Leandro Augusto dá aula de inglês no curso que agora tem o nome do jornalista britânico, assassinado há um ano

No ano passado, durante o funeral de Dom Phillips, o professor de inglês Leandro Augusto, cuja esposa é amiga da viúva de Phillips, se emocionou ao ouvir a leitura de uma carta de um jovem aluno do projeto social de Salvador (BA) onde o britânico dava aulas. 

A mensagem, que elogiava as ações de Phillips para além do ensino de inglês, dizia que aqueles meninos de três comunidades carentes ficariam órfãos. Foi então que Augusto se ofereceu para dar continuidade ao curso, hoje batizado de Dom Phillips Course.

— Os alunos eram felizes com as aulas, que iam parar. Aquilo me tocou. O curso é resultado de mais um dos legados que o Dom deixou — resumiu o professor, que não chegou a conhecer pessoalmente o jornalista britânico, assassinado ao lado do indigenista Bruno Pereira há um ano.

Morador de Nova Iguaçu, na Baixa Fluminense, Leandro Augusto conversou com os responsáveis pelo projeto social de Salvador, realizado pela Associação Emilia Machado (Aemba), e disse que poderia dar aula de inglês voluntariamente, da mesma forma que Phillips fazia, desde que houvesse estrutura para curso online. O acordo saiu, e hoje , um ano após o crime, cerca de 30 jovens das comunidades Alto Do Cabrito, Pau da Lima e Marechal Rondon continuam com o ensino do idioma.

Veja o conteúdo da carta lida no funeral

A carta, lida no dia do funeral pelo aluno Antonio Carlos, dizia que o trabalho do "professor Dom" não poderia terminar:

"O professor Dom saiu do seu país, de sua terra natal, para vir para um país distante e atuar em causas que ele não precisava atuar. O trabalho dele não se resumia apenas ao curso. Ele se preocupava com a preservação da natureza, com a crítica ao garimpo ilegal e com o desmatamento da Amazônia. Mesmo depois da sua morte, o seu trabalho não pode terminar, porque um trabalho desse precisava continuar para as outras gerações", trazia o texto.

Leandro Augusto explicou que a continuidade do curso é uma forma de respeitar as boas lembranças sobre Dom Phillips, pois "existem dores que, se ficar cutucando, acaba doendo demais".

—Então sentamos em sala para tocar o curso — resume o professor, que convocou outro colega para assim conseguirem abrir mais uma turma. — O inglês consegue colocar a pessoa numa conversa universal, é uma língua que abre portas e rompe barreiras. Eles são pessoas pobres, essencialmente pretas, que talvez não tivessem oportunidades. Mas tem sonhos, de coreógrafo e bailarino a perito técnico. Com o domínio do inglês eles tendem a atingir lugares que talvez não conseguissem.

Augusto também cresceu em uma região periférica, com poucas oportunidades, e por isso queria devolver parte daquilo que pôde receber através da então ajuda de familiares, quando jovem. Ao longo da carreira, ele trabalhou em escolas e cursos, mas há oito anos saiu da sala de aula para assumir a gerência de um colégio. Nos últimos tempos, passou a procurar possibilidades de dar aulas voluntárias.

— Eu cresci numa comunidade também menos favorecida e sei das dificuldades, mas sei o quanto o inglês abriu portas para mim, através de lugares e pessoas que conheci. Agora tenho essa oportunidade de devolver para eles um pouco do que me foi ofertado — finaliza o professor.


Fonte: O GLOBO