Levantamento mostra que deputados e senadores de partidos aliados contrariaram Planalto em uma a cada quatro votações

As derrotas na Câmara na semana passada acenderam o alerta no Palácio do Planalto para a composição da CPI do 8 de Janeiro, que carrega alto potencial de dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Levantamento feito pela consultoria Inteligov, a pedido do GLOBO, mostra que deputados de centro que compõem a base governista (PSD, União e MDB) e que estão cotados para participar da comissão contrariaram a orientação do líder do governo em uma em cada quatro votações este ano.

Na terça-feira, a base aliada não conseguiu se manter coesa para garantir a votação do PL das fakenews, que acabou adiada. Na quarta, decretos de Lula sobre o marco do saneamento caíram. Outros casos chamaram a atenção. 

A orientação do governo teve divergências com a base em projetos como a comercialização de créditos de carbono em contratos de concessão de floresta e em uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre regras de micro e minigeração distribuída de energia elétrica.

Articuladores de Lula no Congresso afirmam que terão maioria na CPI e contam que ao menos 20 das 32 cadeiras da comissão serão ocupadas por aliados. A contabilidade, porém, inclui os nomes que serão indicados por PSD, União e MDB, partidos que já deram demonstração de infidelidade neste início de mandato.

O União Brasil votou em peso para derrubar os decretos do saneamento. Entre os que contrariaram os interesses do Planalto está o deputado Arthur Maia (União-BA), nome favorito do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para comandar a CPI.

Além de Maia, o líder do União, Elmar Nascimento, cogita indicar Kim Kataguiri (União-SP), opositor declarado do governo Lula que foi contra o Planalto em seis das dez votações das quais participou neste ano, como ao tentar barrar o caráter de urgência do projeto que autoriza recontratações no Mais Médicos.

No MDB, o nome cotado para ocupar a vaga da Câmara, Emanuel Neto (MT), demonstrou maior alinhamento com o governo do que os colegas do União: foi contrário em apenas 7% das votações (ou uma das 14 de que participou). O deputado, contudo, também ajudou a derrotar o Planalto na votação sobre o decreto de saneamento.

Líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL) diz que não houve infidelidade na votação do decreto:

— Nós entendemos que o decreto ultrapassava competências e inibia investimentos, e havia um compromisso, por intermédio do ministro Alexandre Padilha, de o governo editar uma nova medida.

Segundo ele, isso não prejudica o apoio que o partido dará ao governo na CPMI.

A falta de alinhamento não é só dos partidos de centro. PSOL, PDT e PSB, com uma vaga cada na CPI, votaram contra o governo, por exemplo, na MP que permite a comercialização de créditos de carbono em contratos de concessão de florestas.

Senado

No Senado, o alinhamento com o governo ainda é uma incógnita, uma vez que, segundo a Inteligov, houve apenas uma votação nominal com orientação do governo neste ano.

A comparação com os votos dos senadores na legislatura passada, contudo, mostra um índice parecido de convergência com o PT. Na média, os oito nomes de partidos da base aliada cotados para integrar a CPI pelo Senado votaram de forma contrária ao partido do atual governo em 23% das vezes.

No União Brasil, Davi Alcolumbre (AP) e Soraya Thronicke (MS) estão entre os que menos se alinham ao PT. A senadora tem histórico de apoio a bandeiras de direita, como quando se aliou a bolsonaristas para tentar derrubar a proposta que substituiu a Lei de Segurança Nacional (LSN):

—Não voto em um projeto por ser de governo A ou B, e sim pelo que acredito ser o certo e o melhor para o país. Então, caso eu integre a CPMI como membro, manterei a minha independência como sempre fiz — diz Soraya.

Na avaliação da cientista política Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV, a maior preocupação do governo é influenciar a escolha do presidente e do relator da CPI:

— Isso terá um peso maior do que os titulares. Devemos ter participação ampla de suplentes e de membros que não são da CPI e vão querer participar caso haja visibilidade.


Fonte: O GLOBO