Equipe da coluna conversou com oito ministros de diferentes alas do tribunal para mapear os humores da Corte
A campanha da advogada brasiliense Daniela Teixeira, integrante do grupo Prerrogativas, por uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ) está causando incômodo nos bastidores da Corte.
Daniela, que tem o apoio do futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, é casada com Miguel Matos, advogado, editor do portal jurídico Migalhas e presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.
Na primeira parte do processo seletivo, a advogada brasiliense encabeçou a votação interna da OAB, com 28 votos. De acordo com diversos relatos obtidos pela equipe da coluna, atuou nos bastidores para ser a única mulher da lista, o que poderia lhe dar vantagem mais à frente, como forma de sensibilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e a própria primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja – a aumentar a presença feminina no tribunal.
Atualmente, o STJ conta com apenas seis mulheres entre seus 30 integrantes – ou seja, 20% da Corte.
A lista sêxtupla formada nessa votação da OAB será submetida agora aos próprios ministros do STJ em 23 de agosto, quando eles selecionarão, em votação secreta, três nomes a serem submetidos ao presidente da República. Até agora, Lula não fez indicações ao STJ em seu terceiro mandato.
A campanha para a vaga está acirrada, com os candidatos aproveitando todas as oportunidades para fazer lobby – como no último Fórum Jurídico de Lisboa, promovido na semana passada pelo instituto ligado ao ministro do STF Gilmar Mendes.
Daniela estava lá, assim como os advogados Otávio Rodrigues e André Godinho.
Mas os movimentos da advogada têm sido considerados mais agressivos e incomodam especialmente por causa da postura nas redes sociais.
Ao longo dos últimos dois meses, a equipe da coluna conversou reservadamente com oito ministros de diferentes alas do STJ para mapear os humores da Corte.
Os magistrados se incomodaram particularmente com postagens de Daniela com Lula e integrantes do governo, como o ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo, durante a entrega do prêmio Camões ao cantor Chico Buarque, em Portugal.
As publicações foram interpretadas como uma forma de demonstrar poder e influência perante uma Corte repleta de vaidades, frituras e disputas internas entre magistrados, muitos dos quais sonham em ser “promovidos” a ministros do STF um dia.
Aliados da advogada a defendem dizendo que os registros foram feitos em eventos públicos, na presença de outras pessoas, e não em agendas privadas.
Integrante do grupo de advogados Prerrogativas, ela conta com o apoio de vários petistas importantes, como a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e tem o endosso dos colegas da entidade.
“É unânime, o grupo encampou a candidatura da Daniela e acha que o presidente vai dar um belo recado ao nomear uma mulher progressista, que já foi conselheira federal da ordem e trabalhou pelo empoderamento das mulheres nas carreiras de Estado, do sistema de Justiça e nos espaços institucionais da própria ordem”, disse o coordenador do grupo, Marco Aurélio de Carvalho.
Mas a maioria dos magistrados consultados pela equipe da coluna tem alguma ressalva com a candidatura de Daniela Teixeira, embora reconheça o seu favoritismo na corrida. Alguns deles até consideram inevitável que ela seja um dos três nomes da lista final que será enviada a Lula.
“Acho difícil ela não entrar na lista tríplice. Mas a campanha agressiva pode atrapalhar”, disse um ministro. “Quem aparece muito às vezes exagera.”
“Tem colegas que não querem vê-la nem pintada de ouro”, alfineta um ministro, para quem Daniela já se considera com a mão na cadeira aberta com a aposentadoria de Felix Fischer.
Daniela possui bom trânsito não só entre os petistas, mas também no Supremo. Em 2019, em pleno governo Bolsonaro, encabeçou uma lista tríplice para vaga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), definida e votada pelo STF – conseguiu o voto de todos os ministros. No caso daquela vaga, partiu da então presidente do TSE, Rosa Weber, a iniciativa de colocar seu nome na lista.
Mas Bolsonaro vetou Daniela para o tribunal por conta de um episódio de 2016. Em setembro, durante uma sessão da Câmara sobre a “cultura do estupro”, ela fez um discurso direcionado a ele, que havia atacado verbalmente Maria do Rosário, ao dizer que a parlamentar é “feia” e “não merece ser estuprada”.
“E eles devem ser punidos, sejam eles quem for, seja o marido da vítima, seja o coronel que está abusando de uma criança de dois anos, seja o promotor que está abusando de uma vítima durante uma audiência ou seja um deputado que é réu, sim, numa ação já recebida no STF. É o senhor, deputado Jair Bolsonaro, réu”, afirmou.
Quando a lista tríplice foi enviada ao Planalto, o próprio filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, a provocou nas redes sociais: “Encheu a boca na tentativa de esculhambar com o deputado federal, agora quer cargo do presidente.”
O episódio voltou à tona agora por adversários de Daniela, que tentam colar nela o rótulo de “briguenta” e “sangue quente” e lançam dúvidas sobre sua capacidade de ter a frieza de seguir a liturgia das sessões de julgamento. Interlocutores da candidata ao STJ, porém, atribuem essas acusações ao machismo, já que ela é conhecida pela luta pelos direitos das mulheres e tem mais de duas décadas de atuação no próprio STJ.
“Não tenho proximidade com o presidente Lula e não conheço a sra. primeira Dama Janja. Não existe ‘clima de já ganhou’, pelo contrário, estou trabalhando sério e respeitando todas as etapas do processo”, afirmou Daniela à coluna.
A lista sêxtupla reúne nomes que contam com padrinhos de peso, como o ex-diretor jurídico da presidência do Senado Luís Cláudio Chaves, que conta com o lobby do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Otávio Rodrigues, membro do Conselho Nacional do Ministério Público, apoiado pelo pelo ministro Dias Toffoli.
Outro adversário de Daniela na disputa é o advogado Márcio Fernandes, ex-diretor jurídico da Souza Cruz, alvo de uma nota de repúdio da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos, que demonstrou “preocupação” com sua candidatura devido à sua “trajetória profissional" ocupando cargos em um setor que se pauta “pela falta de ética”.
Em sua inscrição para comprovar à OAB o “notável saber jurídico”, Fernandes anexou contratos firmados para eventos sociais e até o cardápio de um desses eventos, conforme revelou o Estadão.
Fonte: O GLOBO
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