MP pediu a condenação dos envolvidos pelo crime, mas destacou que Gean Carlos (Baleado) responda por coação. Defesa alega que provas são fracas.

O júri dos seis acusados da chacina que vitimou mãe e dois filhos em 2020 entrou no segundo dia nesta terça-feira (8). A sessão ocorre na 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar da Comarca de Rio Branco, e, neste segundo dia, foi marcada pelo depoimento de quatro dos seis réus, além da acusação do Ministério Público (MP-AC) e advogados de defesa.

O júri, nesta terça, começou às 9h37 e encerrou às 18h55, totalizando pouco mais de nove horas também no segundo dia.

A sessão, que estava marcada para começar às 8h, atrasou em mais de uma hora. De acordo com o juiz Alesson Braz, a previsão é que o julgamento encerre ainda na quarta-feira (9). O crime aconteceu em 13 de setembro de 2020. A ocorrência foi atendida pelas polícias Civil e Militar do Acre. Segundo a PM, dois moradores de Acrelândia, que são da mesma família, trabalhavam com a retirada de madeira em uma propriedade boliviana e um deles teria estuprado a menina de 14 anos na localidade.

O pai da menina flagrou a situação, amarrou o homem a um tronco de árvore e foi até o lado brasileiro para pedir ajuda da polícia para prendê-lo. Ao perceber a situação, outro acreano que estava no local correu até sua casa, avisou que o parente estava preso na propriedade do boliviano e chamou os familiares para resgatar o suspeito de estupro.

O grupo, então, foi em motocicletas até a propriedade boliviana para libertar o homem. No local, eles mataram a mãe da menina de 14 anos, dois irmãos da adolescente que não tiveram as idades divulgadas, e ainda atiraram contra a adolescente.

Os corpos foram jogados próximos a uma árvore, e a casa da família foi queimada. O grupo teria ainda roubado cerca de R$ 10 mil e mais uma quantidade de dinheiro boliviano que estava na casa das vítimas.


Entenda quem é que no caso da chacina que está sendo julgado em Rio Branco — Foto: g1

Quem são os acusados?

  • Gean Carlos Alves da Silva - o Baleado. Ele é pai também dos acusados:
  • Geane Nascimento da Silva;
  • Gean Carlos Nascimento da Silva - Conhecido como Neném, e
  • Gilvan Nascimento da Silva;
Além de pai e filhos, também são réus: Luciano Silva de Oliveira, casado com Geane, genro de Baleado e José Francisco Mendes de Sousa.

O sétimo acusado, Gilvani Nascimento da Silva, de 19 anos, que teria sido o pivô de toda confusão que terminou em tragédia, foi assassinado a tiros no dia 6 de abril de 2021, em Rio Branco.

No primeiro dia de julgamento, foram ouvidos Gean Carlos (Baleado) e José Francisco. Além disso, a adolescente vítima de estupro e o pai dela também foram ouvidos. Como informantes, Geovane, filho de Baleado que na época era menor de idade e participou do crime, também foi ouvido. Ele pagou a pena em um centro socioeducativo. Outras seis pessoas também foram ouvidas no primeiro dia.


Promotor exibe ilustração para que os jurados possam visualizar como participou cada acusado — Foto: Renato Menezes/g1

MP inicia debates

No segundo dia, também foi dado início aos debates. Quem começou falando foi o promotor de Justiça Teotônio Rodrigues Soares Júnior, que faz a acusação. Ele pede que o júri analise quem estava na cena do crime. Durante a fala, ele destacou que as vítimas mortas, mãe e dois filhos não podem mais falar porque foram assassinados pela família acreana.

A acusação também exibiu depoimentos de policiais e do delegado da época reforçando que a família era temida na região. Porém, o promotor destacou que com relação ao Baleado, Gean Carlos, pai de outros três acusados, a prova é fraca. O MP pede a condenação de Baleado apenas pelo crime de coação.

"Ver o tamanho da participação é importante para ver o tamanho da pena. Só que a pena é o juiz quem vai analisar, mas a questão aqui é quem participou", destaca o promotor.

Defesa dos acusados dizem que processo é falho — Foto: Renato Menezes/g1

Defesa

Advogado dos irmãos

O advogado Sidney Ferreira faz a defesa dos irmãos Geane, Gilvan e Gean. Começou sua fala dizendo que o processo é repleto de erros e inconsistências. Ele disse que não há um laudo que aponte de quais armas saíram os tiros. Ele também destacou as contradições no depoimento da adolescente.

"Foram mostradas umas fotos aos senhores, mas, após o que foi feito, não houve em nenhum momento, isolamento da área, nem pela polícia boliviana e nem pela brasileira. Na forma como encontraram, colocaram as pessoas no saco."

O advogado também defendeu que as provas do processo são rasas. "Nenhum momento se provou aqui que a Geane teria interferido na ação do Biroca e teria contribuído para o crime. Há dúvidas se realmente os que não confessaram aqui, se eles realmente teriam aderido à conduta dos demais pela prática. Ninguém pode ser preso pelo o que não cometeu”, disse.

O que pede: absolvição por falta de materialidade e da autoria porque não contribuíram; sobre ocultação, absolvição porque não tem comprovada autoria; corrupção de menores igualmente. Sobre coação, absolvição pela mesma coisa.

Advogado de José Francisco

Enos Ramon de Souza, que faz a defesa de José Francisco, reforçou que a menor mudou o depoimento várias vezes. "Ele não carregou a defunta. Ele não pegou a defunta. A família não protegeu ele", disse sobre o José Francisco.

Pediu coerência dos jurados ao avaliar os depoimentos. “Se houver essa coerência, que seja aplicada dentro da culpabilidade dele”, destacou.

O que pede: absolvição por ausência de autoria.

Advogado de Luciano de Oliveira

O advogado de defesa de Luciano de Oliveira, Antônio Araújo da Silva, começou falando que não há nada que suje a imagem do seu cliente. "Ele praticou tudo isso? Não praticou". Disse que não há provas nos autos que comprovem crimes como organização criminosa e corrupção de menores.

"Se ele não praticou nenhum ato decisivo, não tem como ele continuar sendo acusado", disse. Ele finalizou dirigindo-se aos jurados: “Vou encerrar pedindo em nome da Justiça para que ninguém amargue."

O que pede: absolvição, defendendo a tese da desclassificação.


Geane Silva começa a ser ouvida no segundo dia de júri — Foto: Victor Lebre/g1

O que disseram os acusados

Gean Carlos Alves da Silva - O Baleado

O acusado alegou que não estava na cena do crime. Baleado relatou que os filhos chegaram até ele falando que mataram a família boliviana. "Aí eu fui na delegacia e falei que eles mataram a família". O juiz Alesson Braz perguntou se ele ajudou a ocultar os corpos e ele disse que não. Confirmou que no dia do crime estava em Plácido de Castro.

"Confesso que fiquei com medo dos meus filhos. Nunca pensei que meus filhos fossem fazer uma coisa dessas. Tô no pavilhão, mas hoje eu não confio nem mais na roupa que eu visto", disse.

Ele contou que o filho que morreu, Gilvani (Buiu), já foi acusado de estupro. "Eu tenho uma lembrança que ele namorava com uma menina, aí ele disse que essa menina não queria mais namorar com ele e ele queria agarrar ela à força."

Baleado alegou também que sempre foi trabalhador e que criou os filhos com muito esforço. "Criei meus filhos, dei o melhor, me matava de trabalhar e agora mãe e filhos ficaram com raiva de mim por causa de erro?”

A mãe dele também foi ouvida no primeiro dia de julgamento. Ela pediu para que pudesse ficar um pouco com o filho, porque estava com saudades e estava há 3 anos sem vê-lo. O juiz Alesson Braz suspendeu a sessão para que os dois pudessem se encontrar.

José Francisco de Sousa

Também foi ouvido no primeiro dia de julgamento. Segundo José Francisco, o pai da adolescente queria matar o rapaz que estuprou a filha. Aí ele aconselhou a não matar e a ir à polícia. Ele confessou estar na cena do crime e disse que foi ele quem atirou na Florentina - mãe da adolescente vítima do estupro.

"Eu fiquei com medo do rifle semiautomático, fiquei nervoso. Só fiz um disparo, soltei a espingarda no chão, ela jogou muito sangue pela boca, caiu no chão."

José Francisco disse que pediram que ele matasse a menor. Segundo ele, falaram: “a menina tá viva, termina de matar”. E ele completa: “Foi na hora que subi na frente, pedi pra ela ficar calada. Disseram que ela tava viva, mas eu disse que ela já tinha morrido”, contou.

O juiz perguntou se ele está alegando que foi coagido. "Mas, mesmo assim, eu tirei uma vida de um ser humano”. Ele diz ainda: "Eu vi quando ele rodou (Samir) quando pegou o tiro de rifle. Depois foi tiro de espingarda pra todo lado".

Geane Nascimento da Silva

O segundo dia do júri começou com o depoimento de Geane Nascimento da Silva, às 9h37. Geane afirma que Zezinho foi avisá-los que Buiu estava amarrado na casa da família boliviana. "Ele disse que o boliviano bateu no meu irmão, amarrou meu irmão, e prendeu ele lá. A gente ficou assustado, porque dizem que boliviano toca fogo e mata. A gente escuta muita coisa."

Geane diz que ela e a família ficaram com medo de matarem o irmão e foram todos até a casa dos bolivianos. Ao chegar no local, ela conta que não viu nenhum boliviano armado.

O promotor pergunta se Geane ou os outros acusados sabiam que a adolescente estava viva quando foram embora, ou se achavam que estavam todos mortos. Geane afirma que acreditava que toda a família boliviana havia morrido.

Luciano Silva de Oliveira

Marido da também acusada Geane, ele diz que estava há 3 anos sem ver a mulher. Luciano começa relatando que no dia do crime estava trabalhando e foi avisado de que Buiu estava preso na casa da família boliviana. Outro irmão da esposa, Neném [Gean Carlos], o chamou para ir ver a situação. Ele diz que carregava uma espingarda, mas porque estava indo trabalhar.

Luciano contou que estava com o pé quebrado na época e havia ficado amarrando o barco. Ele relata que contaram a ele que, apesar do disparo ter atingido Florentina Beatriz e o filho, o rapaz não morreu naquele momento, e que José Francisco terminou de matá-lo. Luciano também diz não ter visto quem carregou os corpos das vítimas.

Durante o depoimento, ele disse que foi agredido na delegacia para assumir a culpa. Os jurados perguntaram sobre a discussão que ocorreu no local do crime. Luciano ressalta que ouviu os disparos muito tempo depois do desentendimento e que a esposa não participou das mortes.

No encerramento, Luciano faz uma declaração. "Queria dizer que nunca fui preso. Nunca estudei, e, por isso, preferia morar na colônia. Agora, estou envolvido em um caso que não cometi, nunca fiz nada para ser preso", encerra. Ele alega ainda que não mantou ninguém.

Gilvan Nascimento da Silva

Filho do Baleado, e irmão de dois acusados (Geane e Gean), Gilvan foi o terceiro a depor no segundo dia. O juiz começa perguntando se Gilvan foi até o território boliviano para resgatar o irmão, e ele confirma.

"Estou aqui, perante a Deus, para falar a verdade. Quem estava armado era meu irmão Neném (Gean Carlos) e o Biroca [Geovane, menor na época]. Eu não portava nada, apenas meu facão, que eu uso para trabalhar", relata.

Gilvan diz que pediu para os irmãos ficarem no barco porque ele iria conversar com a família boliviana sozinho, já que sabia falar espanhol melhor, por ter morado na Bolívia por 6 meses. "Quando cheguei, não vi meu irmão, estava tudo tranquilo. Mas depois, o José Francisco avisou que meu irmão estava amarrado", diz.

O réu relata que perguntou aos bolivianos o que havia ocorrido e eles relataram sobre o estupro, e, por isso, amarraram Buiu. Ele pediu para levar o irmão de volta e o desamarrou.

Porém, a irmã, Geane, chegou junto com o restante do grupo que havia ficado no barco. Geane ficou desesperada e a situação ficou mais tensa. Gilvan voltou a conversar com Florentina Beatriz e combinou de voltar no outro dia.

Ele conta ainda que José Francisco voltou e pediu que a família devolvesse as armas emprestadas guardadas na casa. Cristian, uma das vítimas, recusou, e disse que não iria devolver.

"O José Francisco bateu no peito do Cristian e a dona Florentina Beatriz entrou na discussão. Ouviu alguém dizer que o José Francisco ia atirar. Eu ouvi o tiro, mas vi as vítimas em pé. Depois, a dona Beatriz caiu. Fiquei apavorado, vi o Cristian com a mão no peito, e caiu. O Samir foi na direção deles, e o meu irmão Biroca [Geovane, menor de idade na época] atirou nele", relata o acusado

"O Biroca [Geovane, menor na época] não vi dar mais um tiro no Samir, mas o Francisco eu vi que ele atirou mais uma vez no Cristian, no rosto", relembra.

Gilvan termina o depoimento se dirigindo ao júri: "Eu nunca fui crente, agora tive um encontro com Jesus, ele botou no meu coração para que eu possa falar a verdade, ele tem poder para usar as autoridades aqui para me livrar desse lugar."

Gean Carlos Alves da Silva (Neném)

O último acusado ouvido foi Gean, conhecido como Neném. "Eu tava saindo para o trabalho e disse que era pra acionar o Exército Brasileiro. Fiquei sem entender, já comecei a ficar nervoso. Nós fomos lá, levei minha arma sim, mas sem pudor nenhum porque eu estava trabalhando perto de onde ocorreu os fatos. Chegamos lá, ouvimos uns gritos e chegamos desesperados."

Ele relata que começou a ver a situação, conversaram com os bolivianos e resolveram a situação. "Tava tudo resolvido, pegamos nosso irmão [Buiu], ele tava meio feio e estávamos saindo. O Francisco disse que ia levar as coisas para a canoa. Quando ele deu a primeira viagem, ele se armou. Ele foi deixar as coisas dele no barco, voltou com uma arma e chegou pedindo que os bolivianos liberassem duas armas que estavam lá escondidas".

Ele conta que a primeira a ser baleada foi a mãe da adolescente. "Quando eu olhei, vi os dois no chão. Quem atirou foi o José Francisco ", disse, falando também que não sabe afirmar quem atirou nas outras vítimas.

Ele alega que não atirou em ninguém e terminou o depoimento fazendo um apelo. "Peço que o senhor use de misericórdia para conosco porque no meio da situação, tem pessoas inocentes. Sim, levei minha arma, mas não fui fazer nada de ruim. Peço misericórdia em nome de Jesus. Não sei o que vai ser da minha vida se eu voltar para aquele lugar, mas se eu voltar, peço pelo menos uma oportunidade para terminar meus estudos, porque eu não tive essa oportunidade", disse Gean Carlos (Neném).

Fonte: G1