Ministério dos Transportes já conversa com quatro empresas que detêm concessões com problemas, como obras atrasadas diz Renan Filho ao GLOBO

O governo federal negocia contratos de concessão de rodovias que estão com problemas, como atrasos em obras previstas, numa forma de destravar investimentos na área de infraestrutura. Se todos os contratos forem alterados, é possível um adicional total de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões em aportes em projetos estruturais e de modernização em estradas em diferentes regiões do país, disse ao GLOBO o ministro dos Transportes, Renan Filho.

Desse montante, R$ 40 bilhões seriam executados ainda durante o atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que termina em 2026, de acordo com ele.

O plano de investimentos do governo nas rodovias inclui recursos públicos (cujo volume disponível aumentou com as mudanças do arcabouço fiscal, a ser confirmado pela Câmara no mês que vem), novos leilões e o reequilíbrio financeiro de concessões que estão com problemas, além da execução dos contratos saudáveis em vigor.

A revisão de concessões atuais é a vertente mais complexa da ofensiva. Exige negociações individuais com as empresas, com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e com o Tribunal de Contas da União (TCU).

Hoje, o governo tem ativos 24 contratos de concessão de rodovias em diversas regiões do país. Segundo Renan Filho, cerca de dois terços dessas estradas estão em processo de devolução e relicitação ou têm “desequilíbrios graves” em seus contratos.

São uma série de problemas, como atrasos em obras ou tarifas consideradas muito baixas, que não dão conta de bancar os investimentos previstos, segundo as concessionárias.

As empresas por trás desses contratos problemáticos pedem para devolver a concessão ou pleiteiam o reequilíbrio dos acordos (que requerem revisão de investimentos e tarifas). O ministro avalia que é mais vantajoso para o governo renegociar esses ativos que fazer uma nova licitação, decorrente da devolução das concessões. Até agora, não houve relicitação de nenhuma rodovia devolvida.

— Isso (renegociação) acelera investimentos, porque a empresa já está no trecho, já tem projetos e muitas vezes já tem licença ambiental, além de já conhecer aquela região. Isso facilita fazer o investimento. Encontra um caminho mais ágil que a relicitação total — afirma.

Neste momento, há quatro rodovias passando por esse processo de renegociação: ECO 101, que administra a BR-101 ao longo de todo o Espírito Santo até a Bahia; a MSVIA, que cuida da BR-163 em Mato Grosso do Sul; a Arteris Fluminense, responsável pela BR-101 em trecho do Rio entre Niterói e Campos dos Goytacazes; e a ViaBahia, concessionária que administra o sistema rodoviário formado por diversos trechos no estado. Outras rodovias devem entrar nessa lista.

A renegociação desses contratos problemáticos é parte de um pacote de concessões e investimentos que o governo quer promover, que inclui ainda os leilões de quatro novas concessões de rodovias. O primeiro será o do lote 1 de rodovias do Paraná, previsto para 25 de agosto. Na sequência, vêm o do lote 2 das rodovias paranaenses, a BR-040 (entre Rio e Belo Horizonte) e a BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG).

Para avançar nas renegociações, é necessário um aval do Tribunal de Contas da União (TCU), que precisa autorizar, por exemplo, que empresas que manifestaram interesse em devolver a concessão desistam do processo em troca da revisão do contrato. É o mesmo procedimento que permitiria à concessionária RIOGaleão permanecer no Aeroporto Internacional do Rio.

A previsão é que o tema volte a ser analisado nesta semana pelo plenário do TCU, após um pedido de vista do ministro Walton Alencar.

— O TCU precisa autorizar a modernização dos contratos. A lei diz que quando o concessionário desiste de um ativo ele não pode desejar permanecer na concessão. Entretanto, quando há interesse público, não haveria problema. Porque é muito difícil relicitar. A lei de relicitação é de 2017, e até hoje nenhuma rodovia foi relicitada — diz Renan Filho.

Foram definidas diretrizes para a renegociação. Entre as mudanças está a antecipação de investimentos previstos ao longo do contrato para os três primeiros anos após o acordo. Outra diretriz é custo do pedágio inferior ao que seria estabelecido em um novo leilão e a adoção de degraus tarifários pelo atingimento de metas pela concessionária.

Outra saída é a prorrogação dos contratos por até 15 anos, como forma de garantir ao operador privado o retorno sobre os investimentos. Para o ministro, essa última opção vai permitir novos planos de investimentos nas vias.

Além disso, as empresas terão que abrir mão de todos litígios — administrativos, arbitrais e judiciais —, aceitar um novo modelo de concessão e e o acompanhamento de um verificador independente. Se as obras acordadas não forem feitas, a cassação da concessão será automática, de acordo com ele.

O novo modelo de concessões prevê, por exemplo, a adoção de tecnologia que permita o pedágio por quilômetro rodado (mecanismo chamado de “free-flow“), descontos progressivos de tarifa para motoristas por frequência utilizada e inovações de monitoramento de tráfego e socorro, como uso de drones e câmeras com reconhecimento de caracteres. A ideia é unificar todos os contratos sob essas diretrizes, mas os acordos serão feitos caso a caso.

— O entendimento é individual, a ANTT participa, e o TCU tem de aferir a vantajosidade. E a ideia é que seja, de forma única, uma oportunidade de corrigir erros históricos — disse Renan Filho.

Lucas Sant’Anna, sócio do Machado Meyer Advogados, lembra que governos recentes têm enfrentado dificuldades para fazer as relicitações, como a definição da indenização aos operadores que devolvem concessões. Para o advogado, no entanto, uma renegociação não é necessariamente mais vantajosa:

— Será uma análise caso a caso. Mas é uma possibilidade para o governo destravar esses investimentos e ativos que estão parados.

Para Sant’Anna, o maior desafio é encontrar o ponto de equilíbrio de um contrato que está com dificuldades financeiras:

— Pode ser que tenha algum que, com alguma mexida pequena, se torne atrativo. A maioria deles, porém, tem problemas muito sérios, com relação a cadernos de encargos, planos de investimentos e até problemas estruturais. A possibilidade de renegociação é boa, mas o governo precisa ter sensibilidade de fazer as alterações necessárias. Um paliativo não resolve.


Fonte: O GLOBO