Para decidir se o benefício compensa o risco, é preciso fazer uma análise comparativa. Qual o risco de, ao rejeitar a vacina, pegar Covid e morrer?

O ensino de ciência nas escolas costuma enfatizar mais resultados do que processos. A ciência é apresentada como um conjunto fixo de fatos sobre o mundo. Mas a verdadeira ciência não se define pelos “fatos” que produz. É um processo de investigação que busca gerar a melhor descrição possível da realidade, em um determinado contexto social e histórico. Os “fatos científicos” são os componentes dessa melhor descrição – e “melhor” raramente equivale a “exata” ou “perfeita”.

Isso quer dizer que cientistas devem estar dispostos a mudar de ideia diante de novas evidências, e da crítica de seus pares. Mas não é qualquer suposta “evidência” ou crítica que vale. Como já dizia Carl Sagan, alegações extraordinárias precisam de evidências extraordinárias.

Mostrar a ciência como um corpo de resultados, sem o processo, minimiza, aos olhos do público, a importância de conceitos como plausibilidade e probabilidade. E oculta o fato de que recomendações feitas com base na ciência devem levar em conta análise de riscos e benefícios.

Infelizmente, análise de risco, assim como o processo científico não é algo muito intuitivo. Tendemos a superestimar riscos de eventos raros, mas trágicos, como desastres de avião, e subestimar riscos reais, mas que parecem abstratos e distantes, como aquecimento global. Também criamos expectativas impossíveis. Queremos que a ciência nos dê conselhos que tragam risco zero e benefício 100% garantido. E esquecemos que isso não existe.

Estamos constantemente fazendo análises intuitivas de risco e benefício: quando atravessamos a rua, ou deixamos as crianças brincarem no parquinho, por exemplo. Sabemos que existem riscos e decidimos que o benefício vale a pena.

Mas quando a análise sai do nível intuitivo, muitas vezes queremos o impossível: uma vacina que seja 100% segura, com 0% de risco de efeitos colaterais. Essa expectativa irreal é explorada por grupos antivacinas. Todo medicamento, comportamento, intervenção, apresenta algum risco.

Recentemente circulou um número no Brasil de que o risco de morrer por reação desencadeada por uma vacina de Covid era da ordem de 1 para 10 milhões. Esta estimativa levou em conta períodos de alta circulação do vírus, onde fica difícil separar efeitos que possam ser atribuídos à vacinação dos efeitos da doença em si. A pessoa pode ter sido vacinada e pegado Covid na mesma época. Para efeito de comparação, o risco de morrer em um desastre de avião é reportado como de 1 para 11 milhões. O risco de morrer por reação atribuída à vacina de febre amarela é da ordem de 1 para 1 milhão.

Para decidir se o benefício compensa o risco, é preciso fazer uma análise comparativa. Qual o risco de, ao rejeitar a vacina, pegar Covid e morrer? Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC ), mostram que o risco de vida para não vacinados contra Covid, na comparação com os vacinados, é três vezes maior em jovens de 18-29 anos, cinco vezes maior para adultos de 30-49, e seis vezes maior para a faixa de 50-64 anos.

Comunicar risco e probabilidade é um dos maiores desafios na comunicação de ciência e saúde. Pesquisa da Pew Research publicada em maio de 2023 mostrou que as dúvidas em relação à segurança das vacinas de Covid não mudaram muito desde 2021, e são bastante focadas em percepção de risco. Embora não sejam maioria, muitos entrevistados (cerca de 40%) ainda acreditam que os benefícios da vacina não justificam os riscos.

As pessoas querem respostas absolutas. Mas funciona 100%? Mas então não funciona? O ensino e a popularização da ciência precisam ir muito além da mera apresentação da beleza e dos fatos da ciência. Senão, encontraremos sempre os mesmos obstáculos quando o público tiver de tomar decisões baseadas na palavra dos cientistas.


Fonte: O GLOBO