Candidato presidencial da extrema direita, favorito nas eleições de outubro, acusa Francisco de 'acobertar "ditaduras comunistas sangrentas e assassinas', e Pontífice argentino recebe apoio pelo país

A Igreja argentina tem reagido cada vez com mais veemência os ataques que Javier Milei, candidato da extrema direita favorito nas eleições presidenciais do país do dia 22 de outubro, tem feito ao Papa Francisco. A rixa entre Milei e Francisco, que foi Arcebispo de Buenos Aires até março de 2013, está ganhando espaço na mídia e em debates nas redes pela repercussão de missas e atos públicos organizados por padres de diferentes regiões da Argentina em defesa de Francisco. O último deles ocorreu na província de Córdoba, distrito eleitoral importante em qualquer eleição nacional.

Na última terça-feira, a paróquia do padre Mariano Oberlin, um líder social reconhecido em sua província, foi cenário de uma missa em apoio ao Papa. Participaram da cerimônia políticos de vários partidos, sindicalistas e representantes da sociedade civil.

— Nos perguntamos se uma pessoa desequilibrada emocionalmente, que não consegue lidar com pessoas que pensam diferente dela sem gritar ou agredir, pode suportar as tensões que implicam presidir um país — disse o padre Oberlin, em sua homilia.

Críticas antigas

As críticas de Milei ao Papa são antigas, e, embora tenham sido suavizadas em algumas entrevistas a meios de comunicação locais, continuam surgindo com força em momentos em que o candidato da extrema direita não consegue esconder seu verdadeiro pensamento. Isso aconteceu, por exemplo, quando o candidato da extrema direita, admirador dos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, foi entrevistado em Buenos Aires pelo jornalista americano Tucker Carlson, próximo do ex-chefe de Estado americano. Perguntado sobre Francisco, o líder do partido A Liberdade Avança afirmou que “o Papa joga politicamente, tem forte ingerência política e demonstrou grande afinidade com ditadores como [Fidel] Castro e [Nicolás] Maduro, ele está do lado de ditaduras sangrentas”.

As falas de Milei sobre Francisco levaram um grupo de padres que atuam em vilas miséria de Buenos Aires, todos muito vinculados ao Papa, a realizarem um ato público sua defesa. Paralelamente, alguns dos chamados “padres villeros”(padres favelados, em tradução livre), se reuniram com os candidatos à Presidência Sergio Massa, da governista e peronista União pela Pátria, e Patricia Bullrich, da aliança opositora Juntos pela Mudança.

— Algumas das agressões de Milei ao Papa são tristes de ver, vindo de um candidato à Presidência — declarou o padre Pepe Di Paola, amigo do Papa.

Kirchnerismo crítico, mas não tão intenso

Quando era Arcebispo da capital argentina, Francisco visitava com frequência vilas miséria como a 11-24, do bairro de Flores. O Papa gostava de participar de missas em bairros populares, aos quais ia de ônibus e nos quais circulava com naturalidade e sempre sendo muito bem recebido por todos os moradores. 

Os ataques de Milei a Francisco causaram surpresa entre muitos desses integrantes das classes mais humildes da Argentina, que, em muitos casos, votaram pelo candidato da extrema direita nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de agosto. Para muitos, as opiniões do candidato foram uma desagradável surpresa.

Na entrevista com Carson, que já teve mais de 400 milhões de visualizações na rede social Youtube, Milei afirmou que o falecido líder cubano Fidel Castro é “um assassino” e seu irmão, Raúl Castro, também. O candidato da extrema direita foi ainda mais longe, e assegurou que Francisco “tem afinidade com os comunistas assassinos… ele não os condena, os acoberta, como faz com a ditadura venezuelana”.

Na missa realizada esta semana em Córdoba, o padre Oberlin disse que a Argentina precisa “de paz, diálogo e inclusão”.

— Milei atravessou todas as fronteiras do ódio. Já o Papa não faz mais do que atualizar a doutrina social da Igreja — frisou o padre cordobés.

A tensão entre Milei e Francisco poderia, em caso de vitória do candidato da extrema direita nas eleições presidenciais, impedir a esperada visita do Papa a seu país em 2024. Desde que assumiu o comando da Santa Sé, em 2013, Francisco nunca mais visitou a Argentina — mas esteve em vários países vizinhos, como Brasil e Paraguai.

O Papa teve relações complexas com os ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner — sobretudo com a atual vice-presidente do país —, mas nunca sofreu ataques tão violentos como os de Milei. Cristina, de fato, esteve várias vezes no Vaticano e foi recebida por Francisco, que, no passado, se opôs à aprovação da lei de casamento homossexual, respalda pelo governo da ex-presidente.


Fonte: O GLOBO