Muitas vezes, quando vemos o resultado de um trabalho de pesquisa, não temos ideia de quantos fracassos foram necessários

Sir Ian Wilmut, o pesquisador principal do projeto que deu origem ao primeiro clone de um mamífero, a conhecida ovelha Dolly, nos deixou em 10 de setembro, aos 79 anos. Vítima do Parkinson, manteve sua atitude científica até o fim, participando como voluntário de um projeto de pesquisa de um novo medicamento para a doença, dizendo que estava muito feliz de poder contribuir, desta vez, como “cobaia”.

Dolly, que ganhou seu nome em homenagem à cantora Dolly Parton, marcou uma época de grandes avanços na biologia molecular e genômica. Em 1997, o mundo ficou sabendo da existência do primeiro animal mamífero clonado a partir de uma célula adulta. Clones feitos a partir de células embrionárias já existiam, mas a ovelha mais famosa do mundo foi feita a partir de célula extraída de um doador adulto, algo que não se acreditava possível.

Isso abriu um debate sobre os limites éticos da ciência, a possibilidade de clonagem humana e eugenia, mas também lançou novos campos de pesquisa e possibilidades para a ciência. Clones desenvolvem-se a partir de células embrionárias, “programadas” pela natureza para dar origem a novos organismos.

O problema técnico de fazer um clone a partir de um animal adulto era o de que seria necessário transferir um núcleo adulto para a célula embrionária e fazê-la continuar funcionando normalmente. Mas células embrionárias só aceitavam receber núcleos de outras células embrionárias. 

O “truque” da equipe de Wilmut foi de pegar uma célula adulta e induzi-la a entrar em um tipo de hibernação. Era uma maneira de “enganar” a célula embrionária, para que aceitasse o núcleo.

Deu certo, mas não foi fácil. Muitas vezes, quando vemos o resultado de um trabalho de pesquisa, não temos ideia de quantos fracassos foram necessários. Houve aproximadamente 300 tentativas até chegar ao embrião que cresceu para se tornar Dolly.

As técnicas desenvolvidas para a criação de Dolly abriram as portas para a pesquisa com células de pluripotência induzida, que podem se diferenciar em qualquer tecido, e ser usadas em medicina regenerativa. Além das células pluripotentes, outras aplicações e adaptações de técnicas de clonagem podem ser úteis para preservar espécies em extinção e para o desenvolvimento de terapia gênica.

Sir Ian também contribuiu muito para avançar o campo da comunicação de ciência. Ciente de que seu trabalho mexia com a imaginação e os medos do público, o cientista assumiu um novo papel, o de porta voz do uso ético da ciência. Wilmut deu diversas entrevistas, escreveu artigos e livros, e até testemunhou perante o Congresso nos EUA. Sua atitude era sempre consistente: posicionava-se veementemente contra a clonagem humana, que considerava antiética.

Dolly infelizmente faleceu em 2003, após desenvolver uma infecção pulmonar, artrite precoce e outras condições normalmente associadas a animais mais velhos, o que levou à especulação de que animais clonados a partir de células adultas apresentariam envelhecimento precoce. 

Pesquisas posteriores mostraram não ser este o caso. Estudo publicado em 2016 mostrou outras nove ovelhas, todas feitas a partir da mesma linhagem celular da Dolly, que envelheceram de forma normal. Estudos feitos em outros animais clonados, como camundongos, também refutavam a hipótese do envelhecimento precoce causado por clonagem.

A ovelha mais famosa do mundo foi preservada por taxidermia e está em exposição no Museu Nacional da Escócia. E junto com ela, a memória de Sir Ian Wilmut, e tudo o que ele representou para a história da biologia.


Fonte: O GLOBO