ONGs, cientistas e indígenas querem frear deterioração da floresta, mas quebra-cabeça envolve ambições de 9 países e ao menos três setores industriais
A Cúpula da Amazônia, que receberá chefes de Estado da região nesta terça-feira em Belém, começou com um evento preparatório, Diálogos Amazônicos, já mostrando a complexidade de achar uma solução negociada para os problemas da floresta.
Na sexta e no sábado, o evento foi um desfile de interesses de diferentes grupos na área do bioma, envolvendo não só governos de oito países da região, mas também de aliados diplomáticos, ONGs, cientistas e, claro, indígenas.
Até o fim da próxima quarta-feira, com a presença de chefes de Estado, é esperada uma nova declaração conjunta da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). O documento já possui um esboço, ainda não divulgado.
O presidente Lula, porém, tem a ambição de costurar um compromisso conjunto de combate ao desmate na região. A ideia, ainda em negociação, é que todos os países assinem um documento que de alguma forma prometa zerar o desmatamento ilegal até 2030.
Em sua defesa, o Brasil tem a apresentar números novos da taxa de desmatamento, que caiu no início deste ano, mas busca consolidar sua posição de líder no rastro de um histórico desfavorável: apesar de abrigar 59% da área de floresta, o país possui 75% da área que foi desmatada no bioma.
O quebra-cabeça que envolve o acordo, de qualquer modo, requer alinhamento de interesses diversos. Um dos principais é o dos povos indígenas, que chegaram à cúpula reclamando de falta de espaços de representatividade no evento.
Na cerimônia de abertura do evento, porém, o governo fez um aceno ao grupo, escolhendo o cacique Raoni para a posição de um dos discursos de abertura. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, exaltou a participação de indígenas do evento acima de qualquer outro grupo.
O evento dos Diálogos Amazônicos começou na sexta-feira, porém como uma cacofonia de muitas apresentações improvisadas e sem um encarte com um programa oficial.
O governo federal distribuiu uma agenda apenas com os temas de suas prórias mesas e não detalhava quem seriam os palestrantes e debatedores até o último momento. Aquele que quisesse saber das apresentações de grupos indígenas, ONGs e governo estadual tinha de vasculhar as salas por conta própria.
A infraestrutura do evento, apesar disso, não apresentou muitos problemas, como se temia. Belém teve um pouco de trânsito perto da região do Hangar, o centro de convenção que abriga os Diálogos e a Cúpula, e registrou inflação súbita das diárias de hotel em alguns bairros.
Entenda abaixo quais são os principais interesses envolvidos no evento de alto escalão, a Cúpula, que começa nesta terça-feira.
Os interesses de cada grupo
GOVERNOS
🇧🇷 Brasil: Lula busca ampliar influência geopolítica ao construir um grupo para negociação conjunta no acordo do clima. Está na mesa a proposta de países amazônicos adotarem meta conjunta de combate ao desmatamento, mas ainda há tabu em outros temas, como exploração de petróleo na região.
🇨🇴 Colômbia: Colômbia é uma potencial aliada do Brasil na proposta de frear o desmatamento ilegal até 2030, mas abriga um lobby do petróleo interessado em reservas na floresta. O presidente Gustavo Petro prometeu barrar o avanço do petróleo na floresta, porém, posição menos bem aceita pelos brasileiros.
🇵🇪 🇧🇴 Peru/Bolívia: Peru e Bolívia, países andino-amazônicos, abrigam grupos interessados em explorar petróleo e minério na floresta, mas têm pressão do agronegócio menor que no Brasil. Pode lhes interessar entrar em bloco nas negociações de clima. A questão indígena é delicada, porque os povos ali não têm direito à terra previsto em constituição, apesar de existir titulação de terras.
🇸🇷 🇪🇨 Suriname/Equador: Dois países que abrigam partes pequenas da Amazônia, Suriname e Equador, enviarão autoridades de segundo escalão à cúpula, sinal de que não buscam envolvimento em questões mais delicadas na região. Lasso, presidente do Ecuador, alegou questões internas para se ausentar.
🇫🇷 França: Com território na Guiana Francesa, a França foi convidada, mas também terá um enviado de segundo escalão a Belém. A Amazônia interessa à Europa, que quer espaço para negociar compensação por emissões de carbono e ameaça impor barreiras comerciais a produtos de áreas desmatadas. Alemanha e Noruega, principais doadores do Fundo Amazônia, também estarão presentes.
🇻🇪 Venezuela: A Venezuela tem na cúpula a chance de retomar alguns laços diplomáticos e vê em Lula um aliado para diminuir o isolamento do país de regime ditatorial. Maduro não tem interesse econômico imediato na floresta, e está mais preocupado em recuperar caminhos para escoar petróleo.
SOCIEDADE CIVIL
🌳 Ambientalistas: ONGS cobram metas rígidas para desmate zero e pedem limites à mineração/garimpo em áreas protegidas, além de uma moratória contra a exploração de petróleo na região. Também pedem incentivos à economia sustentável, criação de mais unidades de conservação e proteção de ativistas e povos da região.
🪶 Indígenas: Organizações indígenas chegam à cúpula em protesto contra falta de representatividade e protagonismo. O grupo cobra dos governos mais compromisso no avanço de reconhecimento territorial, proteção contra mineração em terras ancestrais e mecanismos de proteção aos povos isolados, para prevenir violações de direitos humanos.
🔬 Cientistas: Setores acadêmicos pedem um compromisso para o fim de desmate, degradação, queimadas e garimpo ilegal, para evitar que a Amazônia atinja um "ponto de não retorno" em que se torne incapaz de sobrerviver por conta própria. O grupo defende um projeto amplo de incentivo para a bioeconomia na região.
SETOR PRIVADO
🚜 Agronegócio: A pecuária é a atividade que mais derruba mata hoje, seguida da soja. O agronegócio pressiona para que leis contra o desmate sejam menos rígidas e abram brecha para anistiar mais terras devastadas. Parte do grupo, porém, teme retaliações comerciais, e vê com bons olhos o aperto na fiscalização.
⛏️ Mineradoras: A Amazônia tem várias jazidas inexploradas de minério, muitas delas hoje dentro de unidades de conservação e terras indígenas. Mineradoras cobiçam licenças para explorar esses territórios e fazem lobby contra criação de novas áreas protegidas. O garimpo ilegal também tem lobby, mas não deve se expor na cúpula.
⛽ Petrolíferas: A indústria do petróleo almeja reservas na floresta, mas enfrenta resistência, não só pelo impacto local da atividade, mas porque combustíveis fósseis agravam a crise do clima. O setor terá um nome de peso em Belém: Ahmed Al Jaber, CEO da estatal de petróleo dos Emirados Árabes, e presidente da próxima Conferência do Clima na ONU.
Fonte: O GLOBO
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