Economista afirma que deveriam ser respeitados os princípios básicos de um regime de tributação: quem ganha mais paga mais e a carga tributária não pode interferir nas escolhas das empresas

O economista Marcos Lisboa diz que o país optou por tributar mais as grandes empresas e não o ganho do acionista. Isso provoca distorções, como a de aposentados e pensionistas de fundos de pensão que pagam proporcionalmente mais imposto do que sócios de empresas médias, com faturamento de R$ 30 milhões a R$ 50 milhões por ano. Lisboa afirma que, mesmo com algumas concessões, a Reforma Tributária é um avanço em relação ao “regime disfuncional” que temos hoje.

Quais as distorções que o sistema tributário brasileiro provoca? E como isso afeta a economia?

Temos dois principais impostos sobre o consumo e a renda. O princípio básico sobre renda é que famílias que tenham o mesmo ganho paguem a mesma quantidade de tributos. Além disso, quem ganha mais, deve pagar proporcionalmente mais. Isso não acontece no Brasil.

Famílias com renda maior pagam imposto menor. O segundo imposto é sobre consumo. O que não se quer é que imposto sobre consumo induza empresas a fazerem escolhas menos produtivas para pagar menos impostos. É exatamente isso que nosso imposto sobre consumo faz. O tributo não é proporcional à renda e induz o sistema produtivo a ser ineficiente.

Como se dá essa desigualdade?

O Fisco no Brasil confunde o tamanho da empresa com o patrimônio. Há empresas pequenas com grandes patrimônios. E empresas grandes em que há acionistas pequenos. Fundos de pensão, como o do Banco do Brasil, investem o patrimônio para pagar os pensionistas. Esses fundos são sócios de grandes empresas.

A regra da tributação não olha o tamanho do acionista, olha para o tamanho das empresas. Tributa o lucro das empresas grandes, mesmo se quem recebe é um pensionista de um fundo de pensão. Deveria ter um regime proporcional à sua renda. Por outro lado, empresas médias, com renda muito alta, de R$ 30 milhões, R$ 40 milhões, R$ 50 milhões por ano pagam menos imposto.

Como fazer para tornar o sistema mais igualitário?

O ideal é tributar menos o lucro nas empresas e mais as famílias com base na renda. O melhor é olhar as famílias. A segunda etapa é o princípio de que famílias com renda parecida devem pagar a mesma quantidade de impostos. Nos tributos sobre o consumo, a maneira mais eficaz de tributar é o IVA (imposto sobre valor agregado). É um tributo sobre a decisão de consumir.

Os Estados Unidos cobram direto na venda final, a maioria dos países faz isso ao longo da cadeia. A vantagem é que reduz o risco de sonegação, pois vai direto na nota fiscal, e todos os setores pagam a mesma alíquota, independentemente do bem ou serviço que está produzindo.

Todos são a favor da reforma, mas o consenso acaba aí. Qual reforma o senhor defende?

A reforma que está no Congresso é muito boa, adequada às melhores práticas internacionais, com alíquota única sobre valor adicionado, sem favorecer a alguém. E não pode diferenciar serviços de mercadorias. Essa divisão ficou obsoleta.

Afinal, o iPhone é um bem ou um serviço? Ela não induz a esse processo de escolha ineficiente de tecnologia para pagar menos impostos. Não cria essas discussões sobre se é água de cheiro ou perfume.

Hoje não se sabe que gastos podem ou não ser abatidos do imposto a pagar. Isso criou um contencioso gigantesco. Isso acaba com a reforma. Não precisa mais calcular qual quantidade de energia foi essencial para a produção do bem como é hoje.

As disputas judiciais somam 75% do PIB (Produto Interno Bruto, com uma fatia neste caso equivalente a R$ 7,4 trilhões) e a questão principal são os tributos indiretos (sobre o consumo). Somente 15% estão na esfera administrativa. Nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), essas disputas representam 0,28% do PIB.

O setor de serviços tem se posicionado contra a Reforma Tributária, alertando que haverá aumento grande de tributação.

Boa parte do setor de serviços vende para outras empresas. Escritório de advocacia terá crédito tributário para oferecer que poderá ser abatido por quem compra o serviço na hora de pagar o imposto. Serviço que vai ser mais onerado é aquele que chega diretamente ao consumidor. Boa parte dos serviços não será onerado. Uma parte pequena pagará mais, que hoje paga menos.

Com toda essa resistência, inclusive de prefeitos e governadores, acredita que a Reforma Tributária vai ser aprovada dessa vez?

É uma reforma que está mais do que atrasada. Era para ter acontecido décadas atrás. O Brasil ficou tão atrasado, é um sistema que gera contencioso, ineficiência e desigualdade. A grande dificuldade é que cada pequeno grupo que tem um pequeno benefício é contra reforma, porque vai perder esse pequeno benefício.

A soma desses pequenos benefícios gera a disfuncionalidade do país. As pessoas nem percebem, mas estão sendo muito oneradas, pois o imposto mais alto em outros produtos está embutido no preço dos bens. Vejo com preocupação essa intenção de preservar velhos privilégios.

Críticos afirmam que uma reforma tão ampla, com tantos interesses envolvidos, desde setores econômicos a estados e municípios, é difícil de ser aprovada, que deveria se buscar uma simplificação e ir fazendo aos poucos.

Muito difícil implementar a mudança de origem para o destino (atualmente, os impostos são cobrados onde a mercadoria ou bem é produzido. Isso muda com a reforma, a cobrança será onde há consumo) sem uma reforma maior. Como põe de pé uma cobrança assim, com cinco tributos diferentes, sem uma reforma?

Alguns defendem que a reforma do consumo e da renda deveriam vir juntos. Vê essa necessidade?

Não. A reforma dos impostos sobre a renda é incrivelmente complexa. Imposto de consumo é muito simples, só no Brasil gera esse caos tributário. Sobre a renda, é melhor fazer numa segunda etapa.


Fonte: O GLOBO