Professor de Georgetown afirma que uma linha foi quebrada e prevê novas ações contra ex-presidente

O historiador Erick Langer, professor da Georgetown University, em Washington (DC), afirma que o momento histórico vivido pelos Estados Unidos nesta terça-feira, com o indiciamento formal do primeiro ex-presidente americano na História dos EUA, terá um forte componente político. 

E se a acusação no curto prazo beneficia Donald Trump, em longo prazo dificulta as chances de o republicano voltar à Casa Branca: "O atual cenário aumentou consideravelmente a chance de os democratas continuarem no governo”, disse.

Para ele, os EUA deixam de ser exceção em um cenário global onde ex-presidentes são, cada vez mais rotineiramente, indiciados. E, cruzada essa linha vermelha, ele prevê que Trump se tornará réu em mais ações. Por outro lado, o caso tende a jogar o debate político no passado, e ele diz que os democratas acertam ao não falar sobre a situação de Trump, o que poderia dar “holofote” e “oxigênio” para o ex-presidente.

Como o senhor vê a importância histórica do indiciamento de Trump?

Foi ultrapassada uma linha vermelha, mais um marco que Trump rompe na política americana. É um caso único, quem mais perto havia chegado disso foi Richard Nixon, mas seu ex-vice-presidente o perdoou antes de ele se tornar réu. 

Ultrapassada essa barreira, acredito que Trump será acusado e se tornará réu em muitos outros processos, em especial o caso em que o ex-presidente é suspeito de pressionar as autoridades eleitorais da Geórgia a "encontrar" votos suficientes para anular sua derrota em 2020 para o então candidato democrata e agora presidente, Joe Biden, no estado. 

Mas a partir de agora, vamos ver Trump, e talvez até outros ex-presidentes, serem mais processados, como ocorre em outros países. Os EUA eram uma exceção. Mas não vejo (Barack) Obama ou Biden, quando sair do governo, processados.

Qual o impacto político dessas acusações?

Trump encaminha sua indicação para ser candidato pelo partido republicano. Ele gosta da polêmica e sabe usar isso. Tende a pavimentar seu caminho como candidato, vencendo as primárias do partido. Por outro lado, essa acusação joga o debate da política americana no passado, remetendo a casos de 2016.

Os eleitores perderão a oportunidade de debater questões relativas ao futuro do país. Isso já estava no radar com Trump, que nos últimos discursos falava sempre do passado, não apresentava ideias novas. Com a acusação, isso tende a se intensificar. Mas Trump vira o grande nome dos republicanos, seus opositores no partido não poderão criticá-lo, pois isso será visto como uma defesa dos democratas. Trump ganhou força dentro do partido.

E para a eleição geral?

Ao mesmo tempo em que Trump reforça sua posição dentro do partido republicano, ele fica menor na eleição geral. Sabemos que não são os republicanos convictos ou os democratas convictos que decidem as eleições, mas os independentes, os moderados. E, na minha visão, Trump perde espaço com esse eleitor ao ser indiciado. Temos muito tempo até as eleições, mas no atual cenário aumentou consideravelmente a chance de os democratas continuarem na Casa Branca.

A eleição de 2024 vai ser, novamente, um referendo sobre Trump?

Sim, há muita chance disso, embora Trump vai tentar que a eleição seja um referendo sobre os quatro anos de Joe Biden, se ele de fato for o candidato democrata. Mas o que me parece é que qualquer democrata ganhou mais chances de vencer Trump. Agora, os democratas já criaram anticorpos contra Trump.

Trump não estava em um bom momento…

Sim, os resultados das midterms (eleições legislativas de meio de mandato) mostraram que os candidatos mais associados ao trumpismo não venceram, ou seja, foram rejeitados pelos moderados e pelos independentes. Com a acusação, Trump ganha força entre os republicanos, por seu papel de vítima e pela dificuldade que seus opositores terão em criticá-lo, mas ele se torna ainda menos palatável, ao menos por ora, aos eleitores moderados e independentes.

Biden e os democratas estão adotando um silêncio forte sobre o caso...

Biden e os demais democratas estão com a estratégia correta, eles não devem dar mais oxigênio a Trump. Tudo o que disserem será usado por Trump, esse é um jogo que Trump gosta e sabe usar. Então os democratas não podem dar mais oportunidades para Trump ter holofotes.

Essas acusações contra Trump podem ampliar a polarização política nos EUA?

A polarização já está dada, não vemos nenhum dos lados disposto ao diálogo, seja por parte dos políticos, seja por seus apoiadores. Mas aos independentes, no largo prazo, o caso tende a ser ruim para Trump.

O senhor vê alguma similaridade entre o caso de Trump e as suspeitas contra o presidente Jair Bolsonaro, que nunca escondeu que o imitou e que pode sofrer ações judiciais em breve?

Não acredito, há uma diferença pelo ineditismo do processo contra um ex-presidente nos EUA, algo que já ocorreu no Brasil. O que vejo é uma similaridade entre o Judiciário americano e brasileiro, ambos dão prova de uma institucionalidade, uma independência muito forte.

Afinal: quem ganha e quem perde politicamente com essa acusação judicial?

Trump ganha no curto prazo, mas perde no longo prazo. No cenário de hoje posso dizer que sua indicação como candidato republicano para as eleições de 2024 está garantido. Quem mais perde é Ron DeSantis: o governo da Flórida terá muito mais dificuldade para se colocar como candidato. Mas os grandes vencedores são os democratas, em geral. 

Tanto Joe Biden, que já venceu uma vez Trump, ou um eventual outro candidato. Só acredito que os democratas tendem a escolher Biden, o que pode ser um erro, pois ele dá sinais de que realmente a idade o está abatendo. Mas agora nem isso tira dele o papel de favorito contra Trump em 2024 se a economia continuar aquecida.


Fonte: O GLOBO