Paulista ainda paga preço alto pelo pioneirismo, mas valoriza amadurecimento pessoal e da sociedade
Primeira mulher a comentar um jogo de futebol na TV Globo, a paulista Ana Thaís Matos se tornou o rosto feminino pioneiro na categoria. Hoje, ela faz parte da linha de frente da emissora e será um dos carros-chefe na transmissão da Copa do Mundo feminina, a partir do dia 20.
Paga um preço alto por abrir caminhos, mas diz ao GLOBO que tudo está sendo bem pavimentado: “É uma geração de transição, estamos no processo. Está melhorando, mas vamos sofrer mais um pouquinho”.
Em 2019, você era a única mulher comentarista de futebol na emissora. O que mudou neste ciclo?
O que construí na Globo me afeta pelos lados individual e coletivo. Em 2019, eu era a única comentarista.
Em 2019, você era a única mulher comentarista de futebol na emissora. O que mudou neste ciclo?
O que construí na Globo me afeta pelos lados individual e coletivo. Em 2019, eu era a única comentarista.
A Nadja (Mauad), uma grande repórter, foi improvisada como comentarista. Agora, vejo vitórias coletivas: teremos a Renata Mendonça, que batalha na área há muito tempo; a Renata Silveira, que vai ser o carro-chefe da transmissão; a Denise Bastos, uma mulher negra da periferia de São Paulo na reportagem; a Natália Lara; a Isabely Morais; a Gabi Moreira.
É um processo que começou sem sabermos o que vinha pela frente, sem referência, parâmetro. É uma vitória minha, porque pavimentei esse caminho. Fico muito feliz com o momento que estamos vivendo.
Hoje, você faz parte do primeiro escalão de comentaristas na TV aberta...
Consegui me firmar nesse rol restrito aos homens. Mas é importante não só por ser mulher. Sou jornalista num espaço que sempre teve muitos ex-jogadores. Isso traz uma uma visão plural, e respondo pela classe ali.
Internamente, ainda há machismo?
Sinceramente, o machismo não deixou de existir. Tenho mais respeito por ser a primeira mulher e tal. Mas é uma nova forma, como aceitam o que quero dizer... Somos uma geração de transição. Não sofro mais ataque da classe como em 2019, já incorporaram. Faz parte do processo, pois para eles também é uma novidade. Só em 2022, tivemos uma mulher na linha de frente. Está melhorando, mas vamos sofrer mais um pouquinho.
Atualmente, há mais haters com as narradoras?
Não acho que seja pior para elas, mas estão mais em evidência. Há muito hater para quem está na opinião ainda. Esse papel nos foi negado por muito tempo. É um lugar onde o homem consumidor de futebol desautoriza a mulher. “Como uma mulher está falando que meu time não é o favorito?” E a narração tem a questão técnica. Por muito tempo, só ouvimos homens.
Hoje, você faz parte do primeiro escalão de comentaristas na TV aberta...
Consegui me firmar nesse rol restrito aos homens. Mas é importante não só por ser mulher. Sou jornalista num espaço que sempre teve muitos ex-jogadores. Isso traz uma uma visão plural, e respondo pela classe ali.
Internamente, ainda há machismo?
Sinceramente, o machismo não deixou de existir. Tenho mais respeito por ser a primeira mulher e tal. Mas é uma nova forma, como aceitam o que quero dizer... Somos uma geração de transição. Não sofro mais ataque da classe como em 2019, já incorporaram. Faz parte do processo, pois para eles também é uma novidade. Só em 2022, tivemos uma mulher na linha de frente. Está melhorando, mas vamos sofrer mais um pouquinho.
Atualmente, há mais haters com as narradoras?
Não acho que seja pior para elas, mas estão mais em evidência. Há muito hater para quem está na opinião ainda. Esse papel nos foi negado por muito tempo. É um lugar onde o homem consumidor de futebol desautoriza a mulher. “Como uma mulher está falando que meu time não é o favorito?” E a narração tem a questão técnica. Por muito tempo, só ouvimos homens.
Já levou em consideração comentários de internet?
Diziam que eu falava muito nas transmissões. Isso me pegou, e passei a falar mais rápido para fazer o comentário que queria em menos tempo e em menos entradas. Até que minha fonoaudióloga me chamou a atenção, eu não precisava falar correndo, eram muitas palavras em poucos minutos. Resolvi fazer uma pesquisa. Analisei algumas narrações. Os homens tinham mais entradas e falavam por mais tempo. Percebi que era a minha voz que incomodava.
Como isso te afetou?
Desde 2016, eu também sou pioneira em ataques haters. Mas o caso Robinho (em 2020) teve outra proporção. Eu escrevi no Twitter que o Santos não deveria trazê-lo de volta por causa da condenação por estupro. Meu número de telefone vazou. Recebi muitas mensagens de ódio. Tive crise de pânico, ansiedade, meu cabelo e minha sobrancelha caíram. A terapia me ajudou muito. Ainda tenho um pouco de ansiedade. Nunca mais fui a mesma pessoa.
E o que você fez?
Mudei a relação com as redes. Amadureci um pouco e me distanciei. Entendi que eles engajavam em cima de mim, estavam me usando. Bloqueei comentários, fechei o Twitter na Copa do Mundo, fechei o Instagram por um tempo. Há um Twitter fake verificado com o meu nome que critica as pessoas e acham que sou eu. Já fiz boletim de ocorrência, mas não adianta muito.
Seus posicionamentos em casos como os de Robinho e Cuca têm impacto na cobertura esportiva?
Esses três anos me fizeram amadurecer e entender o tamanho da minha voz. Lá atrás, ninguém questionou a contratação do Robinho, e todo mundo veio em cima de mim pelo que falei. A maior evolução que tivemos nesses casos não é condenar ninguém, mas trazer para o mundo do esporte as questões de violência de gênero.
Temos que evoluir e revisitar os casos sob novo ponto de vista, dialogar com a sociedade para que não haja outros. E que os casos que continuam acontecendo sejam vistos de forma diferente. Há pouco mais de 10 anos, a imprensa tratou o caso Elisa Samudio como o de uma Maria Chuteira. Eu pago uma conta que não é minha.
E a cobertura do futebol feminino tem evoluído com a presença de mais mulheres?
Perdemos uma oportunidade incrível com aquela geração do início dos anos 2000 de evoluir. Os homens têm esse olhar estereotipado do lugar da mulher como o de alguém que precisa de cuidado. São as “nossas meninas”.
E a cobertura do futebol feminino tem evoluído com a presença de mais mulheres?
Perdemos uma oportunidade incrível com aquela geração do início dos anos 2000 de evoluir. Os homens têm esse olhar estereotipado do lugar da mulher como o de alguém que precisa de cuidado. São as “nossas meninas”.
É um ponto de vista infantilizado... Mas estão amadurecendo. Com os novos agentes, vai contaminando a forma como a narrativa é contada. Elas serão olhadas como mulheres, vamos observar a performance, vamos cobrar mais.
Ainda há pouco olhar crítico?
A convocação da Marta não gerou debate. É uma jogadora mais velha, que ficou quase um ano sem jogar, voltou agora, mas é a Marta, fora de série. Isso nem foi debatido. Do mesmo jeito que cobrei o Tite na Copa, não posso tratar de outra forma a Pia (Sundhage, técnica da seleção). Devemos fazer ponderações, entender momentos. Mas as análises têm de ser feitas sob o olhar da performance.
Fonte: O GLOBO
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