Realização de encontro de 3 horas, que também incluiu outros comandantes do Wagner, foi confirmado pelo governo russo nesta segunda

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, encontrou-se com o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigojin, cinco dias após o breve e fracassado motim dos dias 23 e 24 de junho contra o Kremlin. A longa reunião de três horas, confirmou Moscou nesta segunda-feira, reuniu também outros comandantes do grupo paramilitar, cuja rebelião foi o ápice de um mau relacionamento e de reclamações de meses sobre o alto escalão militar russo.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que durante a reunião de 180 minutos no último dia 29, Putin ofereceu uma "avaliação" das ações do Wagner na linha de frente da guerra na Ucrânia, onde ganhou protagonismo na longa batalha pela cidade de Bakhmut, conquistada em maio no maior triunfo para Moscou neste ano. O presidente também teria "ouvido as explicações dos comandantes e os ofereceu opções para maior empregabilidade e mais uso em combate".

— Os comandantes, por sua vez, apresentaram sua versão do que aconteceu — disse o representante, afirmando que essas "são as únicas coisas que pode falar" e que os pormenores do encontro são "desconhecidos". — Eles ressaltaram que são fortes apoiadores e soldados do chefe de Estado e comandante-chefe, e também que estão prontos para continuarem a lutar por sua pátria.

Ao todo, 35 pessoas participaram do encontro, incluindo Prigojin e os outros combatentes do Wagner, disse Peskov. Do lado russo, não está claro quem além de Putin estava na reunião — é uma incógnita se o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e outras lideranças militares sentaram-se à mesa.

O jornal francês Libération, que primeiro noticiou a reunião, citou os nomes do chefe da Guarda Nacional, Viktor Zolotov e o chefe do serviço de inteligência nacional, Sergei Naryshkin. O presidente, ao menos até agora, mantem Shoigu e o chefe do Comando-Maior, Valery Gerasimov, outro alvo das críticas contundentes de Prigojin — o objetivo do levante, disse o líder paramilitar, não era derrubar o governo, mas "fazer justiça" com Forças Armadas, com quem tem atritos de meses.

No mesmo dia em que anunciou publicamente o encontro de Putin e do chefe do Wagner, o governo russo divulgou imagens de Gerasimov, que aparece em um vídeo dando ordens para que seus soldados destruam instalações ucranianas. O general não era visto em público desde os incidentes do mês passado.

Próximos passos

A confirmação do encontro acentua ainda mais as dúvidas sobre qual será a atuação dos paramilitares daqui para a frente, em meio a uma contraofensiva ucraniana que os russos parecem vir tendo sucesso relativo para conter. Um dos termos anunciados como parte da trégua mediada pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, por exemplo, incluía o exílio de Prigojin em Minsk.

Desde então, contudo, foram vários os relatos de que o mercenário havia sido avistado em solo russo, e os sites de monitoramento aéreo mostram o vaivém de seu jatinho Legacy 600, fabricado pela brasileira Embraer, entre a Rússia e a Bielorrússia. O próprio Lukashenko confirmou que Prigojin não estava mais em seu país.

Pelo acordo, os mercenários interromperam ainda seu avanço em direção a Moscou e desocupar a brevemente tomada cidade de Rostov-no-Don, no sudoeste russo, e de uma instalação militar. Eles também concordaram em se exilar na Bielorrússia, abandonarem as armas ou assinarem contratos com o Ministério da Defesa. O Kremlin, por sua vez, abandonou as acusações criminais contra os chefes do Wagner.

Dias depois, contudo, Moscou havia confirmado que o grupo paramilitar continuaria a atuar na África, particularmente no Mali e na República Centro-Africana, países onde sua atuação como uma força de segurança paramilitar é parte importante da estratégia russa na região. Para o Kremlin, a presença dos mercenários é uma ferramenta de poder em uma região por anos escanteada por americanos, chineses e europeus, mas onde a disputa por influência só cresce.

A recruta de novos combatentes em solo russo também parece nunca ter parado, apesar de Putin ter chamado suas ações de "traição" e ter elogiado suas Forças Armadas por evitarem uma "guerra civil" em potencial. Em declarações a imprensa nos dias após o motim, Lukashenko chegou a afirmar que havia precisado dissuadir Putin de ordenar o assassinato do ex-amigo, que durante boa parte deste início de século esteve à frente do serviço de catering preferido do Kremlin, acumulando uma fortuna.

Na semana passada, contudo, questionado sobre as viagens de Prigojin pelo e para o território russo, Peskov havia dito que o Kremlin não vistoriava os movimentos do chefe paramilitar e não tinha intenção de fazê-lo. O governo parece agora tentar retomar o controle da narrativa após o motim de junho, visto como um dos maiores desafios para o domínio de Putin desde que chegou ao poder em 1999.

Prigojin diz ter fundado o grupo Wagner quando a Rússia tomou a Península da Crimeia em 2014 e da guerra subsequente. Desde então, enviou tropas para ajudar o Kremlin a fortalecer o regime sírio de Bashar al-Assad e construiu uma rede na África que se estende da Líbia ao Sudão, incluindo o Mali e a República Centro-Africana. São várias as acusações de abusos e de exploração dos recursos naturais, contudo.

Tensões militares

Ganhou protagonismo com seu papel-chave para a conquista de Bakhmut, onde a vitória russa é indissociável da atuação do grupo paramilitar. Seus homens superavam numericamente os adversários ucranianos com as ondas de recrutamento nos presídios russos, adotava táticas que ignoravam o alto custo humano e era abastecido por armas pelo Kremlin. Prigojin estima ter perdido 20 mil homens apenas ali.

A situação, contudo, gerou tensões na alta cúpula militar russa, e críticas de que estavam perdendo o monopólio da violência e enfraquecendo a autoridade estatal na nação é que dona do maior arsenal nuclear do mundo. Prigojin, por sua vez, demandava mais munições, homens e fazia críticas vorazes a Shoigu e às ações do Ministério da Defesa que buscavam pôr rédeas no Wagner.

A gota d'água, segundo informações da inteligência ocidental, foram as tentativas mais recentes do Ministério da Defesa para integrar os paramilitares às Forças Armadas regulares, reduzindo o poder de Prigojin. Em junho, a Duma, a Câmara Baixa do Parlamento russo, aprovou uma lei destinada a devolver ao Estado o monopólio da violência: por ela, todos os combatentes, mobilizados, voluntários ou presidiários seriam obrigados a se submeter à hierarquia do Ministério da Defesa.

A Duma também aprovou uma norma para contratar para lutar na linha de frente delinquentes que estejam cumprindo suas penas. Segundo Prigojin, subscrever aos termos do governo, na prática, teria interrompido as atividades do Wagner a partir de 1º de julho.

Os combatentes, disse o paramilitar, tinham planejado entregar suas armas pesadas ao Exército russo, mas foram atacados na noite de sexta-feira na região onde se concentravam, em Rostov-no-Don, matando mais de duas dúzias de soldados de Wagner — uma alegação para a qual não há evidências independentes.


Fonte: O GLOBO