A história prova, estatisticamente, que é mais provável perder do que ganhar Copas do Mundo; se a jornada não oferecer prazer, há o grande risco de restar apenas frustração

Algo significativo aconteceu nos dias que precederam a estreia de Fernando Diniz pela seleção. É claro que os debates não deixaram de lado a escalação do time, ou o tamanho do placar que o Brasil poderia impor aos bolivianos. No entanto, o que dominou as discussões entre analistas ou torcedores não foi o quem jogaria, ou o de quanto se ganharia: foi o como.

A maior das ansiedades era por saber se já seria possível ver traços de jogo proposto por Diniz interpretados pela maior reunião de talentos do futebol brasileiro: os melhores jogadores executando um tipo de futebol que, em seus melhores momentos, é sedutor. Muita gente queria saber se a seleção, tão rapidamente, já provocaria as sensações agradáveis que equipes de Diniz despertaram em temporadas recentes. Há uma mensagem importante por trás disso.

Não há aqui a mais remota pretensão de propagar a utópica crença de que o torcedor brasileiro deixou de ser um resultadista por essência. Acabamos de sair de uma Copa do Mundo em que o Brasil, preparado em altíssimo nível durante seis anos, chegou ao Catar absolutamente equiparado aos melhores times do mundo. 

O time fez três partidas de ótimo nível, dominava seu rival nas quartas de final, mas sucumbiu a um destes episódios incontroláveis das Copas: uma bola desviada a quatro minutos do fim fez o país inteiro desqualificar os seis anos. Haverá quem argumente, ainda mais diante da fluidez que Diniz propõe, que o time de Tite era, nas duas Copas com ele, rígido demais em seu funcionamento. Mas a verdade que, por aqui, tudo só vale a pena quando se ganha a Copa.

Mais importante até do que os 5 a 1 de Belém, a última semana mostrou que a jornada precisa valer a pena, que a forma importa. Nenhum treinador, nenhum trabalho, por mais perfeito que seja, é capaz de assegurar a vitória num torneio tão incontrolável como a Copa do Mundo, que aliás ainda está a quase três anos de distância. 

Não é possível escolher vencê-la ou não. É possível, isto sim, escolher como se vai tentar. Quem vai, hoje, a um jogo do Fluminense, sente uma arquibancada orgulhosa de um tipo de jogo que desperta admiração até em rivais. E as horas que antecederam a estreia do Brasil mostraram diversas torcidas ansiosas por viverem este orgulho. A história prova, estatisticamente, que é mais provável perder do que ganhar Copas do Mundo. Se a jornada não oferecer prazer, há o grande risco de restar apenas frustração.

Hoje, o Brasil enfrenta um Peru que deverá incomodar muito mais do que a Bolívia. Na estreia, a seleção de um Diniz antes visto como um fundamentalista de uma maneira de jogar, variou do primeiro para o segundo tempo. Até construir sua vantagem, usou pontas abertos, jogadores ocupando zonas do ataque predeterminadas. 

Em vários lances, tinha uma distribuição mais simétrica em campo para tentar abrir uma defesa fechada. Na segunda etapa, usou e abusou das aproximações, aglomerando jogadores no lado esquerdo, um traço “mais puro” do estilo Diniz. Rodrygo e Neymar próximos, laterais em ultrapassagens, inversões para Raphinha na direita... Hoje, contra os peruanos, agrupar jogadores deverá ser a solução mais frequente para controlar a bola contra um time empolgado por jogar em casa.

A CBF fez o processo nascer torto, fez Diniz acumular cargos e, em teoria, deu a ele prazo de validade. Ainda assim, um técnico que já foi tratado por excêntrico e incapaz de combinar estética e resultados, faz a seleção despertar atenção pela maneira como busca vencer – e Diniz quer vencer tanto quanto qualquer outro. Mas fazer dos resultados a única coisa que importa num jogo de futebol é perder a melhor parte da viagem.

ABUSO

É natural que jogos decisivos tenham ingressos mais caros. Mas tratar o futebol como um produto sujeito à lei da oferta e da demanda é ignorar tantos outros aspectos do jogo, da paixão à relação com a comunidade que cerca um clube, passando pela fidelidade de quem acompanhou toda uma campanha. É justo o torcedor se sentir traído diante dos valores cobrados pelo Flamengo para a final da Copa do Brasil. Não à toa, a venda vai abaixo do esperado.

CAOS ALEMÃO

A menos de um ano da Eurocopa, os 4 a 1 impostos pelo Japão fizeram de Hansi Flick o primeiro treinador demitido na história de uma seleção alemã que, em mais de 100 anos, teve só 11 técnicos. País de onde saíram técnicos que elevaram a pressão a um novo patamar no jogo moderno, justamente a seleção da Alemanha é um time sem energia para pressionar rivais, além de previsível no ataque e exposto sem bola. Um imenso paradoxo.

EM BOM PORTUGUÊS

Vítor Pereira disse claramente que a pior parte de trabalhar no Brasil é a falta de educação contra profissionais do jogo. Renato Paiva, que saiu do Bahia, não aceitou algumas ofensas que ouviu da arquibancada. 

O mais cômodo é interpretar tudo isso como choro de perdedores. O mais útil é refletir se não precisamos rever a forma como tratamos as pessoas por aqui. A normalização da permissão para tratar profissionais a xingamentos não é saudável.


Fonte: O GLOBO