Organização criminosa tem núcleo especializado em trocar IMEIs dos aparelhos e obtém informações pessoais para criar contas e fazer transações financeiras
A Polícia Civil de São Paulo prendeu na noite de terça-feira Amadou Diallo, um homem natural da Guiné-Bissau apontado como o “maior receptador de celulares do país”. Segundo o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Amadou liderava um grupo que atua na Rua Guaianases, no Centro da capital paulista, onde os aparelhos eram usados para a aplicação de golpes e posterior envio para países da África.
A mesma quadrilha é investigada em outro inquérito, conduzido pelo 27º Distrito Policial, do Campo Belo. Essa apuração visa operações de compra e venda de dados para a prática de crimes financeiros pelo grupo que recepciona celulares furtados ou roubados. Já foram identificadas fraudes envolvendo a Caixa Econômica Federal e bancos privados. O número de vítimas e o prejuízo total ainda não foram calculados. Entenda abaixo o que, de forma geral, pode acontecer com o seu celular quando é roubado em São Paulo.
O passo a passo de um celular roubado em SP
Entenda como o crime distribui os aparelhos
- De onde vêm — O número de aparelhos roubados ou furtados em São Paulo aumentou 19,7% no ano passado. Os celulares são furtados em vias públicas, estações de metrô, ou dentro de carros parados no trânsito. Os crimes são praticados por pessoas a pé, montadas em bicicletas ou em motos. Os criminosos podem agir em grupos ou sozinhos.
- Para onde vão — Há quadrilhas de receptadores espalhadas pelo Centro de São Paulo, sendo a mais proeminente baseada na Rua Guaianases, na Santa Cecília. Também há relatos de operações de receptação na Barra Funda, Zona Oeste da cidade.
Infográfico mostra destino de aparelhos roubados ou furtados em São Paulo — Foto: Editoria de Arte
As investigações da Polícia Civil encontraram trocas de mensagens entre integrantes do esquema criminoso com negociações para compra de dados como CPF, RG, número de telefone, endereço e e-mail das potenciais vítimas.
Os valores cobrados por essas informações variam, a partir de R$ 50. Em uma das mensagens, um criminoso pede R$ 700 para ceder a outro os dados de uma pessoa que tem um score de crédito alto, o que indica que a quadrilha tem acesso ao histórico financeiro das vítimas.
Em posse dos dados, os criminosos falsificam documentos e conseguem criar contas bancárias, principalmente em bancos digitais, bem como fazer cadastro em programas sociais do governo. A partir daí são feitos empréstimos, contratos de financiamento e transferências de valores para outras contas do grupo. Tudo usando os dados de uma pessoa que não faz ideia de que está sendo vítima de uma série de crimes.
Rua Guaianases é o endereço dos aparelhos
As operações são feitas com aparelhos celulares roubados em toda a cidade, seja em furtos em estações do Metrô ou em roubos feitos por ladrões que quebram os vidros de carros parados no trânsito paulistano, e que vão parar na Rua Guaianases.
De acordo com a polícia, a quadrilha tem integrantes especializados em trocar o IMEI, o código para identificação dos aparelhos, driblando assim o bloqueio feito pelas operadoras a partir da Anatel. Mensagens extraídas de aparelhos apreendidos do grupo revelam que os criminosos reclamavam entre si por ter mais dificuldades para executar o procedimento em aparelhos que usam o eSIM, um chip virtual que substitui os convencionais.
Em resumo, os aparelhos que desembocam na Rua Guaianases podem ter quatro destinos: serem revendidos ali mesmo, no Centro de São Paulo; serem enviados para fora do Brasil (especialmente para países da África, onde não funciona o bloqueio feito pela Anatel em aparelhos que não tiveram o IMEI substituído pela quadrilha); serem desmontados e terem as peças comercializadas separadamente; ou servirem para a realização de crimes financeiros.
A Polícia Civil já realizou três operações contra essa quadrilha, incluindo a desta quarta-feira. A maioria dos suspeitos é proveniente de países africanos, em particular Senegal e Angola, mas também há brasileiros no esquema.
Os investigadores já tinham em mãos uma tabela com os preços cobrados pelos criminosos para revender cada modelo de aparelho roubado, e recentemente receberam o laudo pericial onde encontraram as mensagens relatando a dinâmica dos crimes feitos a partir da compra de dados. A origem dessas informações obtidas pela quadrilha segue desconhecida.
Governo aciona fabricantes
Os furtos de celulares são um dos principais desafios do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na área da segurança pública. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que o número de aparelhos roubados ou furtados em São Paulo aumentou 19,7% no ano passado, chegando a 346.518 ocorrências. Com mais celulares roubados, saltaram também os registros de casos de estelionato: foram 638.629 no ano passado, 67,1% a mais que em 2021.
O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, diz que a polícia está combatendo a cadeia de roubos de celulares na capital, mas reclama que “fragilidades na nossa legislação” impedem que receptadores permaneçam na prisão. Segundo Derrite, as operadoras de telefonia móvel e as fabricantes de celulares foram chamadas para discutir com a pasta soluções para impedir o reúso dos aparelhos furtados:
— Se existe o roubo é porque tem alguém lucrando com isso. Já identificamos algumas quadrilhas que atuam, em especial, na região central. Muitos celulares saem daqui para países da África para serem usados lá. Não é possível que não exista hoje uma tecnologia que faça com que esse aparelho se torne um tijolo, um produto obsoleto que não permita que ele seja novamente utilizado.
O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do FBSP, rechaça a alegação de que a legislação brasileira seja um impeditivo para o combate ao crime, e diz que o maior obstáculo está na falta de investimento em investigações:
— Há décadas se diz que a polícia prende e a Justiça solta. É sempre a mesma desculpa. O problema não é isso, é não saber trabalhar ou não ter condições ou interesse. A Polícia Civil está envelhecida e burocratizada.
Em posse dos dados, os criminosos falsificam documentos e conseguem criar contas bancárias, principalmente em bancos digitais, bem como fazer cadastro em programas sociais do governo. A partir daí são feitos empréstimos, contratos de financiamento e transferências de valores para outras contas do grupo. Tudo usando os dados de uma pessoa que não faz ideia de que está sendo vítima de uma série de crimes.
Rua Guaianases é o endereço dos aparelhos
As operações são feitas com aparelhos celulares roubados em toda a cidade, seja em furtos em estações do Metrô ou em roubos feitos por ladrões que quebram os vidros de carros parados no trânsito paulistano, e que vão parar na Rua Guaianases.
De acordo com a polícia, a quadrilha tem integrantes especializados em trocar o IMEI, o código para identificação dos aparelhos, driblando assim o bloqueio feito pelas operadoras a partir da Anatel. Mensagens extraídas de aparelhos apreendidos do grupo revelam que os criminosos reclamavam entre si por ter mais dificuldades para executar o procedimento em aparelhos que usam o eSIM, um chip virtual que substitui os convencionais.
Em resumo, os aparelhos que desembocam na Rua Guaianases podem ter quatro destinos: serem revendidos ali mesmo, no Centro de São Paulo; serem enviados para fora do Brasil (especialmente para países da África, onde não funciona o bloqueio feito pela Anatel em aparelhos que não tiveram o IMEI substituído pela quadrilha); serem desmontados e terem as peças comercializadas separadamente; ou servirem para a realização de crimes financeiros.
A Polícia Civil já realizou três operações contra essa quadrilha, incluindo a desta quarta-feira. A maioria dos suspeitos é proveniente de países africanos, em particular Senegal e Angola, mas também há brasileiros no esquema.
Os investigadores já tinham em mãos uma tabela com os preços cobrados pelos criminosos para revender cada modelo de aparelho roubado, e recentemente receberam o laudo pericial onde encontraram as mensagens relatando a dinâmica dos crimes feitos a partir da compra de dados. A origem dessas informações obtidas pela quadrilha segue desconhecida.
Governo aciona fabricantes
Os furtos de celulares são um dos principais desafios do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na área da segurança pública. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que o número de aparelhos roubados ou furtados em São Paulo aumentou 19,7% no ano passado, chegando a 346.518 ocorrências. Com mais celulares roubados, saltaram também os registros de casos de estelionato: foram 638.629 no ano passado, 67,1% a mais que em 2021.
O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, diz que a polícia está combatendo a cadeia de roubos de celulares na capital, mas reclama que “fragilidades na nossa legislação” impedem que receptadores permaneçam na prisão. Segundo Derrite, as operadoras de telefonia móvel e as fabricantes de celulares foram chamadas para discutir com a pasta soluções para impedir o reúso dos aparelhos furtados:
— Se existe o roubo é porque tem alguém lucrando com isso. Já identificamos algumas quadrilhas que atuam, em especial, na região central. Muitos celulares saem daqui para países da África para serem usados lá. Não é possível que não exista hoje uma tecnologia que faça com que esse aparelho se torne um tijolo, um produto obsoleto que não permita que ele seja novamente utilizado.
O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do FBSP, rechaça a alegação de que a legislação brasileira seja um impeditivo para o combate ao crime, e diz que o maior obstáculo está na falta de investimento em investigações:
— Há décadas se diz que a polícia prende e a Justiça solta. É sempre a mesma desculpa. O problema não é isso, é não saber trabalhar ou não ter condições ou interesse. A Polícia Civil está envelhecida e burocratizada.
Para os governantes, pouco interessa a investigação. Interessa ter viatura nas ruas para aumentar a sensação de segurança. A grande maioria das prisões por roubos de celulares é em flagrante, quando o correto seria investigar a rede de receptadores. Se você prende um receptador, você evita centenas de roubos.
Como reduzir riscos
O especialista em tecnologia Arthur Igreja sugere as seguintes medidas:
Como reduzir riscos
O especialista em tecnologia Arthur Igreja sugere as seguintes medidas:
- ativar verificações de dois fatores em aplicativos-chave, como redes sociais, e-mail e apps de bancos;
- usar autenticadores de senhas para adicionar uma camada extra de segurança;
- ter um e-mail para recuperar senhas que não esteja logado no aparelho;
- distribuir recursos financeiros em aplicações que não permitam retirada imediata;
- em caso de roubos, solicitar o bloqueio do aparelho e um novo chip o mais rápido possível, além de registrar boletim de ocorrência.
Fonte: O GLOBO
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