Pastas da Agricultura, Cidades, Desenvolvimento Social e Educação liberaram juntas montante, mirando redutos

Quatro ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) privilegiaram seus estados na destinação de recursos que faziam parte do antigo orçamento secreto. As liberações do quarteto totalizaram R$ 690 milhões até a semana passada, e ocorrem em paralelo à pressão de parlamentares para que o Executivo atenda a pleitos do Congresso. 

Com R$ 129 milhões direcionados ao Mato Grosso, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), é o que mais contemplou o próprio reduto até aqui. Os titulares das pastas de Cidades, Jader Filho (MDB); do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias (PT); e da Educação, Camilo Santana (PT), também colocaram bases eleitorais no topo da fila de liberações das verbas.

O rateio de recursos oriundos das emendas de relator-geral, modalidade extinta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado, já causou arestas entre o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No início do mês, Lira criticou Fávaro por privilegiar sete municípios do próprio estado com a fatia do antigo orçamento secreto herdada por sua pasta. O segundo colocado na lista de repasses do ministério, São Paulo, recebeu R$ 10 milhões.

Os recursos da Agricultura para o Mato Grosso foram destinados à pavimentação e manutenção de estradas vicinais nos municípios de Canarana, Matupá, Campo Verde, Querência, Alta Floresta, Gaúcha do Norte e Planalto da Serra. Em dois casos, já há contratos assinados: as vizinhas Canarana e Querência escolheram o mesmo Consórcio Agroestradas, formado em junho deste ano, e que receberá ao todo R$ 43 milhões pela prestação dos serviços.

Ministro Carlos Favaro — Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Fávaro recebeu em seu gabinete o prefeito de Canarana, Fábio Faria, em maio, para articular a construção de um campus do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT) no município. No mês passado, o ministro levou o prefeito ao Ministério da Educação para anunciar o acordo. Já o prefeito de Querência, Fernando Gorgen, foi convidado por Fávaro para acompanhar o lançamento do Plano Safra, em junho, e posou ao lado do presidente Lula.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Agricultura não se manifestou.

Outra pasta que privilegiou um reduto do respectivo ministro na distribuição de verbas originárias do extinto orçamento secreto, o Ministério das Cidades liberou R$ 57 milhões para o Pará. A maior parte do valor vai para a construção do Parque Urbano São Joaquim, na capital Belém. 

A obra, primeiro convênio assinado pelo ministro Jader Filho, faz parte da preparação de Belém para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30). A realização do evento na capital paraense foi articulada pelo governador Helder Barbalho (MDB), irmão de Jader e apoiador de Lula na última eleição presidencial.

A segunda maior fatia de recurso liberado pelo Ministério das Cidades também mira o Pará: R$ 4,8 milhões para pavimentação de ruas do município de Água Azul do Norte. Em março, o prefeito Isvandires Ribeiro registrou nas redes sociais uma audiência com Jader Filho, que declarou estar “de portas abertas para todos os municípios do Pará”.

Prefeito Isvandires Ribeiro mostra nas redes ida a Brasília para visitar Jader Filho, ministro das Cidades — Foto: Reprodução/Instagram

“Fomos muito bem recebidos pelo ministro, buscando recurso para melhorar nossa trafegabilidade em nosso município”, afirmou o prefeito, em vídeo.

Quando se levam em conta outros recursos discricionários — de uso livre — do ministério que foram transferidos para estados e municípios, sem contabilizar a verba do antigo orçamento secreto, o Pará cai para a sétima colocação, com R$ 70 milhões. O ranking, neste caso, é liderado por estados como São Paulo, Bahia e Minas Gerais, o que vai de encontro ao peso populacional dessas localidades.

O ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), indicou R$ 57 milhões do herdado do orçamento secreto para dois convênios no Pará. Um deles foi para a criação de um parque em Belém (acima) e obras de pavimentação no município de Água Azul do Norte — Foto: Reprodução

Redutos petistas

Parâmetro semelhante aparece no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, uma das pastas disputadas pelo Centrão. Sob o comando do ministro Wellington Dias, a pasta destinou R$ 31 milhões para fundos municipais de assistência social do Piauí, estado que governou até o ano passado. O estado é o segundo mais contemplado, atrás apenas da Paraíba, que recebeu cerca de R$ 39 milhões.

Assim como na pasta de Cidades, a distribuição dos recursos muda quando se leva em conta outras verbas livres do Desenvolvimento Social, que não compunham o orçamento secreto. Neste caso, os fundos municipais de Paraíba e Piauí passam a figurar, respectivamente, na 10ª e 11ª posições, com cerca de R$ 50 milhões cada — menos da metade do valor empenhado para São Paulo, Minas Gerais e Bahia, os três primeiros. As posições são quase idênticas às registradas em 2022, quando a verba do orçamento secreto não contava como de uso livre do ministério.

O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Critérios questionados

Questionado sobre diferenças nos critérios para distribuir a verba herdada após a extinção das emendas de relator, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social não respondeu. O Ministério das Cidades informou, em nota, ter seguido critérios estipulados em portaria de maio deste ano, que descreve atribuições gerais da pasta e não menciona recorte regional.

Em relação à verba que não fazia parte do extinto orçamento secreto, a pasta de Cidades informou que ela se destina a “contratos em andamento, firmados em exercícios anteriores”.

O Ministério da Educação (MEC), chefiado pelo ex-governador do Ceará, Camilo Santana, carimbou cerca de R$ 10 milhões do ex-orçamento secreto. A maior parte, R$ 4,8 milhões, vai para duas obras sob alçada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao MEC, na capital Fortaleza.

Um dos contratos, assinado em janeiro deste ano, é para a construção da emergência obstétrica em uma maternidade escola. Para esta finalidade, o MEC reservou R$ 4,5 milhões. A verba restante é para reformas no Hospital Universitário Walter Cantídio. Em nota, o MEC não comentou os critérios para as liberações e disse que a execução das despesas cabe aos responsáveis de cada área.

O caminho da verba

Orçamento secreto*

Identificado pelo código RP 9, estava previsto em R$ 19,4 bilhões para este ano, mas foi extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Do valor total, R$ 9,8 bilhões foram destinados para gastos livres (código RP 2) de sete ministérios do governo Lula.

Novo carimbo

Os recursos herdados pelos ministérios receberam os marcadores A400, A401 e A402, o que permite diferenciá-los de outros tipos de verba de uso livre.

A disputa pelo uso

Por ter caráter discricionário, a verba pode ser usada em transferências ou convênios com estados e municípios, ou em contratações diretas dos ministérios, sem passar pelo Congresso. Parlamentares, no entanto, pressionam para indicar parte dos recursos

*FONTE: Painel do Orçamento Federal (SIOP), Transfere.gov e Portal da Transparência da CGU


Fonte: O GLOBO