Documento foi assinado por seis entidades, incluindo a Human Rights Watch e a Comissão Internacional de Juristas

A inabilitação de pré-candidatos a cargos públicos na Venezuela, como María Corina Machado, principal candidata da oposição segundo as pesquisas mais recentes, que na semana passada ficou inelegível por 15 anos, “mina os princípios da democracia e impedem a inclusão e a equidade do processo eleitoral” no país governado por Nicolás Maduro, afirmaram organizações internacionais, nesta quinta-feira, em uma declaração conjunta.

“Estamos preocupados com a contínua desqualificação arbitrária de candidatos da oposição por meio de procedimentos administrativos”, disseram. “A recente proibição de 15 anos da candidata da oposição María Corina Machado, bem como proibições anteriores de figuras proeminentes da oposição, como Leopoldo López, Henrique Capriles e Freddy Superlano, restringem severamente o direito do povo venezuelano de escolher seus representantes. Essas desqualificações minam os princípios da democracia e o direito à participação política e impedem a inclusão e a equidade do processo eleitoral.”

O documento foi assinado por seis organizações internacionais: Escritório de Washington para a América Latina (Wola); Centro Global para a Responsabilidade de Proteger; Robert F. Kennedy Human Rights (RFKHR); Fundação para o Devido Processo (DPLF); Comissão Internacional de Juristas (ICJ); e Human Rights Watch (HRW).

Um documento da Controladoria de Justiça da Venezuela, pró-governo, divulgado na sexta-feira da semana passada, determinou a cassação de uma extensa lista de opositores, incluindo ainda Henrique Capriles, em segundo nas pesquisas da oposição, e o ex-deputado Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino por mais de 50 países, incluindo o Brasil, e se refugiou nos Estados Unidos em abril.

Segundo a Controladoria, o descredenciamento de María Corina é baseado em "irregularidades administrativas" de quando ela era deputada, entre 2011 e 2014. Uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Nicolás Maduro, em fevereiro de 2014, ela teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada na época pelo chavista Diosdado Cabello, número dois do regime. Depois, em 2015, foi inabilitada politicamente e proibida de deixar o país.

Em princípio, a inabilitação era válida por um ano. Agora, María Corina também é acusada de ter participado de "uma trama de corrupção" encabeçada por Guaidó.

Além da perseguição a opositores, na semana passada o governo de Nicolás Maduro pressionou pela renúncia dos reitores chavistas do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), inviabilizando a tentativa da oposição de organizar primárias com a assessoria técnica do órgão eleitoral.

Em 2020, a nomeação da nova direção do CNE, aparentemente equilibrada e razoável, foi comemorada com uma conquista política. Agora, com o processo de escolha de novos reitores em aberto, o órgão fica impedido tomar medidas para o pleito do ano que vem até que a nova reitoria tome posse, atrasando a divulgação de um cronograma eleitoral, não divulgado até agora.

“Déficits persistentes nas condições mínimas para eleições livres e justas continuam a impedir o processo democrático na Venezuela”, acrescentaram as organizações civis na nota. “A falta de separação de poderes, a desqualificação política de candidatos, as dificuldades de atualização do Cadastro Eleitoral, que deveria estar permanentemente habilitado para todos os potenciais eleitores, o acesso limitado a informações claras e oportunas e a ausência de garantias à liberdade de expressão, foram condições destacadas pela missão [de observação eleitoral] da União Europeia em 2021.”

Até o momento, porém, “muito pouco foi alcançado na implementação dessas reformas”, que incluem, ao todo, 23 recomendações emitidas pela UE para que a Venezuela melhorasse os seus processos eleitorais, destaca a nota. Uma delas propunha "suprimir a prerrogativa da Controladoria de privar os cidadãos do direito fundamental de se candidatarem às eleições por procedimento administrativo e sem notificação oportuna, o que afeta o direito de defesa".

De acordo com o documento, as Nações Unidas reconhecem que “eleições genuínas são aquelas que revelam e dão efeito à vontade livremente expressa do povo”. Por esta razão, defendem as organizações civis, “as eleições devem respeitar o Estado de direito e estar livres de qualquer pressão exercida pelo partido oficial ou por outros atores”.

“O percurso eleitoral que antecede as próximas eleições não deve ser uma mera formalidade, mas um verdadeiro processo que reconhece que a participação política é muito mais do que o direito de voto”, conclui o documento.


Fonte: O GLOBO