Pedido de adesão à aliança militar está bloqueado há mais de um ano por Ancara, que exige uma repressão mais rígida do governo sueco contra grupos separatistas curdos

Um tribunal sueco condenou nesta quinta-feira um cidadão turco acusado de tentativa de extorsão em nome do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (conhecido pela sigla PKK), classificado como uma organização terrorista pela Turquia e aliados do Ocidente como os Estados Unidos e a União Europeia.

 A decisão acontece na reta final das negociações pelo ingresso da Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), cujo pedido de adesão está empacado por Ancara. O governo turco alega que o país nórdico não reprime o suficiente atividades de grupos separatistas como o PKK.

Yahya Gungor foi condenado pelo Tribunal Distrital de Estocolmo a quatro anos e seis meses de prisão por tentativa de extorsão, porte de armas qualificado e tentativa de arrecadar fundos para um grupo terrorista. Ele será extraditado para a Turquia após cumprir sua sentença.

O julgamento refere-se a um incidente de janeiro deste ano, quando Gungor ameaçou com um revólver um lojista curdo que trabalhava em um restaurante em Estocolmo. Durante a sua prisão, algumas semanas após o ocorrido, a polícia encontrou munições e uma bandeira do PKK em seu apartamento, além da arma usada no crime. Ilhan Aydin, advogado de defesa do réu, disse à AFP que recorrerá à decisão.

"A tentativa de extorsão ocorreu dentro da estrutura de um amplo esquema de arrecadação de fundos realizado pelo PKK na Europa, o que inclui extorsão contra empresários curdos", disse o tribunal em comunicado.

"Considera-se que um líder sênior do PKK esteve em Estocolmo e participou da decisão de que o autor da ação deveria pagar dinheiro ao PKK", informou o tribunal. "A investigação mostra uma conexão clara entre o líder do PKK e o réu, deixando claro que eles agiram em conjunto para forçar o autor a entregar dinheiro ao PKK."

O veredicto acontece no mesmo dia em que os ministros das Relações Exteriores da Finlândia e da Suécia se reúnem com seu colega turco na sede da Otan em Bruxelas, numa tentativa de persuadir Ancara a ratificar o pedido de adesão sueco, que precisa ser aprovado por todos os Estados-membro da aliança. No ano passado, um acordo firmado entre ambos os países fez a Suécia liberar a venda de armas para Ancara e enrijecer sua legislação antiterrorismo.

Com uma população estimada entre 25 milhões e 35 milhões, os curdos representam o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, mas nunca tiveram um Estado próprio. Atualmente, eles habitam uma região montanhosa entre os territórios da Turquia, Iraque, Síria, Irã e Armênia.

Originários da Mesopotâmia, os conflitos com os turcos remontam ao início do século XX, quando a criação de um país próprio — o Curdistão — foi frustrada após o estabelecimento das fronteiras da Turquia moderna. Desde então, os curdos foram brutalmente reprimidos todas as vezes que tentaram formar Estado independente.

Reta final das negociações

O primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson, e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan ficarão frente a frente na segunda-feira para a fase final das negociações do ingresso do país nórdico na Otan — feito em maio de 2022 em meio às ameaças da guerra na Ucrânia. O encontro acontecerá na 74ª cúpula da Otan em Vilna, capital da Lituânia, e tem como objetivo pôr um fim ao impasse de mais de um ano, afirmou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, a repórteres.

— O que é possível e o que todos nós estamos trabalhando para alcançar é uma decisão positiva na cúpula, onde a Turquia deixa claro que está pronta para ratificar — disse o secretário-geral. — Qualquer atraso adicional na adesão da Suécia seria bem recebido pelo PKK e pelo presidente Putin [da Rússia] — disse ele.

A adesão sueca à aliança militar conta com o apoio expresso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o que tem sido usado como munição para persuadir Ancara. Na quarta-feira, o democrata disse que a apoia "totalmente" a adesão do país.

— O resultado final é simples: a Suécia tornará nossa aliança mais forte — apontou Biden.

A Finlândia, que ingressou com a candidatura na mesma época, obteve a aprovação da Turquia há três meses e entrou para a aliança em 4 de abril.

Há, no entanto, mais um desacordo em xeque entre os países: a queima de um exemplar do Alcorão, livro sagrado muçulmano, por um extremista sueco na semana passada. O governo turco condenou o ato, que ocorreu sob vigilância de autoridades policiais suecas, e sinalizou que a tolerância com manifestações do tipo pode ser mais um empecilho ao ingresso do país na Otan.

"Aqueles que procuram se tornar nossos aliados na Otan não podem tolerar ou permitir comportamentos destrutivos de terroristas islamofóbicos e xenofóbicos", escreveu o diretor de comunicações do governo turco, Fahrettin Altun, em um tuíte após o incidente.

Mais da metade dos suecos é a favor da proibição da incineração de escrituras sagradas em público, de acordo com uma pesquisa de opinião publicada pela emissora pública SVT (Com Bloomberg e AFP).


Fonte: O GLOBO