Duas semanas depois de apaziguar o ambiente, técnico se depara com carências que duram anos e heranças de outros treinadores

Foram duas semanas de calmaria no Flamengo, em função de duas vitórias, contra adversários modestos como Cruzeiro e Vasco, mas muito pela maneira que o técnico Tite conseguiu apaziguar o ambiente desde sua chegada. A derrota para o Grêmio, sobretudo da forma que aconteceu, deixou claro que motivar o elenco e acolher os jogadores é muito pouco diante de um grupo esfacelado, com carências em diversos setores.

Os relatos internos de um trabalho de qualidade de Tite e sua comissão técnica deram nova confiança aos atletas que já atuavam e quem concorre por vaga, mas mesmo em meio a essa concorrência, o treinador se deparou com a falta de soluções de qualidade. E ainda que tenha elogiado o plantel, para trazê-lo para perto, a realidade é que até os ídolos consagrados por títulos nos últimos anos não provaram na prática que merecem tamanha reverência.

Por falta de tempo ou até competência, não é possível projetar que Tite fará milagre, que vá transformar jogadores que jogam mais pelo nome em um time imbatível de estrelas. Gabigol, Arrascaeta, Pedro, Éverton Ribeiro e até Bruno Henrique não são sombra do que já foram no Flamengo. Mesmo assim o clube os mantém no panteão dos intocáveis e renova contratos a perder de vista, investindo cifras milionárias que poderiam ser direcionadas para novas contratações de peso, e para renovar e ajustar um elenco que tem vários buracos.

O setor de meio-campo é há anos dependente de Ribeiro e Arrascaeta. O primeiro virou reserva no último ano. E o uruguaio em mais uma temporada oscila entre lesões e desempenho abaixo do esperado. Gerson se tornou o jogador mais versátil, com potencial criativo, mas não joga sozinho, e nem o fez em 2019. Os laterais construtores que sustentavam o meio-campo dominante também não existem mais. 

Hoje, Ayrton Lucas sofre para sustentar uma boa sequência, e dá claros sinais de dificuldades físicas e táticas. Do outro lado, tecnicamente o jovem Wesley não acompanha o nível do time, apesar da dedicação. No banco, um envelhecido Filipe Luis não é mais utilizado em fim de contrato. Varela, por sua vez, veio de lesão e vive sob desconfiança. Tite acabou lançando Matheuzinho contra o Grêmio, meio que improvisado de volante.

No ataque, Pedro ganhou a concorrência com Gabigol sem qualquer justificativa em seu desempenho. Nenhum dos dois é hoje confiável e ambos vivem má fase há meses. Pedro não marca com a bola rolando desde o fim de junho. Gabigol, desde o fim de julho. Não à toa. A bola não chega. Nem do meio, nem das laterais. Na maioria das vezes, vem da defesa, em ligações diretas, nas saídas de bola cada vez mais desesperadas e sem estratégia. A imagem do goleiro Rossi com a bola nas mãos sem saber o que fazer se repete nas últimas partidas. 

Se não tem Pulgar se desdobrando, o time não conseguir sair jogando. O chileno, por sinal, está suspenso para o próximo jogo, contra o Santos. No banco, Tite não terá Allan, que se recupera de cirurgia nas costas. Resta Victor Hugo, que o treinador ainda não utilizou. Ou seja, não há opções incontestáveis e poucos são os jogadores que hoje se pode dizer que são titulares absolutos.

No banco, onde os nomes chamam atenção, a impressão é que não há novas soluções. Pois nenhum comandante as sustenta como tal. Cebolinha ganhou nova oportunidade com Tite, marcou um gol, mas no geral o desempenho é ruim. E por isso não é bancado em uma sequência. Luis Araújo, outro que custou uma fortuna, também entra de vez em quando, dá respostas mínimas, mas não ganha outras oportunidades, pois teria que barrar os "ídolos de 2019". 

Refém do que construiu, o Flamengo não consegue avançar em seu jogo. Segue se perpetuando com os nomes que estão na memória afetiva do torcedor, não vira a página, não busca ir adiante. E faz dos próprios investimentos em reforços frustrações que não terá como resolver a não ser colocando-os para jogar e entregar o que se espera.

Com a troca constante de treinadores, as heranças também ficam pelo caminho. Indicado por Paulo Sousa, o zagueiro Pablo ficou encostado por toda a temporada. Reapareceu com Tite, pela falta de opções. Mas o Flamengo quer se desfazer dele. Allan foi indicação de Sampaoli, assim como Luiz Araújo, as duas contratações da última janela, em que o Flamengo gastou mais de R$ 120 milhões. Recentemente, renovou com Bruno Henrique pelos próximos três anos. E caminha para ampliar a dinastia de Gabigol por mais cinco.


Fonte: O GLOBO