'Verão antecipado' também elevou procura por ventiladores. Já segmentos de vestuário e calçados amargaram perdas e fazem promoções para reduzir estoques

Fruto do aquecimento global e do fenômeno El Niño, o inverno com temperaturas mais quentes que o esperado — na quarta-feira, no Rio, a máxima chegou a 39,2° — tem sido uma faca de dois gumes para o varejo. De um lado, empresas do setor de vestuário que apostaram no frio amargam perdas nas vendas e têm focado em promoções para reduzir estoques.

Do outro, o segmento de eletroeletrônicos aproveita o aumento das temperaturas e aposta no “verão antecipado” para alavancar as vendas de aparelhos de ar condicionado e ventiladores.

A varejista Magalu já percebe esse movimento. Segundo Bernardo Pontes, diretor comercial da companhia, houve um aumento de 30% nas vendas de ares-condicionados nas lojas físicas entre os dias 1º e 22 deste mês, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com expectativa de crescimento também no Sudeste.

No e-commerce, a comercialização dos aparelhos teve alta de 40% nos primeiros 22 dias de agosto, em relação ao mesmo período do ano passado.

— As previsões que acompanhamos apontam que, de setembro a dezembro, teremos calor em todas as regiões do Brasil, com temperaturas bem superiores às dos últimos anos. Estamos preparados, reforçando estoques de ares-condicionados, ventiladores, refrigeradores e freezers — destaca Pontes.

Segundo dados da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), as vendas de ares-condicionados split cresceram 16% de janeiro até junho, em relação ao mesmo período do ano passado. Já a de ventiladores de mesa subiu 34% no mesmo período, enquanto a de ventiladores de coluna registrou avanço de 18%.

Esperança com El Niño

Segundo a associação, o clima têm ajudado nas vendas, já que os juros altos reduziram o ímpeto para a compra desses produtos nos últimos anos.

— São produtos que dependem muito do clima. Há um movimento interessante (de vendas) do setor no Sudeste. Se o El Niño continuar como está, a tendência é de mais crescimento nos próximos meses. Estamos esperançosos — diz José Jorge do Nascimento, presidente da Eletros.

Na ponta menos positiva, o setor de calçados viu a produção cair 0,5% no primeiro semestre de 2023, ante o mesmo período de 2022. Segundo Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, a questão climática é sempre um desafio para o setor:

— O inverno curto prejudica fabricantes de calçados de maior valor agregado, de couro, especialmente no Sul e Sudeste. O volume de vendas aponta para um recuo de 9% nas vendas de vestuário e calçados no primeiro semestre, no comparativo com o mesmo período do ano passado.

Altas temperaturas em pleno inverno aumentam a procura por ventiladores e aparelhos de ar condicionado — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

O diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, disse que as vendas no setor caíram 10% entre maio e junho de 2023, frente ao mesmo intervalo do ano passado. Considerando o inverno inteiro, a estimativa é que a retração seja de 15%. A saída encontrada pelo comércio foi antecipar o recebimento de peças que seriam vendidas no verão.

É um movimento contrário ao que aconteceu em 2022, quando o frio prolongado atrasou a coleção de fim de ano. Agora, a esperança é que as vendas programadas para a estação mais quente do ano compensem o inverno.

— É uma possibilidade, apesar de os primeiros meses do ano terem sido ruins para o varejo. A primavera-verão longa pode puxar a venda de peças com cara de meia-estação, roupas um pouco mais pesadas, mas que podem ser utilizadas na temporada intermediária — comenta Pimentel.

Análise de dados

Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em varejo, explica que as grandes lojas de vestuário já trabalham com uma coleção única para o ano inteiro.

Outras investiram em análise de dados para acompanhar as vendas: as peças que não batem a meta esperada pela empresa começam a receber descontos e não ficam paradas nos estoques. Isso diminui o impacto de uma sazonalidade ruim.

— Não é mais preciso esperar a coleção acabar para dar descontos de 80%. Você vai liquidando aos poucos. Mas, no ano que vem, a indústria de tecido talvez sinta o impacto de não ter inverno esse ano, com estoques remanescentes — afirma Kanter.

Com a duração menor da temporada fria, a Riachuelo oferece, desde o fim de junho, descontos no vestuário de inverno. “A marca está focada na coleção de primavera-verão, que está disponível nas lojas e e-commerce desde o início do mês”, afirmou, em nota.

Já a Renner relatou em seu balanço do segundo trimestre que foi necessário realizar promoções para reduzir estoques, o que afetou a margem bruta. Houve queda de 6,8% nas vendas: “Temperaturas mais altas durante o trimestre resultaram em uma menor demanda por produtos de inverno, o que também contribuiu para a redução da margem”.


Fonte: O GLOBO