Presidente foi recebido pelo premier Rishi Sunak, com quem antecipou temas que serão discutidos durante a cúpula da aliança militar que começa amanhã na Lituânia

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, encontrou-se nesta segunda-feira com o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, e com o rei Charles III, durante uma breve escala em Londres. O democrata irá em seguida para a reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que começa amanhã em Vilna, onde um dos assuntos-chave deve ser a promessa americana de enviar as controversas bombas fragmentárias para ajudar a Ucrânia a repelir os invasores russos.

A escala de Biden na antiga metrópole será de menos de 24 horas: desembarcou no aeroporto de Stansted, nos arredores da capital, na noite de domingo e seguirá para a Lituânia ainda na noite desta segunda. Não chega a ser uma visita de Estado, mas é o cultivo de um laço que tornou-se ainda mais importante para Londres após seu divórcio com a União Europeia (UE), concluído em 2021.

O encontro com o rei Charles, chefe de Estado, é um sinal do prestígio que os britânicos tentam cultivar com Washington, após o presidente americano cruzar o Atlântico para o funeral da rainha Elizabeth II, em setembro, mas não para a coroação do novo monarca, em abril. Mandou em seu lugar a primeira-dama, Jill Biden, e uma das netas do casal, Finnegan.

Antes da reunião, foi noticiado que o encontro no Palácio de Windsor teria como pauta temas caros a ambos: investimentos em energia verde e tentativas de combater a crise climática. Charles chama atenção para a crise ambiental desde antes de o assunto ser popular ou ser vista como algo urgente. Exercia uma espécie de ativismo do qual precisou abdicar parcialmente ao ascender ao trono, já que o monarca britânico é legalmente vetado de intervir em questões políticas.

Biden, por sua vez, faz do assunto uma das prioridades de seu governo, mas esbarra em um Congresso dividido — mesmo quando seu Partido Democrata tinha o controle de ambas casas, durante a primeira metade do seu governo, esbarrou na resistência de aliados para implementar seus planos da forma exata que desejava. Os pontos em comum entre o americano, de 80 anos, e o rei britânico, quatro anos mais jovem, não param por aí.

Ambos passaram anos nas coxias, aguardando para assumir o posto máximo. Charles é o rei que por mais tempo aguardou para ascender ao trono, frente à vida longeva de sua mãe, que morreu em 8 de setembro de 2022 aos 96 anos. Biden, paralelamente, foi senador por 36 anos, vice-presidente por outros oito, e concorreu à Casa Branca três vezes.

Ambos têm o desafio de capitanear instituições que enfrentam crises de credibilidade: um precisa dar o tom em uma instituição milenar cujas tradições com alguma frequência estão em descompasso com o século XXI. Mais do que isso, herda o trono de uma mulher cuja imagem se misturava com a da instituição e com a própria identidade britânica.

Biden, por sua vez, tem a tarefa de governar um país amplamente polarizado, assumindo a Casa Branca exatos 14 dias após uma turba incitada por seu antecessor, Donald Trump, invadir o Capitólio durante a sessão derradeira para confirmar a vitória democrata. O episódio, maior teste de estresse ao que a democracia americana foi submetida na História recente, foi o ápice de uma fracassada cruzada trumpista para pôr em xeque a lisura do pleito e tentar reverter sua derrota no voto popular.

Politicamente, contudo, o encontro com o rei é secundário. O tema principal da passagem de Biden por Londres foi sua reunião com Sunak, que afirmou ao presidente americano "ter muito privilégio" em ser seu anfitrião. O relacionamento bilateral, disse o primeiro-ministro, é "sólido como uma rocha", após atritos iniciais para organizar a reunião.

De acordo com o New York Times, a Casa Branca havia inicialmente questionado a necessidade de para em Downing Street, a sede do governo britânico, já que os dois chefes de governo se encontrarão na terça para a reunião da Otan. Para Sunak, contudo, o aperto de mãos e a fotografia com Biden são valiosas.

Após ultrapassar os dois dígitos no ano passado, inflamada pela guerra na Ucrânia e pelas consequências do Brexit, a variação anual da inflação está estagnada em 8,7%, com altíssimos custos de vida para os ucranianos. Ele chegou ao poder em outubro do ano passado, o terceiro premier que o país teve em um intervalo de sete semanas, em meio à enxurrada de controvérsias sob o comando de Boris Johnson e a caótica política econômica de Liz Truss, ambos também conservadores.

Os fracassos consecutivos levaram à popularidade do Partido Conservador a despencar, algo que Sunak até agora não conseguiu reverter. De acordo com o compilado de pesquisas Poll of the Polls, do site Politico, se o pleito geral previsto para ocorrer no mais tardar em janeiro de 2028 fosse hoje, os trabalhistas teriam 46% das intenções de voto, contra 26% dos conservadores.

Guerra em pauta

Sem grandes anúncios, o encontro de Biden e Sunak antecipou alguns dos tópicos que devem ser prioritários na cúpula da Otan, entre eles a adesão ucraniana à aliança e a velocidade com que ela deve ocorrer, e a decisão americana de enviar as munições fragmentárias. Londres e Washington são dois dos defensores mais ferrenhos da ajuda a Kiev, mas divergem parcialmente em tais aspectos.

Sunak disse no mês passado que "o lugar correto" para Kiev é na aliança, criada ao fim da Segunda Guerra Mundial, mas não chegou a pedir que a cúpula termine com um plano de ação para o ingresso ucraniano. Para Kiev, a entrada é tida como uma garantia fundamental de segurança devido ao seu artigo 5º, que determina que "um ataque armado contra um ou mais" Estados-membros "será considerado um ataque contra todos eles".

Biden, contudo, disse abertamente no domingo acreditar que a Ucrânia "ainda não está pronta" para se juntar aos 31 integrantes da aliança, afirmando que é um processo prematuro de ir em frente enquanto a guerra está em curso. As conversas para a adesão de Kiev, em curso desde 2008, mas intensificadas nos últimos anos, foram citadas por Putin como um dos motivos para invadir o país vizinho no ano passado.

Putin afirma que com a queda do Muro de Berlim, a aliança havia se comprometido a não se expandir para o Leste Europeu — algo que não foi posto no papel e cuja veracidade é motivo de questionamentos. Desde então, as expansões para o leste sempre foram criticadas por Moscou. Reforçar a presença militar e a estratégia de defesa no flanco oriental, inclusive, deve ser outro ponto importante da cúpula de terça e quarta.

Outro assunto citado por Biden e Sunak deverá ser o envio americano das munições controversas, decisão que o presidente afirmou ter sido "muito possível", mas necessária frente à crise de escassez de munições. O arsenal de Kiev praticamente se esgotou ainda nos meses iniciais da guerra, e os ucranianos dependem da ajuda ocidental para resistir aos russos.

Apesar disso, a produção de munição não dá conta do grande gasto e da superioridade do efetivo russo. Os aliados se comprometeram com medidas para aumentar a fabricação, mas são melhorias que levam tempo para serem implementadas. Frente a isso, Biden anunciou que iria enviar as controversas munições.

Bombas fragmentárias

Também chamadas de bombas cluster, os artefatos se abrem quando são disparados, dispersando centenas de granadas menores que explodem ao entrar em contato com seu alvo. Quando não detonam no impacto, entretanto, tornam-se minas que representam um risco para os civis mesmo depois de terminados os conflitos — localizá-las e retirá-las quando a guerra terminar deverá ser um desafio por si só.

O Reino Unido está entre as 123 nações que assinaram a Convenção das Nações Unidas sobre Bombas de Fragmentação de 2008, assim como a França e a Alemanha. O acordo, na prática, veta todo o uso, produção, transferência e armazenamento de tais armas.

Os EUA, a Rússia e a Ucrânia nunca assinaram o tratado, argumentando que há circunstâncias em que os artefatos devem ser usados, apesar do potencial para graves baixas civis. Segundo o Pentágono, as remessas que irão para a Ucrânia têm um índice de falha de 2,35% ou menos, bem menor que o habitual para a categoria.

As bombas contêm granadas mais velhas que, sabe-se, têm uma taxa de erro de 14% ou mais, o que acende o sinal vermelho. Sunak tentou se distanciar da decisão, afirmando que Londres "desencoraja" o uso de tais armas. Os alemães também se recusaram a mandá-las. Há alguns meses, quando um relatório da ONU disse que tais armas estariam sendo usadas pelas russos, Washington havia afirmado que, se verdade, isso seria um "crime de guerra".


Fonte: O GLOBO