Com mensalidades ‘bombadas’, centros de ginástica para poucos em São Paulo têm recorde de matrículas e viram ‘social’ e 'networking' de quem pode pagar para frequentar os ambientes diferenciados

As academias de ginástica de luxo em São Paulo vivem um momento de euforia acelerado pelo fim da fase mais dura da Covid-19. Eleita por três anos a de melhor atendimento aos clientes no planeta pela plataforma americana MxM Medallia, a LesCinq Gym, localizada nos Jardins, cresceu 40%, entre 2021 e 2022, e 36% no primeiro quadrimestre deste ano em relação ao mesmo período no ano passado.

Sua concorrente direta, a Bodytech do shopping Iguatemi, no Itaim, bateu recorde histórico de matrículas no fim do ano passado, com 1.200 clientes, o dobro de antes da pandemia. Tudo com mensalidades na casa dos R$ 3mil.

Entre as razões apontadas no setor estão multiplicação de mimos, atendimento individualizado, foco em saúde, com nutrição, fisioterapia, massagem e o aparente paradoxo de se apresentarem cada vez menos como, bem, apenas um lugar para malhar.

Com pouco mais de 300 alunos hoje, a LesCinq busca quadruplicar este número a partir de outubro, quando inaugura sua segunda unidade em São Paulo, no coração da Faria Lima, centro financeiro da cidade, com cara de clube cinco estrelas. Em 2024, abre a terceira, em Campos de Jordão (SP), em formato redux, mais próximo de um spa.

— O mercado está tão quente que estamos analisando propostas para unidades pocket em empresas e hotéis localizados em cidades de médio porte, de mãos dadas com o boom nos setores de hospitalidade e turismo para além das capitais— conta Rodrigo Sangion, CEO da LesCinq.

Filho de uma empregada doméstica e um contador, Sangion deixou, ele próprio, o interior, no caso Ribeirão Preto (SP), no começo do milênio. Formou-se em Educação Física, participou de competições de fisiculturismo e beleza mundo afora (com dois títulos mundiais no currículo), encantou um investidor e, há nove anos, tirou do papel a aposta em uma academia nos moldes das que havia frequentado em Nova York.

— Percebi o interesse do público que consome luxo por acompanhamento personalizado, serviço de nutrição, trainers premiados e aparelhos de última geração. E após a pandemia, com a ênfase em se cuidar ainda mais da saúde e da boa forma, a coisa explodiu de vez— conta.

A International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA) informa que, até o ano passado, existiam mais de 35 mil academias no Brasil, o segundo país com maior número de unidades registradas e o quarto em usuários matriculados. É um universo de 9,6 milhões de malhadores.

Mas são poucas as marcas estabelecidas no estrato mais exclusivo, mesmo na capital do luxo nacional. Em São Paulo, além da LesCinq e da BT Iguatemi, o mercado considera a Sett, também no Itaim, outra “academia-boutique”.

Quem se matricula na LesCinq pode esquecer as academias bem iluminadas com paredes claras. O ambiente lembra o de um clube noturno. Ao se aproximar de cada aparelho, uma pulseira eletrônica revela a face do aluno, a sequência personalizada de exercícios, seus avanços nas últimas semanas e desafios a vencer.

Quem recebe os frequentadores os chama pelo primeiro nome e conhece todas as suas preferências, das frutas e nozes aos temas favoritos para conversar.

As esteiras, com tecnologia italiana, são separadas por divisórias escuras, garantindo a privacidade de famosos como o ator Reynaldo Gianecchini. Na sala de ciclismo, luzes mudam de acordo com a intensidade das pedaladas. A pista de corrida avança pelo lado de fora do prédio de quatro andares, e os espaços de meditação, yoga e dança são mais do que generosos.

Pastilhas de ouro no banheiro

Há uma sauna seca no vestiário feminino e uma a vapor no masculino. Os cosméticos são da Granado e quem olhar para cima no mictório perceberá que algumas das pastilhas nas paredes no banheiro são de ouro 24 quilates, “para dar uma quebrada”, diz Sangion. As duchas são posicionadas e ambientadas para oferecer “a sensação de se estar numa cachoeira”.

Na recepção, o balcão de ônix e o piso de mármore gritam onde não se está: uma típica academia de bairro. Até um aroma foi especialmente desenvolvido para a unidade por uma marca espanhola.

A LesCinq da Faria Lima será ainda mais luxuosa. Localizada nos dois últimos andares do prédio onde ficam empresas como Google e Facebook, seu terraço terá bar lounge, pista de corrida e “piscina de lazer”, pensada tanto para natação quanto como “local de encontro”.

— Algo na linha da SoHo House (clube de luxo com unidades na Europa, EUA e Ásia), onde o PIB mais alto do país poderá cuidar do corpo, da saúde, relaxar, fazer negócios em ambiente descontraído — diz o CEO.

A unidade terá ainda restaurante, bangalôs para day use, DJs residentes e saunas em forma de cápsulas com vista panorâmica para a cidade. O acesso ao terraço será feito por escadaria com proteção de vidro, que avança para fora do edifício. Na sala de musculação, cada professor atenderá um único aluno, com capacidade de até 1.300 matriculados por mês.

Malhação e 'networking’

Na mesma Faria Lima, a BT Iguatemi dobrou as matrículas desde o fim da pandemia, para 1.200, batendo o recorde no fim do ano passado.

— O cenário de expansão pós-pandemia segue. Entre as causas, o retorno definitivo das pessoas que haviam se dividido entre suas casas e as de campo ou de praia e a valorização maior da prática de exercício em ambientes confortáveis, distantes do estereótipo da academia tradicional — conta Diego Cordeiro, carioca que é gerente da unidade há dez anos.

Ele detectou o aumento da frequência dos clientes, foco maior em musculação e diminuição das aulas temáticas, além da mudança dos horários de pico — cai o noturno, após 19h, explode o começo do dia — e maior interesse em atrações como eventos de alta gastronomia, DJs aos sábados e as suítes privativas nos banheiros. Entre os famosos malhadores dali estão Sergio Marone, Monique Afradique, Alok, Thiago Mansur e o ex-BBB Fernando Medeiros.

— As pessoas trazem seus computadores, fazem networking e vêm mais de uma vez no dia, antes e depois de irem ao escritório —conta.

As mensalidades incluem consultas com nutricionistas e fisioterapeutas, duas massagens de meia hora, produtos Giovanna Baby e Phytoervas e serviços individualizados de maquiagem e passadores de roupas, “que fazem enorme sucesso”.

A mais alta é R$ 3.100, mas pacotes de fidelidade podem reduzir até R$ 1.314. Em novembro, foram lançados Tokens BT, por R$ 32 mil para cinco anos de uso e R$ 50 mil para dez, podendo-se malhar em qualquer unidade da rede. Em seis meses, 50 foram vendidos.

— É um investimento que faz sentido neste nicho. Hoje, crescemos na medida em que somos cada vez menos apenas uma academia. O exercício vem junto, mas o foco é zero em sofrimento e cada vez mais em oferecer saúde com prazer — diz Cordeiro.


Fonte: O GLOBO