Candidatos populistas da região tentam se aproximar do discurso do presidente salvadorenho, altamente popular por sua polêmica 'guerra à gangues', na tentativa de angariar votos nas eleições em seus países

"Mais do que nunca, depois do terror que os equatorianos estão vivendo, é necessário um governo linha-dura contra os criminosos", escreveu na X (ex-Twitter) Jan Topic, outsider que disputa no domingo às eleições no Equador. Crescendo na reta final da campanha, principalmente após o assassinato de Fernando Villavicencio, na semana passada, o candidato claramente tenta copiar o discurso do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que usa as redes sociais com frequência para propagar sua polêmica e até agora popular "guerra contras as gangues" no país.

O mesmo faz a ex-primeira-dama Sandra Torres, que concorre nas eleições presidenciais da Guatemala, também no próximo domingo. Ela promete implementar as estratégias de Bukele “para acabar com o flagelo de homicídios, assassinatos e extorsões no país” e disse que construiria duas megaprisões caso fosse eleita. No primeiro turno, Torres terminou em primeiro lugar.

Em toda a região, do Brasil ao Peru, passando por Honduras e Argentina, diversos políticos tentam surfar na onda de popularidade de Bukele, de mais de 90%, e prometem implantar seu modelo de combate à criminalidade, altamente criticado por organizações de direitos humanos. Mas, embora analistas regionais vejam com preocupação o movimento, pontuam que as singularidades de El Salvador e as medidas tomadas pelo presidente, cada vez mais autoritárias, devem impedir um avanço rápido pela região.

— A situação de El Salvador é bastante singular. É o único lugar na região onde há essa combinação de fatores: politicas de segurança de linha-dura, apoiadas em um enorme investimento em estratégica comunicacional, e ao mesmo tempo um ataque direto às instituições — explica Tamara Taraciuk, especialista do Diálogo Interamericano. 

— Para que seu modelo fosse exitoso, Bukele precisou cooptar as instituições democráticas. Com a estratégia de comunicação manipuladora, esconde as violações de direitos humanos e tudo feito até aqui para desmoronar o Estado de Direito, o que permite que o modelo avance.

No Equador, país assolado pela violência, uma pesquisa recente indica que Bukele — que nunca visitou oficialmente o país —, é mais popular do que qualquer político local. Não por acaso, Topic, ligado a empresas de segurança e ex-atirador da Legião Estrangeira Francesa, repete há meses seu mantra na campanha presidencial, antecipada para domingo depois que o presidente Guillermo Lasso dissolveu a Assembleia Nacional, em maio. 

Nos últimos dias, após o crime que chocou o país, o candidato, conhecido como "Rambo do Equador", vem reforçando o discurso e anunciou um investimento em equipamentos policiais de US$ 150 milhões (R$ 750 mi).

No Brasil, seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro elogiam com frequência os métodos do salvadorenho e chegaram a compará-lo ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, após ações policiais recentes contra o crime organizado na Baixada Santista deixarem vários mortos.

— Até o momento, sua influência na América do Sul é em nível retórico, utilizada por movimentos da oposição como uma crítica aos governos, acusados de serem menos comprometidos com o tema de segurança — afirma Tiziano Bredas, especialista em América Latina para o Instituto Affari Internacional (IAI). — Mas para que um país chegue a esse extremo, é preciso que o Executivo controle os outros poderes, o que não ocorre na maioria dos países da região. Até agora, Honduras é o único país onde se implementou um estado parecido, mas com um enfoque mais limitado.

A especialista do Diálogo Interamericano concorda e lembra que em nenhum outro lugar da região há hoje todos os elementos necessários para que o modelo avance.

— Esse é o limite para que a Bukelização se expanda para outros países, incluindo no caso do Brasil, onde há um Poder Judiciário forte, que não só colocou freios em temas de segurança [durante a gestão de Jair Bolsonaro], como foi muito presente em toda a questão eleitoral.

Cópia limitada em Honduras

Por sua proximidade geográfica e pelas similaridades históricas, inclusive em relação às gangues — as mesmas de El Salvador —, Honduras é o primeiro governo a oficialmente tentar colocar em prática parte do método linha-dura de Bukele. José Manuel Zelaya, secretário de Defesa de Honduras — e sobrinho da presidente Xiomara Castro, de esquerda, eleita no ano passado — costuma postar nas redes vídeos que se assemelham muito à estratégia digital de Bukele, que conta com um aparato on-line imenso.

O governo hondurenho também planeja a construção de uma prisão exclusiva para membros de gangues no arquipélago desabitado das Islas del Cisne, a 250 km da costa, com capacidade para 2 mil pessoas. A inspiração é clara: no país vizinho, Bukele inaugurou, em janeiro, uma penitenciária inteiramente dedicada a criminosos vinculados às gangues, autointitulada a “maior prisão das Américas”, com capacidade para receber até 40 mil detentos.

O estado de emergência adotado por Castro — assim como em El Salvador, após um episódio de violência —, em dezembro do ano passado, acaba de ser prorrogado pela quinta vez. Desde junho, a norma é a militarização das prisões, algo que a presidente prometeu diminuir durante a campanha, e incursões e detenções para enfrentar as gangues são corriqueiras. No auge das medidas, sua gestão anunciou uma queda de 74% nos homicídios registrados nas duas cidades afetadas.

— Há, de fato, uma pretensão de emular o modelo Bukele. Seu secretário, de forma muito explícita, copia de forma gráfica a comunicação do presidente salvadorenho nas redes sociais, com vídeos e fotos de presos sem camisa. 

Mas, diferentemente de El Salvador, o governo de Xiomara Castro não cooptou a Corte para aprovar a reeleição, a separação de poderes é respeitada e não há um processo de desmonte do Estado de Direito no país — enumera a diretora da divisão de Américas da Human Rights Watch, Juanita Goebertus. — Os moradores continuam com a sensação de que o Estado não tem capacidade de prevenir a violência do crime organizado.

Até agora, o governo de esquerda vem tentando se afastar da comparação. Em janeiro, o então diretor da Polícia Nacional, Gustavo Sánchez, disse que a luta contra o crime no país não era medida “pelo número de prisões, mas, sim, pela redução das mortes”. Meses depois, foi promovido a ministro de Segurança.

Democracia em queda

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele — Foto: MARVIN RECINOS/AFP

Ao chegar ao poder, de maneira democrática, Bukele fez um enorme investimento em comunicação estratégica, o que, somada à diminuição dos índices de criminalidade — pouco claros, mas ainda assim incontestáveis —, explicam sua alta popularidade interna. 

O passo seguinte foi tentar exportar seu modelo. Em março, durante um encontro com a deputada panamenha Kayra Harding, disse que o Panamá era o país em que ele tinha mais seguidores no exterior. Na Colômbia, uma pesquisa recente mostrou que 55% da população gostariam de ter um presidente como Bukele.

O último Latinobarómetro, publicado no mês passado, indica que o apoio à democracia na América Latina caiu na última década, ao mesmo tempo em que cresce o apoio ao autoritarismo, especialmente entre os mais jovens. Hoje, apenas 48% dos latino-americanos apoiam a democracia como regime político, uma queda de 15 pontos percentuais em relação ao 63% registrados em 2010.

A isso, somam-se o crescimento do crime organizado e a ineficácia da presença do Estado para combatê-lo, explica Renata Segura, do International Crisis Group:

— Com razão, os cidadãos estão preocupados. E lamentavelmente observamos uma queda da relevância da democracia na América latina, onde em muitos países as pessoas preferem ter menos democracia se isso significar um aumento da segurança — pondera. — Por isso, é uma estratégia de muitos candidatos em países onde há campanha eleitoral este ano. Há uma tentação muito grande em seguir por esse caminho.

Para Taraciuk, o sucesso de Bukele em vender seu modelo aumenta a urgência de encontrar líderes democráticos na região dispostos a encontrar uma opção eficaz para combater a criminalidade, mas que respeite o Estado de Direito.

— Em todo o continente, a insegurança é um problema enorme, com matizes. Por isso, é normal que haja a preocupação do eleitorado, que pede respostas para ontem — afirma. — Para os políticos populistas, tanto de esquerda quanto de direita, é o discurso mais fácil para combater a criminalidade. É uma opção sexy que dá resultados em curto prazo e ajuda a ganhar votos.


Fonte: O GLOBO