A destinação consta em ofício enviado pelo próprio deputado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado

Alvo da operação da Polícia Federal, a prefeitura de Canapi (AL), cidade localizada a 260 quilômetros da capital Maceió, pagou R$ 5,8 milhões para comprar 330 kits de robóticas para seus alunos em 2021.

O dinheiro público usado para a aquisição, segundo documentos analisados pelo GLOBO, foi repassado ao município por meio do orçamento secreto, a pedido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A destinação consta em ofício enviado pelo próprio deputado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.

Lira não é alvo da investigação e tem negado qualquer ligação com os fatos apurados pela PF. Questionado pelo GLOBO sobre a emenda, o parlamentar afirmou não ter sido o responsável pela indicação dos recursos. "Cabia à Mesa Diretora da Câmara o encaminhamento das emendas de relator referentes ao conjunto de deputados que formam a Casa. Portanto, é equivocada a informação de que essas emendas foram destinadas pelo deputado Arthur Lira", disse ele por meio de nota.

Documento enviado por Lira ao STF no ano passado, contudo, contraria essa versão. Após ordem da Corte para que o Congresso divulgasse quem eram os "padrinhos" das emendas de relator, Lira enviou uma tabela com as indicações que contavam, segundo suas próprias palavras, com o seu "apoio".

"Como forma de cumprir determinação de ampla publicidade e transparência na distribuição desses investimentos, anexo a este ofício uma planilha que reúne as informações solicitadas", escreveu o parlamentar, incluindo na relação apenas emendas direcionadas a Alagoas, seu reduto eleitoral, e não a totalidade da Câmara, como agora alega.

Na resposta ao STF, Lira afirma "apoio" a uma emenda de R$ 5,8 milhões, mesmo valor da compra, para a mesma Canapi, destinada à aquisição de material para a educação básica, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A compra dos kits foi feita pelo programa Educação Conectada, do MEC, com recursos do fundo.

Relatório da investigação da PF, obtido pelo GLOBO, aponta que auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) constatou o fato de escolas de Canapi não terem sequer infraestrutura para os alunos comer ou beber água, mas mesmo assim 92% dos recursos federais terem sido direcionados para a compra dos kits de robótica.

"As escolas de Canapi contempladas com os kits de robótica não tinham infraestrutura adequada, necessitado de reformas, ampliação, aquisição de bebedouros, mesas para refeitório, bancas escolares e, principalmente, notebooks a serem utilizados nas aulas com conteúdo de robótica. Houve concentração elevada de recursos para a aquisição dos kits de robótica, em detrimento de outras ações de infraestruturas necessárias", afirma a CGU. Procurada, a prefeitura da cidade não respondeu.

Os R$ 5,8 milhões de Canapi foram pagos para a empresa Megalic, que pertence ao casal Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PP). O vereador e seu pai são próximos de Lira.

A PF apura indícios de fraude em licitação e lavagem de dinheiro na compra dos esquipamentos. O inquérito apontou que as contratações de Canapi e outras 42 cidades teriam sido ilicitamente direcionadas para a Megalic, que cobrava das escolas R$ 14 mil por kit, após comprá-los por R$ 2.700 de uma empresa em São Paulo.

O advogado Eugênio Aragão, que defende a Megalic, disse que o processo de contratação da empresa já foi analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e foi afastada a hipótese de restrição indevida à competitividade ou de direcionamento. 

“Cabe ressaltar que a mesma auditoria considerou o preço das contratações compatível com o de outros fornecedores, o que levou o tribunal a determinar que as prefeituras que já tivessem concluído o processo de aquisição fizessem os devidos pagamentos à empresa”, afirmou, em nota. Já a advogada Carine Lira, que defende Edmundo Catunda, não retornou aos contatos.

Outras indicações

O repasse para Canapi não foi o único. O presidente da Câmara também afirmou ao STF ter indicado recursos de emenda de relator para outras oito cidades que abriram processo para adquirir os kits de robóticas e agora estão na mira da PF. Em todos os casos, os valores apontados por Lira coincidem com as cifras reservadas pelos municípios para serem usadas na compra dos equipamentos.

Uma dessas cidades é Atalaia, também em Alagoas, com população estimada em 47 mil habitantes. O município foi autorizado a utilizar R$ 4,22 milhões para comprar os kits, mas suspendeu o negócio após decisão do TCU no ano passado que apontou suspeitas de irregularidades nas aquisições. Na época, reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que os itens estavam sendo adquiridos por valor acima do de mercado.

O presidente da Câmara inclui na lista enviada ao STF uma emenda do mesmo valor, de R$ 4,22 milhões, para Atalaia. A cidade não recebeu qualquer outro valor de orçamento secreto. Ou seja: apenas Lira admitiu enviar recursos para a cidade, que não recebeu outros repasses fora este.

Ao todo, Lira listou a indicação de R$ 32 milhões para nove cidades de Alagoas utilizarem na área da educação, via FNDE, em 2021. Na época, o fundo ligado ao Ministério da Educação era comandado por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, partido de Lira.

Além de Canapi e Atalaia, na relação está Barra de São Miguel, comandada pelo seu pai, Benedito de Lira. O município no litoral alagoano foi beneficiado com R$ 1,23 milhão em 2021 via emenda de relator, mesmo valor que foi empenhado para a compra de kits de robótica.

O mesmo aconteceu em Mata Grande, Flexeiras, Coité do Noia, Feira Grande, Olho D'água das Flores e União dos Palmares. A maior emenda que teve "apoio" de Lira foi destinada a esta última, de R$ 9,1 milhões. O município, contudo, reservou R$ 7,3 milhões para adquirir os kits para os alunos da cidade, mas não chegou a utilizar o recurso após decisão judicial que barrou o pagamento.


Fonte: O GLOBO