Incidente sinaliza crescente dificuldade que Kremlin tem de manter sua guerra de 15 meses longe do território russo

Moscou sofreu raros ataques de drones na manhã desta terça-feira, horas após um nova leva de bombardeios contra o território ucraniano. As explosões na capital russa, as primeiras em áreas civis desde que a invasão do presidente Vladimir Putin na Ucrânia começou há 15 meses, sinalizam vulnerabilidade e a dificuldade crescente que os russos têm de manter o imbróglio fora do seu perímetro, menos de um mês após detonações similares sobre o Kremlin.

As explosões ocorreram pouco depois do amanhecer — segundo o ministro da Defesa Sergei Shoigu, os responsáveis foram oito drones controlados pela Ucrânia, mas nenhum deles atingiu seu alvo. Cinco foram abatidos fora do espaço aéreo moscovita por sistemas de defesa aérea Pantsir, que forçaram os três artefatos restantes a retornar ao solo após interferirem eletronicamente em seus sistemas de controle.

Três prédios residenciais em partes sofisticadas Moscou foram danificados pelos destroços dos drones, informou a Procuradoria-geral russa, e o prefeito Sergei Sobyanin afirmou que alguns moradores foram brevemente evacuados. Duas pessoas precisaram de atendimento médico, mas ninguém ficou gravemente ferido, de acordo com o político.

Não está claro quais eram os alvos originais, mas circulam imagens que mostram leves danos em um edifício residencial de 25 andares e os restos da asa de um drone do lado de fora. A cerca de 10 quilômetros dali, outro artefato teria adentrado em segundo prédio. Na terceira construção aparentemente atingida, imagens mostram uma janela quebrada.

Também não se sabe quem ordenou os ataques, mas o Ministério da Defesa russo pôs a culpa em Kiev afirmando se tratar de um "ato terrorista". O Comitê de Investigação da Rússia, equivalente à Polícia Federal, anunciou que iniciou uma investigação, e Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, disse que os bombardeios "mais uma vez confirmam a necessidade de continuar nossa operação militar especial", eufemismo do Kremlin para a guerra.

Segundo Peskov, os drones foram uma represália aos "ataques extremamente eficazes contra um dos centros de tomada de decisão da Ucrânia" nesta semana. Putin, afirmou ele, foi informado "em tempo real" do desenrolar da operação, e "tudo funcionou como deveria", inclusive os sistemas russos de defesa aérea.

Não há até o momento comentários das Forças Armadas ucranianas, que via de regra mantêm uma ambiguidade estratégica sobre quaisquer ataques contra o território russo. Mykhailo Podolyak, conselheiro de Zelensky, afirmou que Kiev não está "diretamente envolvida" na operação com drones, mas ficava "feliz" de assistir.

Críticas internas

Segundo especialistas, os ataques possivelmente foram lançados de perto de Moscou, já que drones pequenos foram usados e supostamente vieram de direções diferentes. Blogueiros russos, contudo, afirmam citando detalhes técnicos das imagens que os artefatos podem ter vindo de regiões fronteiriças abandonadas pelos russos no ano passado. Apesar dos danos físicos mínimos, contudo, afirmam que o impacto simbólico das explosões sobre a capital russa não são pequenos.

"Se a meta era estressar a população, então o simples fato de drones terem aparecido nos céus sobre Moscou já contribui para isso", escreveu no Telegram Mikhail Zvinchuk, um dos blogueiros mais populares, que usa a alcunha de Rybar.

O chefe do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigojin, que assumiu protagonismo no confronto nos últimos meses, afirmou que o incidente é reflexo da lacuna tecnológica nos drones de ambos lados, algo que anteriormente já disse ser elemento-chave deste conflito. Também aproveitou a oportunidade para mais uma de suas críticas recorrentes ao comando militar russo, com quem tem uma relação ruim.

— O que pessoas comuns devem fazer quando drones com explosivos são jogados contra suas janelas? — disse ele, afirmando que o povo "tem total direito de fazer essas perguntas".

Moscou, a mais de mil quilômetros da divisa com a Ucrânia, raramente registra episódios como o desta madrugada, mais comuns em outros pontos do território russo. As explosões ocorrem 27 dias após o Kremlin supostamente ser alvo de um ataque com drones, algo que os russos classificaram como uma tentativa de magnicídio contra Putin, que não estava no local no momento do incidente.

Após a ocorrência do último dia 3, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, negou envolvimento, afirmando que luta apenas no seu próprio território. Segundo o New York Times, contudo, a inteligência americana constatou que provavelmente os ataques contra o Kremlin foram arquitetados por forças militares especiais ou unidades de inteligência de Kiev, e Washington tem "pouca" confiança de que houve autorização direta da Presidência ucraniana.

Na semana passada, milícias de nacionalistas russos pró-Ucrânia realizaram ataques do lado russo da fronteira, na província de Belgorod. A autoria foi reivindicada pela Legião da Liberdade para a Rússia (LLR), que opera sob o guarda-chuva da Legião Internacional da Ucrânia, uma força de combate que é supervisionada por oficiais ucranianos. O ataque foi planejado e executado em conjunto com o Corpo de Voluntários Russos (CVR), outra organização anti-Putin.

Ataques em Kiev

Desde a eclosão da guerra os aliados ocidentais, que abastecem Kiev com armas após seu próprio arsenal se exaurir, temem que ataques ucranianos contra o território russo acirrem o conflito e caracterizem cobeligerência. Devido a isso, evitaram por meses enviar armas mais poderosas para Kiev, rigidez que foi flexibilizada conforme os meses passavam com envio de sistemas de defesa, tanques e caças, por exemplo.

Um ponto de virada ocorreu neste mês, quando os britânicos decidiram enviar mísseis Storm Shadow, de longo alcance, às vésperas da aguardada contraofensiva ucraniana que deve ocorrer nas próximas semanas. Kiev teria se comprometido a não usar tais mísseis contra o território russo, uma pré-condição para o envio.

Os Estados Unidos e outros aliados ocidentais, contudo, mantêm a linha vermelha aí ao menos por enquanto, com Washington afirmando que a possibilidade ainda está na mesa. Veículos ocidentais vêm noticiando nos últimos meses desconforto de seus governos com o compartilhamento de informação ucraniano, inclusive sobre operações mais capciosas que possam envolvê-los de forma mais direta.

O ataque a Moscou desta terça-feira coincidiu com o terceiro dia consecutivo de bombardeios contra Kiev, que mataram ao menos uma pessoa e forçaram a evacuação de um arranha-céu da capital ucraniana. Segundo a Força Aérea do país de Zelensky, seus sistemas de defesa abateram 29 dos 31 drones iranianos Shahed controlados pela Rússia pouco antes do amanhecer.

O zumbido dos artefatos é corriqueiro em Kiev há cerca de 10 meses, mirando contra infraestruturas civis: os ataques desta terça foram os décimos sétimos apenas em maio. Desta vez, houve danos em edifícios residenciais e o arranha-céu precisou ser evacuado depois que os destroços de drone provocaram um incêndio. Além da vítima fatal, uma mulher de 27 anos ficou ferida.

Na madrugada de domingo, as forças russas haviam disparado uma enxurrada de mísseis contra Kiev, despertando pânico em moradores no que foi um incomum ataque diurno. De acordo com as Forças Armadas ucranianas, contudo, a defesa da capital tem sido reforçada por sistemas doados pelos países aliados, como o americano Patriot, um dos mais modernos do mercado.


Fonte: O GLOBO