Kremlin culpou Kiev, mas ucranianos permanecem propositalmente ambíguos sobre autoria; incidente é ao menos o terceiro contra alvos civis da capital russa neste ano
Cinco drones foram abatidos nos subúrbios de Moscou por volta do amanhecer nesta terça-feira, algo caracterizado pelos russos como um "ato terrorista" que prejudicou as operações no aeroporto internacional de Vnukovo. Não houve danos humanos, mas é ao menos o terceiro incidente do tipo neste ano, em mais um indício de que a invasão na Ucrânia tem repercussões crescentes no perímetro russo.
O episódio coincide com uma contraofensiva ucraniana que começou no mês passado e encontra dificuldades para ter grandes avanços na retomada de territórios ocupados pelo Kremlin desde que a guerra começou em 24 de fevereiro do ano passado. Em um comunicado, o Ministério da Defesa russo culpou Kiev, que não reconheceu a autoria.
O país de Volodymyr Zelensky, via de regra, permanece propositalmente ambíguo sobre ataques contra o território russo. Tem como estratégia, entretanto, causar incidentes cujo propósito não é necessariamente causar danos maciços, mas distrair o inimigo e abalar a opinião pública — algo que parece ser uma preocupação em especial do Kremlin após o breve motim realizado no fim do mês passado pelo grupo paramilitar Wagner.
"Esta manhã nós impedimos uma tentativa do regime de Kiev de cometer um ato terrorista com cinco drones direcionados contra pontos na região de Moscou e nas proximidades da capital russa", afirmou o ministério russo da Defesa em comunicado.
Em tom similar, a Chancelaria russa disse por meio da porta-voz Maria Zakharova que "a tentativa do regime de Kiev de atacar uma área onde há infraestrutura civil, incluindo o aeroporto, que também recebe voos estrangeiros, é mais um ato de terrorismo".
— Como o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky comete estes atos terroristas utilizando armas fornecidas pelo Ocidente ou compradas com financiamento ocidental, trata-se de terrorismo internacional — disse ela. — A comunidade internacional deve compreender que Estados Unidos, Reino Unido e França, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, estão financiando um regime terrorista.
O Kremlin, paralelamente, é com frequência acusado de mirar em infraestruturas civis ucranianas, incluindo prédios residenciais e centros de distribuição de energia e água, em sua operação militar especial, eufemismo russo para a guerra com o país vizinho. Os assaltos regularmente deixam mortos e feridos.
As convenções de Genebra, que adquiriram sua forma final após a Segunda Guerra Mundial, que estabelecem os direitos dos civis durante situações de conflito armado, vetam o ataque a infraestrutura civis mesmo em tempos de conflito. Ambos lados são acusados de crimes de guerra nos últimos 17 meses, mas as acusações contra a Rússia são significativamente mais volumosas do que as contra a Ucrânia.
Quatro drones foram destruídos pela defesa antiaérea perto da capital russa — dois deles, segundo as agências de notícia russas, perto de um vilarejo a cerca de 30 km ao sudoeste do Kremlin, um na região vizinha de Kaluga e outro em Kubinka, a 63 km ao leste de Moscou, que supostamente tinha como alvo uma base do Exército. O quinto foi neutralizado por "recursos de guerra eletrônica" no distrito de Odintsovo, na região da capital.
"Hoje houve uma nova tentativa de ataque com drones ucranianos em Nova Moscou e na região de Moscou", escreveu no Telegram o prefeito da capital, Sergei Sobyanin. "Até agora, os ataques foram repelidos pelas forças de defesa aérea, e todos os drones detectados foram eliminados."
Pousos e decolagens foram interrompidos por volta das 5h (23h no Brasil) no aeroporto Vnukovo, um dos quatro maiores do país, mas as operações foram retomadas cerca de três horas depois. Voos domésticos, além de para países como Turquia, Emirados Árabes Unidos e Egito foram afetados.
Em vídeos compartilhados nas redes sociais é possível ouvir o barulho de explosões no bairro de Nova Moscou, vizinhança planejada no sul da capital. Também há imagens da fumaça negra tomando partes do céu da capital.
No último dia 21, a Rússia disse ter interceptado três drones no espaço aéreo de sua capital, dois deles perto de uma base militar, atribuindo-os a Kiev. Em 30 de maio, prédios residenciais em uma área nobre de Moscou foram atingidos pelos artefatos, os primeiros ataques do tipo contra áreas civis da capital desde que a guerra começou.
Vinte e sete dias antes, o Kremlin supostamente foi alvo de outro ataque com drones, algo que os russos classificaram como uma tentativa de magnicídio apesar de presidente Vladimir Putin estar em outro lugar.
Moscou e seus arredores, a cerca de 500 quilômetros da fronteira com a Ucrânia, registraram poucos ataques, e a vida transcorre de forma relativamente normal. Também em maio, milícias de nacionalistas russos pró-Ucrânia realizaram alguns ataques do lado russo da fronteira, na província de Belgorod.
Desde a eclosão da guerra os aliados ocidentais, que abastecem Kiev com armas após seu próprio arsenal se exaurir, temem que ataques ucranianos contra o território russo acirrem o conflito e caracterizem cobeligerência. Devido a isso, evitaram por meses enviar armas mais poderosas para Kiev, rigidez que foi flexibilizada conforme os meses passavam com envio de sistemas de defesa, tanques e caças, por exemplo.
Ainda há linhas vermelhas com armamentos mais pesados e que podem ser facilmente usados contra os russos, como mísseis de longo alcance. A exceção é o Reino Unido, que enviou seus mísseis Storm Shadow, mas Kiev teria se comprometido a não usá-los contra alvos em território russo.
Em seu pronunciamento à nação na segunda, Zelensky disse que drones russos atingiram o escritório local do serviço doméstico de inteligência da Ucrânia na região de Sumy, no norte, além de um prédio residencial. Três pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas.
Na frente de batalha, a Ucrânia afirmou na segunda-feira que recuperou 37 km² no leste e sul após uma semana "difícil" na contraofensiva, mas admitiu que as tropas russas atacam as forças de Kiev em outras regiões.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários