Neymar, Cristiano Ronaldo e Benzema assinaram contrato com clube que pertence a um ditador tão sanguinário quanto o sírio

Imagine se o al-Jeysh, time do Exército da Síria e 17 vezes campeão nacional, anunciasse a contratação de Neymar. O maior rival da equipe de Damasco na Syrian Premier League seria o Tishreen, supostamente com o astro português Cristiano Ronaldo, e o al-Karamah, onde atuaria Benzema neste exercício de imaginação. 

Imagine se todas as equipes pertencessem ao Fundo Soberano do país, controlado pelo ditador Bashar al-Assad. Ao mesmo tempo, imagine se Messi tivesse um contrato de dezenas de milhões de dólares com a agência de turismo estatal síria para publicar fotos no seu Instagram de atrações turísticas como as ruínas de Palmyra ou as igrejas de Bab Touma.

Atletas como Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo e Benzema perderiam quase todos os patrocinadores caso decidissem ir para um time controlado por Assad. Mas o brasileiro, o português e o francês assinaram contrato com um clube literalmente pertencente a um ditador como o sírio. Troque Síria por Arábia Saudita no texto acima. 

Duas ditaduras sanguinárias. O saudita Bin Salman cometeu atrocidades na Guerra no Iêmen, persegue homossexuais, censura a imprensa, proíbe grupos opositores e uma Justiça independente, além de ordenar o esquartejamento do jornalista dissidente Jamal Khashoggi. Alguns argumentam que seu regime melhorou a situação das mulheres. 

Sim, ficou melhor do que no Afeganistão do Talibã. Já podem ir a estádios de futebol e ao cinema. Mas o apartheid anti-mulher persiste. Ainda precisam da autorização de algum homem da família para se casar. Além disso, na Síria, mulheres sempre puderam ir a partidas de futebol e cinema. Isso não diminuiu os crimes cometidos pelo regime sírio.

Alguns defensores da ida de Neymar para o time do ditador saudita dizem que todos os países teriam problema. Acrescentam que ir para a Arábia Saudita não seria diferente de ir para um time norte-americano. Este argumento, no entanto, não se sustenta. 

Os EUA, que invadiram e cometeram atrocidades no Iraque, possuem uma série de defeitos, mas são uma democracia. George W. Bush recebia enormes críticas por suas guerras. O ex-presidente Donald Trump e o filho do atual presidente Joe Biden são alvos de processos na Justiça. 

Ninguém é morto por criticar o governo, que é eleito de forma democrática e não escolhido por ser filho de um rei absolutista. Há divisão de poderes entre Executivo, Judiciário e Legislativo, além de existir uma imprensa plural. Os times esportivos não pertencem ao Estado.

Outros dizem haver uma hipocrisia, já que alguns dos principais times europeus foram adquiridos por ditaduras, como o próprio PSG (Catar), onde atuava Neymar, o campeão da Champions League Manchester City (Emirados Árabes) e agora o Newcastle (Arábia Saudita). Sem dúvida, é lamentável que isso ocorra. 

Mas estes times precisam seguir a legislação de nações democráticas como a França e o Reino Unido e são, inclusive, alvos de investigação. Na minha visão, deveria haver regras para restringir a compra de times por nações ditatoriais. Mas não dá para comparar com jogar no time de Bin Salman em um campeonato que também pertence ao ditador.

Jogar no al-Hilal equivale a jogar em um time de Assad na Síria, em um pertencente às Guardas Revolucionárias do Irã ou em um da liga norte-coreana. Bin Salman é tão ditador quanto Assad e Kim Jong-un. A diferença é que a ditadura da Arábia Saudita tem dinheiro. As outras, não.


Fonte: O GLOBO