Relatório aponta que a vacinação reduziu bastante a incidência da doença nos países endêmicos, mas há diversos problemas sociais a serem sanados para que se possa chegar à erradicação.

O Conselho Independente de Monitoramento (IMB) da Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI) publicou seu relatório de 2023 avaliando o desempenho da iniciativa público-privada para a erradicação da paralisia infantil que reúne seis instituições: a Organização Mundial de Saúde (OMS), Rotary Internacional, Centro de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas dos EUA (CDC), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundação Bill e Melinda Gates e Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI). A meta é eliminar a doença, preferencialmente até 2026.

O relatório do IMB aponta os obstáculos no caminho de um os resultado que parece estar sempre “quase lá”. Analisando os países onde a doença ainda ocorre de forma frequente – apenas Paquistão e Afeganistão – e aqueles onde ainda se veem surtos esporádicos, como Nigéria, República Democrática do Congo, Iêmen e Somália, o IMB chama atenção para problemas que vão além da disponibilidade e logística das vacinas.

A maior preocupação diz respeito aos países endêmicos, Paquistão e Afeganistão, em particular a regiões que acabam funcionando como reservatórios de alta circulação do vírus. Chama atenção, por exemplo, a ocorrência de cinco casos de pólio no Leste do Afeganistão em 2023, em crianças que, de acordo com registros locais, haviam recebido de 16 a 28 doses de vacina oral. 

Alguns pesquisadores especulam se a causa não poderia ser causada pela presença de doenças entéricas crônicas e altíssima circulação do vírus, em condições precárias de saneamento básico e falta de água potável. 

Vale lembrar a analogia do goleiro, que usei muito durante a pandemia de Covid-19: mesmo um bom goleiro —ou uma boa vacina — falha quando o resto da defesa do time é muito ruim. Se as condições gerais do meio propiciam uma circulação muito intensa do vírus, o número de “bolas chutadas a gol” — oportunidades de infecção — é simplesmente grande demais para que o “goleiro” — a vacina — consiga pegar todas. A pólio tem um ciclo de contaminação fecal-oral, ou seja, pessoas contaminadas expelem vírus nas fezes, que na ausência de água tratada, podem contaminar outras pessoas.

O relatório aponta que a vacinação reduziu bastante a incidência da doença nos países endêmicos, mas há diversos problemas sociais a serem sanados para que se possa chegar à erradicação. Saneamento básico adequado e água limpa são apenas dois exemplos. Além disso, o IMB aponta como prioridade a redução dos conflitos armados, que interrompem campanhas de vacinação, e aumentar o número de mulheres vacinadoras, pois as famílias confiam muito mais nelas na hora de vacinar crianças.

O relatório descreve ainda um fenômeno social de boicotes à vacina, que acontece em algumas regiões do Paquistão. A população, ciente de que o governo precisa cumprir metas de vacinação, usa a intenção de vacinar como ficha de barganha para demandas sociais. 

Análise recente dos boicotes mostra que 31% das demandas são relacionadas à oferta de empregos, 16% são demandas de acesso a serviços de saúde, água potável e saneamento básico, e outros 40% vão desde disputas de terras a demandas de cobertura para telefonia celular. O relatório aponta a frustração da população destes locais com a pressão dos órgãos do governo para vacinar as crianças, enquanto não parecem preocupados com condições mínimas de saúde e dignidade das famílias.

O IMB é bastante claro em ressaltar a importância e o sucesso dos programas de vacinação, o aumento das coberturas e diminuição da circulação do vírus. Mas deixa o alerta: só vacinar, sem cuidar dos problemas sociais, não vai erradicar a pólio.


Fonte: O GLOBO