Proposta discutida por Anac e Ministério da Justiça prevê barrar transporte de quem se mete em barracos
Não é só a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) que tem resistência à criação de uma “lista de barrados” para vetar a entrada em voos comerciais de “passageiros indisciplinados”. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também vê com ressalvas a proposta, que tem sido debatida internamente por integrantes do governo Lula e é defendida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pelas companhias aéreas.
A Anac e as áreas defendem a criação de uma “no fly list” como resposta ao número crescente de tumultos que têm ocorrido não apenas dentro das aeronaves, mas também nas filas de embarque e nos balcões das companhias, no momento do check-in.
“Consumidores agressores, abusadores ou criminosos precisam ser punidos conforme a lei, mas o Idec não pode aceitar que as empresas aéreas e a Anac se unam para criar qualquer tipo de regra punitiva a consumidores para que sejam depois usadas para coagir, calar ou cercear direitos de quem está de boa-fé e pacificamente reclamando por seus direitos”, disse à equipe da coluna o diretor de relações institucionais do Idec, Igor Britto.
“Por fim, é sempre desagradável ver um setor empresarial propor regras para uma agência reguladora punir consumidores sem que seus representantes saibam disso. O Idec aguardará o andamento desse processo regulatório e o convite da Anac para participarmos das discussões.”
A Anac define como passageiro indisciplinado aquele que “não respeita as normas de conduta em um aeroporto ou a bordo de uma aeronave ou que não respeita as instruções do pessoal de aeroporto ou dos membros da tripulação e, por conseguinte, perturba a ordem e a disciplina no aeroporto ou a bordo da aeronave”.
Na avaliação de Britto, a agência reguladora também tem feito uma “possível inversão de prioridades”. Isso porque, em abril, o Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar o episódio de uma professora negra expulsa de um avião da companhia aérea GOL por “motivo de segurança de voo” ao enfrentar problemas para guardar uma mochila.
De acordo com o relato de passageiros, como a aeronave estava cheia, ela acabou tendo dificuldade para conseguir um lugar no bagageiro para guardar sua mochila. A tripulação então teria ordenado que ela despachasse a bolsa, o que rejeitou, já que carregava um notebook que poderia ser danificado no compartimento de carga.
O impasse atrasou a decolagem, mesmo após ela ter conseguido com ajuda de outros clientes acomodar as suas coisas. A passageira acabou retirada à força por três agentes da Polícia Federal. O caso, registrado em vídeo, gerou revolta e acusações de racismo por parte dos funcionários da compan
“Não vimos nenhuma medida exemplar da Anac contra essa injustiça. Existe um número enorme de reclamações e insatisfações de consumidores de boa-fé registradas em canais oficiais contras as companhias aéreas, e também não vemos nem a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) ou Anac se manifestar sobre isso da forma adequada”, criticou o diretor de relações institucionais do Idec.
De acordo com a Abear, incidentes com passageiros indisciplinados registraram um número recorde no ano passado – 585 –, ante 434 em 2021 e 222 em 2020, ano em que o setor enfrentou o pior momento da pandemia do coronavírus.
Só no primeiro trimestre deste ano, a Abear registrou 114 episódios de passageiros indisciplinados – um quarto desses eventos envolveram comportamento agressivo, com ameaças e agressão física. Para a Anac, esse tipo de episódio pode acarretar “perigo concreto” tanto à aeronave quanto aos demais passageiros.
Atualmente, o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil determina que a companhia aérea deve acionar a Polícia Federal e permite que o comandante, avaliando o cenário de risco e segurança, desembarque o passageiro indisciplinado no aeroporto mais próximo.
O Código Penal prevê pena de dois a cinco anos de prisão para quem expor a perigo “embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea”.
Uma lei sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2022, batizada de Lei do Voo Simples, flexibilizou as regras da aviação civil – e prevê que as empresas podem deixar de vender bilhetes para clientes arruaceiros por 12 meses, em caso de indisciplina considerada gravíssima, mas o tema ainda precisa ser regulamentado.
A questão dos passageiros indisciplinados foi discutida em reunião em Brasília, na última segunda-feira, a portas fechadas, que reuniu técnicos da Anac e o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous.
A Anac chegou a expor na ocasião uma lista de punições que existem em outros países, inclusive com a aplicação de multas contra passageiros indisciplinados.
Segundo a equipe da coluna apurou, o secretário foi bem enfático ao dizer que as próprias companhias são responsáveis por provocar estresse aos passageiros, com o cancelamento inesperado de voos, cobrança de taxas, despacho obrigatório de malas de mão e dificuldades na obtenção de reembolsos.
Procurada pela equipe da coluna, a Anac reiterou que “estão em estudo medidas como uma eventual no-fly-list, cujo mecanismo ainda está em análise no bojo do processo normativo específico”.
Já a Secretaria Nacional do Consumidor afirmou que é a favor da adoção de medidas que coíbam comportamentos agressivos que ponham em risco a segurança nos voos, mas fez ressalvas.
“Entretanto, essas providências não podem servir de véu para as irregularidades e abusos cometidos pelas companhias aéreas. A Senacon reitera que as medidas de segurança devem ser adotadas, com critérios claros, informações precisas e ostensivas, sem que as empresas de aviação área deixem de cumprir os seus deveres com os consumidores, como reiteradamente vem ocorrendo”, observou o órgão.
Fonte: O GLOBO
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