Farmacêutica recolheu lotes do medicamento; cenário levou ao desabastecimento nas farmácias e deixou famílias sem opção de tratamento

Um bebê foi hospitalizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, devido ao descontrole das crises epilépticas decorrente da interrupção do tratamento de uma síndrome rara. Davi Carvalho, de dois anos, faz uso do medicamento sabril, do laboratório Sanofi, mas ele foi interrompido após o remédio ser recolhido pela farmacêutica por estar contaminado.

No início do mês, a Sanofi anunciou o recolhimento voluntário de quatro lotes do remédio depois que os testes de controle de qualidade identificaram a contaminação com uma outra medicação, a tiaprida, um antipsicótico muito utilizado no tratamento de pacientes com transtorno de uso de álcool para amenizar os sintomas da abstinência.

O laboratório afirma que os níveis da tiaprida identificados são muito abaixo da dose diária permitida para adultos, mas que, por “não haver estudos descritos na bula que demonstrem os efeitos na população pediátrica”, não é possível garantir a ausência de riscos entre os mais novos.

O sabril é um medicamento feito à base de vigabatrina, indicado como coadjuvante no tratamento de pacientes com epilepsias parciais resistentes, ou seja, graves, e como terapia primária para Síndrome de West, diagnóstico raro que causa espasmos infantis e afeta o neurodesenvolvimento – caso do Davi. Não existe genérico ou venda por outro laboratório.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Neurologia infantil (SBNI) e a Liga Brasileira de Epilepsia (LBE) recomendaram que o uso do medicamento não fosse interrompido de forma abrupta devido ao “risco de descontrole das crises epilépticas, incluindo a possibilidade de situações de extrema gravidade”. Orientou aos médicos que avaliassem individualmente o risco e o benefício do uso do remédio, mesmo contaminado, para cada paciente.

Segundo contou a mãe de Davi, Maria Clara Gomes, ao jornal Estado de Minas, a criança chegou a continuar o tratamento com os lotes afetados, porém começou a apresentar reações como vômitos com sangue, hipersalivação e crises de convulsão.

Com isso, a mãe foi orientada a suspender o uso do sabril e, três dias depois, o pequeno voltou a ter os sintomas da síndrome de antes do início da terapia, como as crises epilépticas constantes e espasmos musculares.

— Meu filho estava sofrendo efeitos colaterais devido à contaminação e a situação dele piorou após a interrupção abrupta do medicamento, devido às crises de abstinência — disse ao jornal.

Davi está internado há uma semana em BH. A mãe conta que o sabril foi o único medicamento que controlou o quadro do filho, mas que não conseguiu encontrar unidades que não pertencessem aos lotes com contaminação. Como mostrou O GLOBO, a Sanofi reconheceu que o recolhimento pode levar a ”faltas temporárias do produto” e disse que um novo lote do medicamento está em produção.

A reportagem também mostrou a dificuldade que famílias estão relatando no acesso ao tratamento com a medida. No caso da Alice, de 13 anos, a terapia continuou mesmo com os lotes contaminados por orientação médica.

— Ela faz uso contínuo da medicação desde um ano de idade, ela é fundamental no seu tratamento. Eu recebi um WhatsApp da médica sobre a contaminação dizendo que estavam recolhendo. Eu tinha duas caixas, ambas dos lotes contaminados. Ela me orientou a comprar mais unidades, as que conseguisse antes de saírem das farmácias, mesmo contaminadas, porque se ela parasse teria o risco de convulsão — contou Elisangela Prado, de 48 anos, mãe de Alice.

Ela, que é técnica de informática, encontrou 10 caixas à venda, todas de lotes contaminados, e comprou antes que elas fossem recolhidas. Gilca Soares, neuropediatra do centro de epilepsia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio de Janeiro, explicou que, por ser uma medicação muito específica, é difícil substituí-la.

— O sabril é uma medicação bastante específica para pacientes com epilepsias graves. Quando interrompemos, corremos o risco de fazer nosso paciente, que pode já estar controlado, ter uma piora. Essa suspensão abrupta é uma loteria, podemos tentar trocar por uma medicação de segunda linha, que não é a melhor, e ele ficar bem, ou piorar muito. De uma forma geral, pelo que sabemos, o efeito da retirada seria pior do que a manutenção do lote contaminado. Mas temos que avaliar caso a caso — disse a especialista, que é professora da Faculdade de Medicina Souza Marques, no Rio.

Os quatro lotes do Sabril de 500 mg de 60 comprimidos que foram recolhidos de farmácias e distribuidoras são:

CRA02747, com vencimento em 30/04/2024
CRA06696R, com vencimento em 31/08/2024
DRA00489V, com vencimento em 31/01/2025
DRA00490, com vencimento em 31/01/2025

Em caso de dúvidas sobre o medicamento, a Sanofi disponibiliza o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC): 0800 703 0014 (de segunda a sexta-feira das 8h00 às 18h00) ou por e-mail (sac.brasil@sanofi.com). 


Fonte: O GLOBO