Ministro do STF anulou sentença do TRF-4 que havia declarado suspeição do magistrado; corregedor do CNJ retirou processo administrativo do tribunal regional, mas manteve afastamento

Crítico contumaz da Lava-Jato, o juiz federal Eduardo Appio assumiu em fevereiro deste ano a 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da operação, mas ficou apenas três meses no cargo. Em maio, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que julga os casos da Lava-Jato em segunda instância, afastou o magistrado, que virou alvo de um processo disciplinar.

No início de setembro, o mesmo TRF-4, sediado em Porto Alegre, considerou Appio suspeito para conduzir os processos da Lava-Jato e anulou as decisões tomadas por ele. A decisão do TRF-4, por sua vez, foi anulada na terça-feira pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, Toffoli não decidiu sobre o afastamento do juiz federal. O ministro do STF encaminhou esse assunto para análise do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. Nesta quarta, Salomão decidiu retirar o processo disciplinar do TRF-4 e trazê-lo para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas manteve por ora o afastamento cautelar de Appio. Entenda as decisões:

Afastamento

Em 22 de maio, a A Corte Especial Administrativa do TRF-4 decidiu, por maioria de votos, afastar o juiz Eduardo Appio do comando da 13ª Vara Federal de Curitiba. A decisão atendeu a uma representação feita pelo desembargador federal Marcelo Malucelli, que julgava os casos da Lava-Jato em segundo grau.

Pai de João Eduardo Malucelli, genro e sócio de Sergio Moro, o desembargador relatou que seu filho recebeu uma ligação de um homem que se apresentou como servidor da Justiça Federal, mas que na verdade era Appio. A ligação foi entendida como uma ameaça feita pelo juiz. Dias antes, Malucelli tinha revertido decisões tomadas por Appio, o que teria motivado a suposta ameaça.

Processo disciplinar

Em 24 de julho, a Corte Especial Administrativa do TRF-4 abriu o processo administrativo disciplinar contra Appio, que àquela altura já estava afastado da 13ª Vara.

Para a Corregedoria do TRF-4, ficou configurada a suspeita de que Appio tenha se passado por outra pessoa “para intimidar, constranger ou ameaçar” o desembargador. “Não parece aceitável que um magistrado venha a utilizar-se dessa espécie de artifício. A conduta é contrária à dignidade, à honra e ao decoro das funções da magistratura”, disse na ocasião o corregedor regional, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior.

Suspeição

Em 6 de setembro, a 8ª Turma do TRF-4 reconheceu a suspeição de Appio em todos os casos envolvendo a Operação Lava-Jato e determinou a nulidade de todas as decisões dele. O acórdão da decisão da turma mencionou a fama do juiz como crítico da Lava-Jato e o apoio que ele teria dado a Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022.

Entre 2021 e 2023, enquanto integrava a 2ª Turma Recursal, o juiz federal assinava os processos eletrônicos com a senha "LUL22". O colegiado também registrou que Appio teria doado R$ 40 para a campanha de uma candidata do PT no Paraná e que, em fevereiro, ele se tornou alvo de investigação por ter feito uma doação simbólica à campanha de Lula.

Reversão no STF

Na terça-feira, Toffoli anulou a decisão do TRF-4 que havia declarado a suspeição do juiz federal. O ministro do Supremo apreciou o pedido de um dos réus da Lava-Jato que alegou ter sido prejudicado pela decisão do tribunal regional de anular todos os atos de Appio.

Nessa mesma decisão, Toffoli considerou que existe uma Correição Extraordinária sendo realizada pela Corregedoria do CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba, relativa ao período da Lava-Jato, e que não há como decidir sobre a conduta de Appio até que essa apuração seja concluída. Por isso, Toffoli enviou o caso para análise do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão.

“Verifico que não há como separar as apurações em andamento, sem prejuízo de uma necessária visão geral de tudo o que se passou na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Para tanto, faz-se necessária, por ora, a suspensão do procedimento administrativo disciplinar em face do magistrado Eduardo Appio, notadamente enquanto se aguarda o desfecho da Correição Extraordinária promovida pela Corregedoria Nacional de Justiça, a quem competirá analisar eventual avocação do referido processo disciplinar”, escreveu Toffoli.

O ministro do Supremo, no entanto, não deliberou sobre o afastamento de Appio do cargo.

Um relatório preliminar dessa Correição Extraordinária apontou, entre outros aspectos, uma “gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”. O relatório final ainda não ficou pronto.

Avocação para o CNJ

Nesta quarta, o corregedor, Salomão, decidiu retirar da alçada do TRF-4 o processo disciplinar aberto contra Appio e trazê-lo para o CNJ, onde ficará sob sua responsabilidade. Essa decisão é favorável ao juiz federal, que já havia pleiteado tal medida. Contudo, Salomão decidiu manter o afastamento cautelar de Appio da 13ª Vara Federal, como fora determinado pelo TRF-4.

A defesa do juiz informou que vai contestar esse ponto da decisão. Isso porque outros três magistrados da Lava-Jato — os desembargadores federais Loraci Flores de Lima e Marcelo Malucelli, do TRF-4, e a juíza Gabriela Hardt, que já foi titular da 13ª Vara — também são investigados pela Corregedoria do CNJ e continuam em seus cargos, o que, para o advogado Pedro Serrano, “revela uma inconstitucionalidade por tratamento desigual”.

— A decisão do CNJ de avocar o processo contra o juiz Appio é excelente, porque já havíamos, inclusive, feito esse pedido no passado. Com relação ao afastamento das funções, pretendemos tomar as medidas necessárias para reconduzir o juiz Appio ao cargo — afirmou Serrano ao GLOBO.


Fonte: O GLOBO