São Paulo tem perda potencial de R$ 17 bi, segundo estudo. Grandes centros, com maior atividade econômica, temem perder com simplificação de impostos que beneficia municípios menores

A Reforma Tributária promete melhorar a independência financeira da maioria das prefeituras, ao redistribuir entre as cidades a fatia do bolo da arrecadação com impostos que cabe à esfera municipal, mas poderá enfraquecer as finanças das capitais.

Se a mudança for imediata, apenas São Paulo tem um potencial de perda de R$ 17,1 bilhões de arrecadação, segundo projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A prefeitura do Rio de Janeiro também poderia deixar de arrecadar R$ 680 milhões. Por outro lado, Belo Horizonte (MG) teria ganho de R$ 180 milhões.

As prefeituras de Rio, São Paulo e Belo Horizonte (MG) informaram ao GLOBO que veem as mudanças com ressalvas.

– A reforma está dada, acho que o Brasil precisa de simplificação tributária. Agora, em que pese que não temos uma definição de alíquotas, a nossa preocupação é como ficam as finanças municipais com a reforma – disse a secretária municipal de Fazenda e Planejamento do Rio, Andrea Senko.

SP vê alta da carga tributária

O secretário municipal de Fazenda de São Paulo, Luis Felipe Arellano, concorda com a colega carioca, pondera que as mudanças propostas são muito drásticas e teme que resultem em aumento da carga tributária, um cenário negativo para empresas e consumidores:

– Aqueles entes municipais que perderem arrecadação, e isso vale para os estados também, quando se virem no difícil dilema entre cortar serviços públicos e elevar suas alíquotas acima das alíquotas de referência, a solução vai ser elevar as alíquotas. E aqueles que têm ganho de arrecadação, tenho certeza de que não vão levar para baixo da alíquota de referência.

Diferentemente da maioria das pequenas cidades, capitais e cidades de maior porte têm receita própria. Com economias pujantes, arrecadam muito com o Imposto sobre Serviços (ISS), municipal no sistema atual.

Segundo Arellano, a Prefeitura de São Paulo arrecadou R$ 26 bilhões com ISS ano passado. É a maior fonte de receita da administração paulistana, respondendo por cerca de 30% do total.

Reforma Tributária vai unificar tributos — Foto: Editoria de arte

Com a reforma, o ISS e ICMS, estadual, serão fundidos – junto com os federais IPI, PIS e Cofins – no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com uma parte federal e outra subnacional. Os municípios passarão a receber uma parcela do futuro IBS, o IVA subnacional – uma parte diretamente, outra indiretamente, repartida da parcela estadual.

Segundo o estudo do Ipea – que estimou que 82% das cidades sairão ganhando com a reforma –, se as mudanças fossem imediatas, 240 cidades perderiam com a troca do ISS pela parcela no futuro IBS. Somada, a perda chegaria a R$ 35,7 bilhões, com destaque para São Paulo.

Menos concentração

Esse valor seria redistribuído entre as demais cidades, diminuindo a concentração da arrecadação. Para a economista Priscila Kaiser, uma dos autoras do estudo do Ipea, a desconcentração será puxada pela mudança no modelo de cobrança dos tributos.

Hoje, a cobrança se dá majoritariamente sobre a produção – na “origem”, como dizem os especialistas –, que é concentrada geograficamente. Com a reforma, o IVA será cobrado apenas no consumo final, ou seja, “no destino”. Embora o poder de compra também seja concentrado, é menos do que a produção, por isso, a mudança tende a desconcentrar a divisão.

Também haverá desconcentração porque a proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara dá mais peso ao tamanho da população como critério de repartição da porção estadual do IBS. Na atual divisão do ICMS entre as cidades, a atividade econômica tem mais peso.

Autonomia para arrecadar em xeque

Um ponto comum na desconfiança das prefeituras das capitais em relação à Reforma Tributária está na “perda de autonomia” sobre a arrecadação.

Andrea, secretária do Rio, critica o fato de que a PEC reproduz o modelo do ICMS ao repartir entre as prefeituras um pedaço da parcela estadual do IBS, em vez de ampliar a parcela que caberá diretamente às cidades. Quando a PEC da reforma começou a tramitar no Senado, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) sugeriu a ampliação dessa parcela municipal no IBS.

O subsecretário de Receita da Secretaria Municipal de Fazenda de Belo Horizonte, Eugênio Veloso, acha que o ISS é pouco burocrático e funciona bem. Para o dirigente, ajustes poderiam ser feitos sem mudar todo o sistema:

– O ISS poderia até ser tomado como referencia para poder orientar um novo sistema. O problema é que os princípios da reforma tributária estão sendo oferecidos como panaceia.

Crescimento econômico poderá compensar perdas

Priscila, por sua vez, relativiza as perdas em potencial. Isso porque haverá um longo período de transição e o crescimento econômico tende a elevar a arrecadação, ou seja, o bolo a ser repartido será maior ao longo do tempo.

Quando considera as regras de transição da PEC da reforma e um crescimento econômico médio de 2% ao ano, as projeções apontam para aumento da arrecadação de todas as capitais, inclusive São Paulo.

Arellano desconfia das projeções de aceleração do crescimento econômico, como consequência da simplificação e eficiência prometidas pela reforma.

– Se, por um lado, a reforma pode simplificar para algumas empresas, ela também vai trazer complexidades adicionais para várias outras empresas. Qual o líquido disso, se o país vai decolar porque aumentou a simplicidade do sistema, é uma questão a ver. Sou bastante cético, até porque os grandes municípios têm muito a perder – disse o secretário paulistano.


Fonte: O GLOBO