Carlos Nobre, pesquisador da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, afirma que a floresta está à beira de seu 'ponto de não retorno'

O cientista Carlos Nobre, o primeiro a simular o colapso da Amazônia a partir de uma combinação de desmatamento com mudança climática, diz que não faz sentido abrir novas explorações de petróleo se a meta é cortar emissões. 

O raciocínio, afirma o pesquisador da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia em entrevista ao GLOBO em Belém, vale também para explorações na Foz do Amazonas, algo que vem sendo defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O senhor está otimista com o possível resultado da cúpula?

Me digo otimista porque estamos num momento crítico para Amazônia, mas neste mesmo momento ocorre a reunião mais importante que já houve na História dos países amazônicos. Nunca houve tanta representatividade de comunidades indígenas e povos locais. 

Os países amazônicos têm de sair daqui com um mega-acordo para zerar o desmatamento, a degradação florestal e atacar o crime, que explodiu em toda Amazônia. Meu otimismo é de que não terá muito discursozinho político. Sairá algum acordo de todos os países Amazônicos para zerar o desmatamento e a degradação antes de 2030.

O senhor sempre defendeu a bioeconomia também como caminho para isso. Nesse ponto haverá avanço?

Nessa questão, não há uma concordância de todos os países, mas acho que haverá um caminho. Tenho certeza de que uma das mensagens desta cúpula será: “Países desenvolvidos, nos ajudem.” Eles precisam colocar dezenas de bilhões aqui, para não dizer mais de uma centena de bilhão de dólares, para desenvolver essa nova economia.

O Acordo de Paris de 2015 estabeleceu a meta de frear o aumento de temperatura global em 2,0°C. Já o acordo desta cúpula prevê evitar que a Amazônia atinja o “ponto de não retorno”. Disso surgirá uma meta objetiva para ação?

Sem dúvida. Quando o acordo de Paris foi assinado, falava-se em 2°C. Em 2021, em Glasgow, na COP26, caiu para 1,5 porque, entre 2015 e 2021, a ciência mostrou o risco de 0,5°C a mais. Toda a ciência fala hoje do risco de tipping point (o “ponto de não retorno”), eu fui o primeiro cientista a falar isso na década de 1990, com artigos dizendo que a Amazônia chegaria a isso “se” a desmatassem demais. Só que naquela época o desmatamento era de 7% . Hoje já passou de 18%. E, há 33 anos, o aquecimento global era bem menor.

Quando se juntam aquecimento global e desmatamento, estamos na beira do precipício do tipping point. Se continuarem as emissões como agora, chegaremos a 1,5°C em menos de dez anos.

Neste momento, todo o sul da Amazônia, na beira da floresta, está se autodegradando. A mortalidade de árvores cresce demais. Ali a floresta passou a ser fonte de carbono: perde mais do que absorve. Nos últimos 40 anos, a estação seca já ficou de 4 a 5 semanas mais longa e 2,5°C mais quente.

A ciência mostra que todo o sul da Amazônia, do Atlântico até a Bolívia, uma área de mais de 2 milhões de km², está na iminência do ponto de não retorno. Então, precisamos zerar o desmatamento, a degradação e o fogo. Infelizmente, a agropecuária na Amazônia usa muito fogo, assim como o crime, para destruir a floresta. A extração seletiva (de madeira), quase toda ela ilegal, também usa muito fogo.

Depois, tem de passar a restaurar floresta. Lançamos na COP27 a ideia do projeto Arcos da Restauração Florestal, que propõe restaurar ao menos uns 50 milhões de hectares em todo o sul da Amazônia e fazer a floresta voltar a crescer ali para tentar impedir esse ponto de não retorno.

A floresta secundária cresce muito rápido e, após alguns anos, começa a reciclar muito bem a água. Ela transpira muito mais do que a pastagem, baixa a temperatura e aumenta a chuva. É preciso estabelecer um gigantesco projeto de restauração em toda essa região e ao longo dos Andes também, que tem muita biodiversidade. Além disso, temos de ter sucesso no Acordo de Paris. Se a temperatura passar de 2,5°C pelos combustíveis fósseis, a Amazônia vai embora.

A questão da Amazônia não parece pequena diante do problema dos combustíveis fósseis na crise do clima?

Há uma grande diferença. Quase 70% dessas emissões vêm de queima de combustíveis fósseis, e 15% de desmatamento global. O Brasil é o quinto maior emissor, com 4%. É urgentemente necessário reduzir a queima de combustíveis fósseis. Assim, não faz sentido em nenhum lugar do mundo fazer novas explorações de petróleo, porque o mundo já está cheio de poços de petróleo, gás natural e carvão.

Ao contrário, precisamos começar a fechar poços. A meta de Paris é reduzir as emissões em 50% até 2030. Como reduzir as emissões se começam novas explorações? Assim não há nenhuma chance de atingir esses objetivos, e coloca o país num risco suicida, um ecossuicídio.

Isso vale para o petróleo na Foz do Amazonas também?

Vale para todos. O Brasil tem uma vantagem sobre os outros países, porque a matriz energética aqui já é mais limpa. E temos um gigantesco potencial de energia solar, eólica e investimentos no hidrogênio verde. 

Então o Brasil pode ser o primeiro país a atingir essas metas. Se o Brasil atingi-las, isso não salva o planeta sozinho, mas a questão é que precisamos de países liderando a busca dessas metas. Então, do ponto de vista político, algo que a própria ministra Marina Silva fala, é que o Brasil é muito importante. Imagina se o Brasil fosse o primeiro a zerar as emissões no mundo?

A proteção da Amazônia é importantíssima também, porque se, o ponto de não retorno for superado, a Amazônia se degrada liberando mais de 250 bilhões de toneladas de CO2. Isso explodiria o Acordo de Paris.

Sua colega Luciana Gatti, do Inpe, diz que 2030 é um prazo muito longo para zerar o desmate, e é preciso zerar não apenas o “ilegal”. Concorda?

Sou coautor do estudo novo dela também. Ela, eu e outros falamos em zerar “o” desmatamento. Essa história de legal versus ilegal não faz nenhum sentido, porque aqui no Brasil legal é 20%, mas em outros países amazônicos é muito mais. No Cerrado, legal é 80%. Então é melhor dizer zerar “o” desmatamento.

Quem desmata 20% da sua propriedade na Amazônia pode não estar fazendo nada de ilegal, é verdade. Só que o governo e o setor privado têm que colaborar muito, com incentivos, com financiamentos, para que todo mundo zere o desmatamento e, além disso, passe a restaurar. Se você pegar uma fazenda hoje com o crescimento da floresta secundária, o rendimento mensal de uma área em restauração é duas a três vezes o rendimento da pecuária, mas precisa ter um grande investimento para fazer a restauração.

O setor privado que não comete crime pode se beneficiar muito de restaurar a floresta. É lógico que o presidente não pode falar que prenderá alguém que fez um desmatamento legal, mas pode criar políticas de incentivo para zerar o desmatamento.


Fonte: O GLOBO