer tudo que ele disse, como vêm fazendo há três meses, e insistir em arengar com o ex-presidente, mantendo viva uma polarização que só prejudica Lula, embora eles não compreendam isso.

O que se pôde conhecer do tal arcabouço é justamente sua espinha dorsal. É no detalhamento e, sobretudo, nas negociações para sua aprovação e na posterior execução que mora a maioria dos perigos. Haddad foi hábil, uma vez mais, mostrando algo que venho sublinhando nas análises no blog e na coluna: é um político que amadureceu após sucessivas derrotas e um histórico de alguém que tinha uma atávica dificuldade de reconhecer erros e falhas, mesmo quando elas eram apontadas pelo eleitor, que é soberano.

O ministro apresentou um compromisso em gastar menos do que o governo arrecada, prometeu inflar essa arrecadação fazendo quem não paga imposto passar a pagar (a conferir) e deu um jeito de cotejar a cobrança por austeridade e previsibilidade que vem da Faria Lima com o clamor de Lula e do PT por fazer caber na proposta as promessas de campanha. Ao menos no papel, que, como bem destacou meu colega Carlos Alberto Sardenberg, aceita tudo.

A arte de equilibrar pratinhos vem da percepção, por parte de Haddad, que é, antes de tudo, um político, de que a sua batata é a que foi colocada para assar primeiro na diversa Esplanada de Lula. Entre ministros que mandam pouco e não têm dinheiro, mas têm status e presença nas redes sociais, outros indicados por partidos e que ainda não mostraram ter garrafa para vender em termos de apoio congressual e aqueles que estão ao pé do ouvido de Lula no Planalto atentos a qualquer escorregão da equipe econômica, é no ouvido do ministro da Fazenda que desaguam todas as cobranças.

Ele tratou, de novo, de enfatizar a aliança com Simone Tebet, que, se era apenas estratégica num primeiro momento, vai se tornando orgânica com velocidade e consistência antes imprevisíveis a quem acompanha o estilo e a trajetória de cada um deles e sabe que são, ambos, figuras cotadas para a disputa presidencial em 2026. Inteligência política dos dois, que sabem que podem até se separar lá na frente, mas precisam um do outro para que a batata não carbonize rápido demais.

Inclusive, ao fazerem isso, eles dão uma receita ao resto do governo e ao PT: por ora, é preciso cultivar e fortalecer a ideia de frente ampla, agradando, se possível, à base tradicional do PT mas também a setores liberais que votaram em Lula de má vontade, só para vencer Bolsonaro. Com isso, é possível relegar o ex-presidente às franjas do noticiário, evitando que ele funcione como contraponto ao governo em todas as questões e responda pelos atos de seu governo que estão sob a mira da Polícia Federal e da Justiça.

Falei sobre as primeiras impressões que colhi a respeito do marco fiscal na primeira edição desta quinta-feira do Viva Voz, meu quadro diário na CBN. O comentário está abaixo.


Fonte: O GLOBO