Agora, Suelen, que se aposentou em março, é treinadora de Beatriz: 'Sempre tivemos muito respeito uma com a outra'

Beatriz Souza e Maria Suelen Altheman (+78kg) travaram a disputa mais acirrada da seleção brasileira de judô por uma vaga na Olimpíada de Tóquio 2020. As duas conquistaram o bronze no Mundial do ano olímpico, tornando a decisão da convocação ainda mais difícil. 

Beatriz havia vencido a francesa Julia Toloufa por imobilização e ganhado sua primeira medalha em Campeonatos Mundiais adultos, aos 23 anos. E Suelen derrubou Idalys Ortiz, de Cuba, na primeira vitória sobre sua arquirrival depois de 17 derrotas em 17 lutas. No fim, prevaleceu a experiência de Suelen, que disputou os Jogos, o seu terceiro da carreira, pela última vez.

Agora, a preterida Beatriz não tem mais Suelen como rival por vaga na seleção brasileira. Suelen se aposentou em março. E, melhor ainda: a ex-judoca tornou-se sua treinadora, sua aliada.

— Na hora, quando ela me contou que ia se aposentar e que seria técnica, eu perguntei se ela queria ser minha técnica — conta Beatriz, aos risos. — A experiência que ela tem, os títulos, a vivência com as adversárias que são as minhas também... não tinha como não pedir.

Em Tóquio-2020, na sua última competição oficial, Suelen sofreu ruptura do tendão patelar do joelho esquerdo durante combate contra a francesa Romane Dicko nas quartas de final. Voltou ao Brasil e teve que passar por cirurgia. Durante o processo de recuperação ela, que já tinha planos de "tirar o pé" e partir para uma carreira de treinadora, amadureceu ainda mais sua decisão. Ela se aposentou aos 34 anos.

Beatriz e Suelen: bronze em ano olímpico e apreensão por Tóquio-2020 — Foto: Divulgação CBJ

— Difícil esta transição, mudar o pensamento de atleta que pensa em si para se dedicar ao coletivo. Mas eu sempre quis treinar a categoria pesado porque sentia um déficit. Eu queria técnicos que entendessem a dinâmica da minha categoria, uma categoria de mais força, com movimentações mais curtas. Geralmente quando entra golpe é para jogar já. Não é como o ligeiro que sai dando pirueta — fala Suelen, que elogia sua atleta: — Eu nunca tinha tido uma adversária que me impulsionasse. E ela fez isso, principalmente na questão das conquistas. E eu quis mais. Com ela aconteceu o mesmo, ela amadureceu muito.

Beatriz afirma que elas sempre foram próximas e amigas. E que Suelen lhe deu conselhos a vida toda. Beatriz, que foi sparring de Suelen para os Jogos do Rio-2016, acredita que, por conta desta concorrência interna, teve seu maior crescimento esportivo no ciclo passado, quando a briga pela vaga foi parelha e decida "pelos juízes".

— Ela continua me dando os conselhos, dicas das rivais e etc. E agora como minha técnica. O que mudou é que não tenho mais de disputar vaga com ela. Olha que maravilha — fala Beatriz, que defende o clube Pinheiros, onde a amiga é uma das técnicas, além de Leandro Guilheiro — Ganhei uma aliada que quer realizar o mesmo sonho que eu, estamos no mesmo caminho que é a busca pela minha medalha olímpica.

Suelen diz que nunca esqueceu a contribuição de Beatriz na reta final para Tóquio. Lembra que à época as duas medalhistas ficaram apreensivas até a convocação. Quando soube que ia para mais uma Olimpíada, ficou extremamente feliz. Mas também triste por Beatriz.

—E se fosse o inverso, sabe? Treinávamos juntas, no mesmo clube. E em nenhum momento ela deixou de me ajudar. Isso foi determinante para a gente estar juntas hoje.

Beatriz conta que Suelen não se restringe às orientações fora do tatame, estudos de táticas e de combates rivais. Quando precisa, ela coloca o quimono e vai para a luta.

O que mudou é que não tenho mais de disputar vaga com ela. Olha que maravilha
— Beatriz Souza
—Sou muito grata dela ser minha técnica. Como também ao que me proporcionou quando disputávamos vaga. Sempre tivemos muito respeito uma com a outra. Eu cresci porque queria chegar em Tóquio e ela era a primeira adversária (pela vaga). Foi quando tive a minha maior evolução.

Tóquio-2020 deixou uma marca em Beatriz. Mas hoje ela entende que aquele não era o seu momento. Precisava de amadurecimento. E não perdeu tempo.

De Tóquio para cá, Beatriz passou como um trator: das 12 competições internacionais disputadas desde então, ela foi ao pódio em dez, sendo que ganhou seis.

Beatriz, em Santiago-2023: ela já tem um bronze de Lima-2019 — Foto: Gabriel Baron/COB

Beatriz, que tem seis medalhas mundiais (duas pratas e quatro bronzes), 12 em Grand Slam (três ouros, duas pratas e sete bronzes), e oito em Pan-Americanos de Judô (cinco ouros, duas pratas e um bronze), entre juvenil e adulto, ainda não foi aos Jogos Olímpicos.

— Coloquei na minha cabeça que nunca mais ia ter aquele sentimento de 'perder a vaga'. Cada passo e cada descanso é focado em Paris-2024. Precisei daquela experiência para valorizar cada momento até alcançar a minha medalha no ano que vem.

Em termos de Jogos Pan-americanos, Beztriz estreou em Lima-2019 e foi medalha de bronze. Aquela foi a primeira e única experiência em eventos de caráter olímpico, com vivência na Vila dos Atletas. Em Santigo-2023 com a seleção brasileira, ela tem grandes chances de título, a cerca de oito meses de Paris-2024.

— O Pan não conta pontos para a classificação olímpica, mas é uma oportunidade de trazer uma medalha para o Brasil e de lutar e competir — comenta a judoca, que terá Ortiz, a lenda do judô cubano mesmo em final de carreira, como adversária no torneio.

Beatriz admira a rival e relembra quando a enfrentou pela primeira vez na final de um Pan-americano de judô. Ela perdeu e ficou arrasada. A cubana a consolou. No dia seguinte, em luta por equipes, Beatriz venceu:

— Beatriz está preparada para enfrentar todas as adversárias da sua categoria. Estudamos todas que estão em Santiago. Ela é espetacular como atleta, transparente, fácil de trabalhar, escuta e confia nos técnicos. Este é o momento da Beatriz.


Fonte: GLOBO