O designer Cícero Moraes foi atrás do laudo após enfrentar uma forte crise da meia-idade

Eu estava prestes a fazer 39 anos, em novembro de 2021, quando comecei a desenvolver quadros de ansiedade. Não havia muita explicação. Estava tudo bem no meu casamento, situação financeira e profissional estáveis. 

Não havia motivo para eu ficar ansioso. Desde criança tive alguns episódios de ansiedade que se intensificaram na adolescência, mas fazia muitos anos que nada acontecia. Comentei com a minha esposa e ela disse: “você está chegando perto dos 40, não seria alguma crise de meia-idade?”.

Ela foi dormir, eu peguei o celular e comecei a ler sobre o assunto. De fato, identifiquei várias características que estavam descritas sobre a crise de meia-idade. 

Grosso modo, é uma espécie de adolescência adulta, onde o mundo psicológico sofre profunda turbulência, fazendo com o que o indivíduo reveja seus conceitos e reestruture a forma com que encara a própria existência. Ao ler, percebi que essa crise tende a ser relativamente tranquila, mas, para mim, estava sendo um verdadeiro inferno. Pior do que quando perdi pessoas que amava.

Comecei a buscar soluções com meu psicólogo. Eu achava que estava dentro do espectro do autismo, porque tenho hiperfoco, um pouco de dificuldade de lidar com o público — apesar de dar palestras — sensibilidade à luz, aversão a alguns sons (misofonia), consigo mapear com facilidade o estado de humor de quem está próximo, sinto minha energia muito drenada quando estou perto de pessoas — algumas características presentes em pessoas superdotadas, como descobri posteriormente.

Contei para meu psicólogo que eu tinha uma sensibilidade muito grande para sentir o que as pessoas estavam sentindo. Se eu fosse dar uma palestra em algum lugar onde o clima estava pesado, eu chegava destruído em casa. Ele me disse que eu poderia ser uma pessoa altamente sensível (PAS) e me indicou um livro.

Comecei a ler o livro e achei fantástico. Havia várias citações de (Carl Gustav) Jung quando se tratava da crise da meia-idade. Entendi que eu estava passando por algo que muita gente passava, só que com um adicional bem exacerbado de sensibilidade. Eu sofria muito porque tinha memórias muito longas, desde quando eu era bebê.

Grandes feitos profissionais

Nunca pensei em superdotação. Apesar de ter um significativo sucesso profissional (dois títulos de doutor honoris causa por sua contribuição à Ciência através da computação gráfica 3D; Guinness World Records 2022 por fazer o primeiro casco de tartaruga impresso em 3D; reconstrução facial de Santa Maria Madalena; referência na reconstrução facial forense), sempre atribuí isso ao meu esforço e comprometimento acima da média. Mas eu comecei a ler as primeiras palavras quando tinha por volta de 1 ano e meio de idade.

Terminei o livro e não me dei por satisfeito. Li uma obra sobre crise da meia-idade, outra sobre pessoas altamente sensíveis, teses e dissertações sobre esses temas. Quanto mais eu lia, mais percebia que sempre havia um adendo indicando que pessoas com as mesmas características que eu — como muita sensibilidade a ponto de entender o estado de espírito das pessoas, memórias longas que fazem viver o passado como se fosse o presente — eram pessoas superdotadas. 

No começo, achei que não era o meu caso. Sempre acreditei que essas pessoas eram aquelas que faziam cálculos supercomplexos de cabeça, ou que tinham uma memória quase que fotográfica e eram capazes de repetir palavra por palavra do que viram em cinco páginas de um livro. Mas quanto mais fui lendo, mais me identificava naquelas características.

Sempre fui uma pessoa que devorava livros, mas era totalmente ignorante quanto ao assunto superdotação. Conforme lia, percebi que pessoas superdotadas sofrem muito. Vou dar um exemplo: pense que você é uma máquina capaz de capturar praticamente todas as informações às quais você é exposto no dia. 

É muito difícil e cansativo lidar com esse grande número de informações e pensamentos diariamente. Ao longo da minha vida, fui aprendendo a lidar com isso — mesmo sem saber o que estava acontecendo —, mas na crise da meia-idade foi demais para mim, porque me senti “obrigado” a lidar com várias questões, inclusive aquelas que eu tinha jogado para debaixo do tapete.

Fui atrás de um laudo. Meu objetivo não era saber quanto eu tinha de QI (que ficou em 99,7%, ou seja, praticamente 159 numa escala que vai até 160). Eu estava bem sobrecarregado com toda essa mudança. Quando recebi o laudo foi como tirar um peso das costas. Quando eu descobri, muita coisa fez sentido e eu consegui recuperar a paz da minha vida.

Nunca liguei muito para essa questão do QI, tanto que deixei meu laudo guardado na gaveta. Mas, como continuei com as minhas pesquisas sobre a superdotação, eu descobri a Mensa (uma sociedade de alto QI que reúne indivíduos com habilidades cognitivas excepcionais). Me candidatei e fui aceito. Meu objetivo era conhecer e conversar com mais pessoas como eu, que tinham vivido experiências parecidas.

Senti que, quando eu conversava com o pessoal da Mensa, era como se eu recarregasse as minhas baterias sociais, e aí eu conseguia lidar com o mundo.

O meu próximo passo foi me inscrever para a Intertel, sociedade internacional para pessoas com uma pontuação de QI superior a 99% da população mundial. E eles aceitaram meu laudo mês passado. Meu objetivo é conversar com eles também, entender como é a abordagem sobre o assunto em outros países.

Ajudar pessoas a se descobrirem

Depois do meu laudo, me senti impelido e motivado a falar sobre o assunto e a ajudar outras pessoas a encontrarem essa mesma paz que eu encontrei. E várias pessoas, de todas as idades, já se descobriram superdotadas por minha causa. 

Algumas crianças são inquietas, hiperativas, difíceis de lidar. Mas elas são assim porque não conseguem manejar o excesso de informações às quais são expostas, é muita coisa para elas pensarem. Quando adultos, é muito mais difícil irem atrás do laudo, como eu fui. Normalmente, acabam descobrindo porque o filho recebe o diagnóstico primeiro.

*Em depoimento a Evelin Azevedo


Fonte: O GLOBO