Há um mês no cargo, Elizeta Ramos vem tendo atuação marcada por discrição e despachos consonantes com bandeiras caras ao governo

Procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos completou um mês no cargo na última quinta-feira, com uma atuação marcada por discrição e despachos consonantes a bandeiras caras ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a quem cabe decidir se ela permanecerá ou não no posto. 

Em 30 dias à frente do Ministério Público Federal, sua gestão emitiu pareceres em favor dos direitos de mulheres, negros e casais homoafetivos, desalojou aliados do seu antecessor, Augusto Aras, de cadeiras-chave e lançou mão de uma saída administrativa que eleva as chances de investigações sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro ganharem celeridade.

Levantamento feito pelo GLOBO com base em informações da própria PGR revela que de 29 ações, agravos internos e recursos apresentados pelo órgão ao Supremo Tribunal Federal (STF) desde que Elizeta assumiu, nove deles (31%) acenam a temas considerados prioritários pela esquerda. 

Os movimentos incluem, por exemplo, a tentativa de derrubar leis estaduais que limitam o percentual de mulheres em órgãos militares, a defesa de concessão de licença-maternidade para mães não gestantes em união homoafetiva e um pedido de não aplicação da tese do marco temporal também para terras quilombolas.

Os posicionamentos alinhados a esse matiz também ganharam destaque no portal da PGR. Das 79 notícias publicadas no período, pelo menos 34 (43%) continham manifestações consonantes com pautas progressistas, como a “inserção de indígenas na política” e a inclusão de “pessoas transgênero no sistema de cotas de concursos públicos”.

Pessoas próximas à PGR em exercício afirmam que ela tem evitado fazer campanha para ser efetivada no cargo por Lula, mas não cogitam a possibilidade de ela recusar a indicação, caso ocorra. Elizeta é tida no Ministério Público como uma procuradora de perfil conservador e com pouco traquejo político. Na única ocasião em que ela esteve com o presidente da República ao longo desse primeiro mês, o tom foi descontraído, e a procuradora tentou mostrar desapego do cargo:

— Presidente, por favor, resolva o quanto antes quem será o próximo PGR, porque não pretendo ficar muito tempo.

Lula respondeu sem dar sinais sobre seus planos:

— Aguenta firme que não vai demorar muito.

Na última sexta-feira, durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, o petista afirmou que baterá o martelo sobre o escolhido até o fim deste ano e disse que buscará um nome avesso a “pirotecnias”. 

No Planalto, auxiliares do presidente consideram que Elizeta tem seguido o script esperado para quem ocupa o cargo de forma interina. Nenhuma das iniciativas tomadas até agora provocou descontentamento no governo. Isso não significa, avaliam integrantes do Executivo, que a sua chance de ser efetivada no cargo tenha crescido.

A legislação não estabelece prazo para que o titular do Palácio do Planalto faça a escolha do procurador-geral da República. Como mostrou O GLOBO, entretanto, nunca um presidente levou tanto tempo para anunciar um PGR desde a redemocratização quanto Lula neste mandato. 

Enquanto o ocupante da cadeira for interino, na prática, o chefe do Executivo mantém o poder de dispensá-lo quando não estiver satisfeito com a sua atuação. Isso não ocorre com o titular, que tem o mandato fixado em dois anos.

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Pautas identitárias

Ao mesmo tempo em que aguarda a decisão do petista, Elizeta Ramos tem dado posicionamentos que agradam a aliados de Lula. Entre as medidas estão uma ação de inconstitucionalidade contra uma lei de São Paulo que homenageou um personagem da ditadura militar brasileira ao batizar via pública com seu nome. Na última sexta-feira, mais três ações entraram na contabilidade de acenos. 

Elas contestam trechos de leis que limitam o acesso das mulheres a alguns cargos no Exército, na Marinha e na Aeronáutica.

Elizeta Ramos também fez mudanças na estrutura da PGR. Na principal delas, retirou a subprocuradora-geral Lindôra Araújo do posto de vice-procuradora-geral da República. Este cargo passou a ser ocupado pela também subprocuradora-geral Ana Borges, a quem competirá cuidar de todos os casos da esfera criminal. Coube a ela o parecer favorável à operação da Polícia Federal no caso de espionagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), revelado pelo GLOBO.

Elizeta também decidiu que as investigações envolvendo Bolsonaro permanecerão sob o guarda-chuva do subprocurador-geral Carlos Frederico Santos. Embora sejam casos da esfera criminal, desde a gestão Aras tudo o que envolve os atos de 8 de janeiro e milícias digitais foi remetido a Carlos Frederico, nome que chegou a ser cotado para o comando da PGR.

Em um parecer assinado pelo subprocurador-geral, a PGR defendeu que a Polícia Federal investigue os R$ 17 milhões repassados por apoiadores via Pix a Jair Bolsonaro, a título de doação, para o pagamento de multas eleitorais. Embora o caso sobre a fortuna do ex-presidente tenha se tornado público no final de julho, quando Augusto Aras era o titular, só no último dia 19 a PGR deu sua manifestação.

Em outro movimento que atingiu um aliado de Aras, Elizeta trocou o comando da 5ª Câmara, responsável por cuidar de casos de corrupção e lavagem de dinheiro de políticos. Ela indicou o subprocurador Alexandre Camanho para o posto antes ocupado por Ronaldo Albo, próximo ao ex-procurador-geral. Como revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, os colegas de Albo pediram seu afastamento do cargo após ele reduzir em R$ 6,8 bilhões a multa a ser paga pelo grupo J&F no seu acordo de leniência.

No Supremo, esfera em que se dá principalmente a atuação do procurador-geral da República, o desempenho da interina tem sido bem avaliado. Três ministros da Corte ouvidos de forma reservada dizem que as posições adotadas agora são “mais claras” e apontam que a procuradora-geral vem dando um andamento mais ágil aos casos. A discrição também é bem avaliada, assim como no Planalto. Para esses magistrados, o novo tom da chefia da PGR, ainda que interina, ficou nítido no momento da estreia de Elizeta Ramos, na posse do novo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, no dia 28 de setembro.

Em seu discurso, ela afirmou que Barroso pode contar com um Ministério Público Federal que “age preventivamente” e de forma “socialmente efetiva”, o que “se traduz no combate a crimes que extraem recursos que deveriam ser destinados à educação, saúde, segurança, que se traduz na fiscalização de leis que promovam equidade de gênero nas relações políticas e trabalhistas”.

Relatório da CPI

Na terça-feira da semana passada, ao presidir sua primeira sessão no Conselho Nacional Superior do Ministério Público (CNMP), Elizeta Ramos destacou a atuação do Ministério Público para conter a letalidade policial.

Ela também recebeu o relatório da CPI do 8 de Janeiro das mãos da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), cujo parecer pediu o indiciamento de Bolsonaro. Caberá à PGR definir o destino que será dado às solicitações feitas pelo colegiado. Aos senadores, a PGR interina prometeu que o órgão examinará os documentos com celeridade. O responsável pelo tema é o subprocurador Carlos Frederico.

Além da PGR interina, pelos menos quatro nomes despontaram como candidatos. Dois deles têm sido tratados como favoritos: os vice-procuradores-gerais Paulo Gonet e Antonio Carlos Bigonha. Ambos já foram recebidos por Lula.

Gonet conta com o apoio de dois ministros do Supremo: Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Bigonha, por sua vez, é o preferido de lideranças do PT. Assim como Elizeta Ramos, Aurélio Virgílio Veiga Rios e Luiz Augusto dos Santos Lima correm por fora na briga pela cadeira.

Tradicionalmente, o chefe da Procuradoria-Geral da República era escolhido pelo presidente a partir de uma lista tríplice eleita pela categoria. Jair Bolsonaro não seguiu o modelo e nomeou Augusto Aras duas vezes. Lula já deixou claro que também não vai optar por um dos três procuradores mais votados por seus pares, que neste ano foram Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e José Adonis.


Fonte: O GLOBO