Denise Leal dos Santos, uma das principais pesquisadoras sobre Naegleria fowleri no país, explica que a doença pode ser confundida com outras meningites e alerta para os riscos frente às mudanças climáticas
Embora raros, os casos da infecção com a ameba Naegleria fowleri chamam atenção pela sua agressividade. Não à toa, o parasita é conhecido como "ameba comedora de cérebro", uma vez que destrói o tecido do órgão e, em até sete dias do início dos sintomas, leva quase todos os contaminados à morte.
Nos Estados Unidos, de onde é a vasta maioria dos registros, apenas 4 de 157 pessoas que foram comprovadamente infectadas sobreviveram à ameba durante as últimas seis décadas – uma letalidade de 97,4%, segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). A taxa é acima de temidos patógenos, como o ebola.
Neste ano, relatos na imprensa apontam que já foram ao menos três vítimas fatais no país, entre elas uma adolescente de 17 anos e uma criança de dois, ambos saudáveis e que se contaminaram após nadarem em lagos e rios. O terceiro caso foi de um homem infectado pela água da torneira de sua casa.
Oficialmente, não há casos confirmados que foram ligados à Naegleria fowleri no Brasil. Porém, devido ao desconhecimento e ao fato de poucos grupos trabalharem com o parasita no país, é possível que indivíduos tenham sido contaminados, mas não diagnosticados. É o que explica a parasitologista Denise Leal dos Santos, doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Ela causa uma meningite que pode ser confundida com outra bacteriana ou viral, porque os sintomas são parecidos. Então podemos ter casos subdiagnosticados, ou seja, que tenham sido causados pela Naegleria fowleri, mas que não foram identificados. Lá nos Estados Unidos, como é mais comum, se a pessoa teve algum sintoma eles já pesquisam para ver se é a ameba — diz a pesquisadora, que recebeu um prêmio da Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP) por sua tese sobre a Naegleria fowleri.
Denise Leal dos Santos, parasitologista. — Foto: Reprodução / Youtube
Abaixo, saiba tudo sobre a ameba: onde ela pode ser encontrada, os riscos no Brasil, como ocorre a transmissão, maneiras de evitar o contágio e quais os sintomas.
O que é a ameba comedora de cérebros?
A Naegleria fowleri é uma ameba de vida livre, ou seja, está presente no ambiente. No entanto, ela é oportunista e, se tiver contato com humanos ou animais, penetra nas fossas nasais e vai até o cérebro, onde causa um tipo de meningite chamada meningoencefalite amebiana primária (MAP).
— Ela é agressiva por causa da sua velocidade. Ela emite flagelos que facilitam o deslocamento, então ao entrar nas fossas nasais de forma muito rápida ela ultrapassa a barreira hematoencefálica e se instala no cérebro causando a meningite. A pessoa começa a ter sintomas e dentro de sete dias vai a óbito — diz a parasitologista.
Onde existe a ameba comedora de cérebro?
A ameba vive no solo e, principalmente, em água doce de lagos, rios e fontes termais. Há relatos ainda de infecção a partir da torneira, de uso de itens para lavagem das fossas nasais, entre outros semelhantes. Não é encontrada em água salgada.
Denise explica que há relatos por todo o mundo, como no Paquistão, onde em 2012 um surto deixou 10 mortos na cidade de Karachi. Lá, há casos associados ao ritual de ablução, que envolve o uso de água em contato com o rosto.
Porém, os Estados Unidos são o principal país que monitora a doença. Desde 2018, os EUA registram três óbitos em média ao longo de cada ano. O pior período do monitoramento foi em 1980, quando oito pessoas morreram.
Tem ameba comedora de cérebro no Brasil?
Além da possibilidade de já haver casos subnotificados, a parasitologista conta ainda que houve dois casos de Naegleria fowleri diagnosticados em bovinos no Rio Grande do Sul entre 2017 e 2019, o que indica a presença do microrganismo.
— Poderia ter sido um humano mergulhando, por exemplo, no lago onde esse bovino bebeu água, e ter se contaminado. Provavelmente em breve vamos ver algum caso confirmado no Brasil. Se formos pesquisar, encontramos. Mas não são muitas pessoas que trabalham com esse microrganismo no país — diz.
Ela acrescenta que chegaram a existir relatos de alguns diagnósticos em humanos na década de 70, mas que não foram confirmados por testes moleculares e podem ter sido causados por outras Naeglerias, que são menos letais.
Quais os riscos da ameba?
Os casos da Naegleria fowleri são raros, com pouco menos de uma dezena registrados a cada ano. Logo, para a população geral, não há um risco alto. O perigo está principalmente em mergulhar em lagos e rios de regiões onde se sabe que o microrganismo habita.
No entanto, a parasitologista alerta para o avanço da ameba em meio ao aquecimento do planeta – o último mês foi considerado o mais quente já registrado na história da Terra.
Um estudo publicado em maio na revista científica Ohio Journal of Public Health cita por exemplo o avanço do parasita em estados do Norte dos EUA, que não costumavam relatar infecções devido às temperaturas mais amenas.
— Estamos vendo mais casos a cada ano que passa devido às mudanças climáticas. Porque ela é termotolerante, vive na água com temperaturas de até 45 graus, mas consegue tolerar até 50 graus. E se alimenta principalmente de cianobactérias, que também se proliferam em altas temperaturas. A tendência é a temperatura elevar cada vez mais e consequentemente criar um cenário mais favorável para a dispersão de microrganismos — afirma a pesquisadora.
Como se contrai a ameba?
A ameba entra no organismo após subir pelo nariz. Ela não é transmitida de pessoa para pessoa, nem pela ingestão da água contaminada.
Quais os sintomas da ameba?
No estágio inicial, os sintomas são fortes dores de cabeça, febre, fotofobia, náuseas e vômitos. Eles progridem para rigidez da nuca, convulsões e podem levar ao coma. As queixas podem começar de 1 a 12 dias da infecção. A doença progride rapidamente e em quase todos os casos causa a morte em até sete dias.
— A ameba acomete pessoas saudáveis, não são indivíduos que estavam imunocomprometidos. São pessoas que simplesmente foram tomar um banho no lago e acabam morrendo — cita Denise.
Existe tratamento para a ameba?
Não. Algumas medicações anti parasitárias são utilizadas após o diagnóstico nos EUA, porém elas não são eficazes e quase todos os casos relatados até hoje morreram. Cientistas pelo mundo buscam um tratamento, porém ainda sem sucesso.
Como evitar a ameba comedora de cérebro?
Não existe vacina para prevenir a infecção. Nos EUA, onde são mapeadas as áreas contaminadas, os CDC orientam o cuidado para que a água nessas regiões não entre pelo nariz. Desaconselham também mexer nos sedimentos no fundo de lagos e rios, onde a ameba costuma se depositar.
— Além disso, não mergulhar em rios e lagos no geral seria uma forma de se proteger, mas é algo difícil. Então o que podemos fazer é alertar as pessoas leigas sobre a existência da ameba. E, se é um local onde se sabe que tem o microrganismo, saber que é um perigo fazer uso da água — complementa a parasitologista.
Fonte: O GLOBO
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