Tecnologia que aponta o próximo passo nos negócios já faz parte da estratégia de lançamento de produtos, planejamento de rotas de entrega e até tráfego de navios

Empresas dos mais variados setores vêm ampliando os investimentos em inteligência artificial (IA) com uso de algoritmos e aprendizado de máquina para tentar prever o próximo passo. De previsões climáticas ao comportamento dos preços de matérias-primas, o aumento no uso das chamadas plataformas preditivas ganhou papel central para balizar o lançamento de chocolates, o volume de descontos nas roupas, além de melhorar a rota logística da entrega dos produtos comprados pela internet e até o tráfego de navios.

Dados da consultoria IDC apontam que neste ano os investimentos em TI devem chegar a US$ 52,8 bilhões, uma alta de 6,2%. O avanço é impulsionado pelos apetite das companhias em softwares e em soluções de nuvem. Com o amadurecimento da IA, a expectativa da IDC é que o Brasil ultrapasse US$ 1 bilhão de gastos em 2023 com essa tecnologia, avanço de 33% em relação a 2022.

— As companhias querem tirar o maior proveito do volume de dados gerados pelos negócios e acelerar o crescimento com aumento de produtividade — diz Luciano Ramos, country manager da IDC Brasil.

É assim que a C&A vem investindo em um modelo que analisa o desempenho em um portfólio que conta com 90 mil itens. Sua plataforma de IA une algoritmos e aprendizado de máquina para refinar os dados e definir o melhor mix de produtos para cada uma das 330 lojas.

O sistema também é usado para criar modelo de preço dinâmico unindo critérios de sazonalidade e informações de clima, levando em conta a elasticidade de venda dos produtos. Essa gestão já elevou as vendas em 10% para diversos itens, diz Bruno Ferreira, diretor de Planejamento e Inteligência de Negócio da varejista:

—Consigo otimizar a performance com o preço certo na loja certa sem perder margem. Este ano o inverno foi mais quente. Nos anos anteriores, faria um desconto no moletom para todo mundo. Hoje, ajusto o nível de corte específico em cada loja. E o sistema já está calculando e projetando vendas lá no primeiro trimestre de 2024. O sistema analisa os últimos cinco anos e o desempenho das oito semanas mais recentes para fazer projeções de cada loja. O mercado está ficando muito complexo para um ser humano.

Com o seu DataLab, a Nestlé, gigante de alimentos, também consegue, através de algoritmos, capturar informações para prever os movimentos futuros da cadeia do leite e da rede de abastecimento de forma a recomendar os melhores passos para a companhia. É uma arquitetura de dados com mais de seis milhões de combinações por dia.

— Criamos o sistema preditivo chamado Curva do Leite, que, por meio de IA, consegue prever com bom grau de assertividade o preço do leite. Isso nos ajuda a ter visibilidade, previsão da demanda e custo de matéria-prima, antevendo soluções junto à cadeia fornecedora — afirma Larissa Frias, diretora de Análise de Dados da Nestlé Brasil.

‘Questão de sobrevivência’

Segundo Paulo Miranda, gerente de Produtos de Dados da Nestlé, o maior desafio está no ineditismo de eventos, como ondas de calor ou frentes frias intensas fora de época. Para ele, isso é uma oportunidade de enriquecer algoritmos de IA.

—Ao incorporar esses dados, podemos traçar conexões mais complexas entre fatores ambientais. Isso requer uma adaptação constante e métodos que possam extrapolar além dos limites da base de dados disponível.

Já a mineradora Vale desenvolveu um sistema de previsão meteorológica próprio capaz de produzir previsões mais acertadas. Para Alexandre Pigatti, head da área, os modelos computacionais são capazes de prever os níveis de precipitação para determinada área e calcular a umidade do minério e, em caso de tempestade, retirar os empregados do local de trabalho antecipadamente:

— Investir nesse potencial é questão de sobrevivência e competitividade.

A Maersk/Aliança, uma integradora logística, também desenvolveu sua própria plataforma. Segundo Karin Schöner, presidente da Costa Leste da América do Sul, há uma “corrida do ouro” para criar soluções e aproveitar essas tecnologias para automatizar e prever possíveis impactos.

— É possível trabalhar estrategicamente com cerca de quatro dias de antecedência em como otimizar a operação. Para isso, o sistema utiliza como fonte de dados informações públicas e base própria de dados, com informações do histórico de origem e destino das cargas, tipo de carga e sazonalidade.

A Gerdau também usa modelos que conseguem “avisar” com antecedência o melhor dia para a empresa fazer uma compra e aproveitar as melhores oportunidades. É fruto, diz Gustavo França, diretor global de Tecnologia, da implantação de IA nas unidades, o uso de gêmeo digital (espécie de cópia digital da fábrica, o que permite fazer simulações), com análise remota, e a instalação de rede 5G.

—Tudo entra no sistema, desde movimentos padrões a exceções. A tecnologia não para, e estamos sempre em movimento.

O Mercado Livre, por sua vez, vem usando IA para evitar atrasos, combater fraudes e prever problemas de emissão de nota fiscal. Daniel Ambrosio, diretor de Engenharia, cita a criação de uma plataforma própria.

— A gente não usa tecnologia como fim, mas como meio para entregar soluções. Essa ferramenta tem como característica prever problemas e apontar caminhos, como o surgimento de dúvidas de compradores ao mesmo tempo. Outro caso é na emissão de notas fiscais, que leva em conta estado, horário e sazonalidade. Conseguimos detectar algum problema antes mesmo da Fazenda, pois o sistema gera um alerta. E, assim, evitar atrasos na entrega.

Da reação ao chocolate ao percentual de desconto, IA mede tudo

C&A aposta em plataforma para prever venda por loja

C&A desenvolveu plataforma para gerir de forma mais rápida os estoques de suas 330 lojas — Foto: Agência O Globo

A C&A desenvolveu com a americana Palantir uma plataforma para gerir de forma mais rápida os estoques de suas 330 lojas. O sistema projeta a expectativa de vendas para acertar a quantidade de compra dos produtos para cada loja e definir preços.

Maersk usa sensores para detectar exceções

Maersk tem mais de 2.500 sensores em navios, aviões e caminhões, o que ajuda a mitigar problemas futuros — Foto: Agência O Globo

A Maersk tem mais de 2.500 sensores em navios, aviões e caminhões não apenas para monitorar o desempenho em tempo real, mas detectar exceções operacionais. Com isso, consegue criar processos padronizados para mitigar problemas.

Nestlé capta reações com engenharia de dados

Nestlé capta reações com engenharia de dados, o que ajuda a ganhar agilidade nas decisões — Foto: Agência O Globo

A Nestlé convida clientes para apresentação dos negócios com telas individuais na mesa e nas paredes, além do uso de aromas ao longo da apresentação. Uma plataforma capta todos os dados gerados para ganhar agilidade nas decisões.


Fonte: O GLOBO