Aquisições não registram nem mesmo de quais empresas venderam ferramentas

Foco da operação da Polícia Federal (PF) nesta sexta-feira, o sistema FirstMile foi contratado de forma sigilosa pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Um levantamento do GLOBO apontou que, entre 2019 e 2022, o órgão assinou contratos que somaram R$ 34 milhões sem licitação, sendo R$ 31 milhões sob sigilo. Não há como saber o que estava sendo comprado ou de quem. Após a revelação da existência do FirstMile em março, a Abin iniciou um processo de "pente-fino" em compras secretas de equipamentos e programas nos últimos anos.

Na maior parte desse período, o órgão foi chefiado pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, homem de confiança do clã Bolsonaro, eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2022.

Levantamento realizado pelo GLOBO aponta que, nos últimos quatro anos, a maioria das compras realizadas pela Abin por meio de dispensa de licitação para operações de inteligência foi feita mantendo em segredo não apenas o que estava sendo contratado como também qual empresa fornecia o produto.

Nas publicações disponíveis no Diário Oficial da União, o objeto das compras feitas pela Abin geralmente indica apenas que se trata de “aquisição para a área de inteligência” do órgão. No campo reservado para identificar a empresa contratada, há apenas uma referência a “Estrangeiro SIGILOSO”. Nesse caso, as aquisições são realizadas sem detalhes e sob caráter reservado.

A Abin afirma que as contratações seguem todas as disposições legais. Segundo a agência, o sigilo é imposto apenas quando há possibilidade de comprometimento da segurança nacional.

Como faz parte do sistema de inteligência, a Abin tem a possibilidade de fazer contratações sigilosas, sem a necessidade de detalhar o que está sendo comprado. Por isso, é comum que, mesmo dentro do órgão, algumas das ferramentas adquiridas permaneçam sob sigilo e de uso restrito.

Essa prática, entretanto, é criticada pelo diretor-executivo da Transparência Internacional, Bruno Brandão. Segundo ele, há uma brecha na Lei das Organizações Criminosas que possibilita a interpretação de que é possível comprar, sem licitação e sob sigilo, ferramentas especiais de investigação. Essa lacuna surgiu a partir de dois parágrafos introduzidos no texto aprovado pelo Congresso.

Um deles diz que “havendo necessidade justificada de manter sigilo sobre a capacidade investigatória, poderá ser dispensada licitação para contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos destinados à polícia judiciária para rastreamento e obtenção de provas”. Segundo Brandão, esse trecho da lei dá margem à aquisição e locação de aparatos de espionagem sem licitação e sob sigilo.

— Essa é uma brecha imensa, que gerou uma situação de total descontrole. Ela permite que órgãos possam adquirir ferramentas cujo alcance nós não temos noção — explica o especialista.


Fonte: O GLOBO