Decisão do Cade determinou que apenas 25% do volume de vendas no app poderão estar atrelados a contratos exclusivos. Estabelecimento descredenciados pagam taxas maiores
Com o fim dos contratos de exclusividade de grandes redes de restaurantes em setembro, o iFood agora intensifica as estratégias para não deixar de ser o aplicativo de entregas mais usado pelos estabelecimentos. A tentativa de conter o impacto negativo da mudança envolve desde empréstimos a restaurantes com taxas mais baixas do que a oferecida por bancos e reformas nas cozinhas até venda de insumos, como pão, queijo e carne, com desconto.
Em fevereiro, o app fez um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que zela pela livre concorrência de mercado. Pela nova regra, no máximo, 25% do volume de vendas no iFood poderão estar atrelados a restaurantes exclusivos — aqueles que vendem apenas pela plataforma e não usam aplicativos concorrentes. Por isso, o iFood acabou com a exclusividade de restaurantes com mais de 30 lojas a partir de 1º de outubro.
Se por um lado essas redes poderão vender seus produtos em outras plataformas, por outro não terão acesso a benefícios oferecidos pelo iFood, como taxas menores pelo uso da tecnologia. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima que os restaurantes descredenciados terão que pagar tarifas 40% maiores para vender seus produtos no aplicativo.
Mas não são só os restaurantes que podem ter impacto no caixa. O próprio iFood pode ver seus lucros minorizados se não for mais priorizado. Ciente disso, o aplicativo vem reforçando a proximidade com grandes redes de alimentação com o objetivo de ajudá-las a alavancar vendas, ainda que não tenham acesso a benefícios restritos aos estabelecimentos que têm exclusividade. Isso é feito por meio de diversas reuniões presenciais, coordenadas por uma equipe de mais de 1.000 funcionários em todo o Brasil.
Além disso, como forma de estreitar laços, o iFood está emprestando mais dinheiro aos negócios que precisam, por meio de uma linha de crédito com taxas menores que as praticadas por bancos, entre 1,4% e 2,19% ao mês.
Arnaldo Bertolaccini, vice-presidente de restaurantes do iFood, conta que, entre abril de 2022 e março deste ano, foram emprestados R$ 407 milhões em crédito para mais de 10 mil restaurantes, e a demanda vem crescendo.
Brecha no acordo
Uma outra cláusula do acordo com o Cade determina que estabelecimentos que possuem contratos de exclusividade em vigor e que tenham acumulado dois anos devem passar por uma “quarentena” de um ano sem exclusividade.
Há, no entanto, exceções, a depender dos investimentos feitos pelo iFood e do crescimento gerado para o parceiro exclusivo. Essa brecha vem sendo usada pelo aplicativo para manter a fidelidade de diversos restaurantes.
Restaurantes podem comprar insumos para produzir pratos a preços mais baratos em loja do iFood — Foto: Leo Martins
Os pacotes de marketing contratados pelos estabelecimentos, por exemplo, que oferecem cupons de desconto aos clientes ou maior visibilidade no app, permitem manutenção das exclusividades, já que o iFood compromete-se a entregar uma performance ao negócio pelo menos 50% melhor do que a do mercado.
Outra frente de atuação para manutenção das exclusividades é o iFood Shop, loja do aplicativo em que os restaurantes têm acesso a insumos que usam no dia a dia, como pão, carne e queijo, a valores mais baratos do que em mercados.
— O iFood subsidia parte dos preços de produtos para que o restaurante possa comprar mais barato e operar de forma mais eficiente. E estamos fazendo obras... investimentos nas cozinhas, no salão dos restaurantes — acrescenta Bertolaccini.
O vice-presidente de restaurantes ainda explica que a oferta de crédito é vista como um tipo de investimento em infraestrutura, já que serve para melhorias no restaurante que podem incrementar as vendas no balcão ou em outras plataformas. Por isso, também é uma forma de manter a exclusividade com alguns restaurantes.
Taxas maiores
Quem é excluído dos contratos de exclusividade acaba pagando uma taxa maior para usar a plataforma, como o proprietário da Marmitaria BH, Matheus Daniel, que recebeu a notícia de que seu contrato de exclusividade com o iFood seria encerrado logo após o acordo do aplicativo com o Cade.
A mudança na tarifa paga, de 20% para 23%, ocorreu somente após o fim do seu contrato, em setembro. Desde então, além de pagar uma taxa maior para o app, conta que viu o número de pedidos despencar de 200 para 70 por dia.
— Tive uma redução do faturamento em torno de 25% porque não só caiu o número de pedidos, como aumentou o percentual de taxa. Isso me obrigou a reajustar meus preços. Tive que subir o peço do parmegiana de filé mignon de R$ 42 para R$ 47 — lamenta.
Bucaneiros perdeu a exclusividade com iFood e repassou aumento de taxas a clientes — Foto: Divulgação/Pedro Henrique Amaral
Daniel diz que entrou em outros aplicativos concorrentes, mas o volume de pedidos decepcionou: apenas três por semana. Com isso, está investindo na própria rede de divulgação, para que os clientes façam os pedidos diretamente com o restaurante, sem passar por intermediários.
Vinícius Reis, sócio da hamburgueria Bucaneiros, no Rio de Janeiro, viu seu faturamento cair de R$ 360 mil para R$ 300 mil por mês após o fim da exclusividade com o iFood. Com o salto da taxa de 9% para 12%, teve que aumentar os preços cobrados dos clientes, o que acredita ter sido a causa da redução dos pedidos.
Numa tentativa de compensar as perdas, investiu em site próprio e adotou estratégias de marketing, como anúncios no Google e nas redes sociais, além de novas fotos dos produtos. Com isso, após quatro meses, o restaurante voltou a faturar como antes.
— Em agosto igualamos nosso faturamento da época de exclusividade e, neste mês, temos expectativa de faturar R$ 430 mil — espera o empresário.
Mais concorrência
Embora as taxas variem de acordo com uso ou não dos parceiros de entrega do iFood, com o tamanho do negócio e com o volume de vendas, Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, aponta que há casos em que restaurantes que pagavam 17% passaram a ter que pagar 23% sobre cada pedido — uma alta de 40% na tarifa. Mesmo assim, enxerga o acordo feito com o Cade como benéfico para o mercado.
Depois da pandemia, diz ele, o uso de aplicativos de delivery passou a ser uma peça muito estratégica no negócio dos restaurantes. Se antes, cerca de 15% realizavam entregas, atualmente 70% trabalham levando os pedidos nas casas de clientes.
— O Brasil perdeu vários aplicativos nos últimos anos, como Uber Eats, Delivery Center... Embora alguns restaurantes estejam sofrendo com aumento de taxa, há esperança de que mercado possa ser mais competitivo e que, no futuro, todos se beneficiem — opina.
O diretor da Rappi Eric Dhaese, em centro de distribuição do aplicativo — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
O Rappi afirmou que o acordo realizado pelo Cade “fortalece um mercado que tem urgência em se desenvolver e criar condições para que seja mais competitivo e justo, com mais opções de escolha” e disse que está em negociação com diversos restaurantes.
— Uma novidade que apresentaremos muito em breve é a entrega Turbo, de 10 min, para restaurantes. Nosso objetivo é fazer parte de um mercado de delivery mais aberto e justo, que vai trazer muitos benefícios e inovações para os três elos mais importantes do ecossistema: restaurantes, consumidores e entregadores — comentou Tijana Jankovic, vice-presidente global de Negócios do Rappi.
Já o aplicativo Pede Pronto tem focado na expansão regionalizada do negócio, chegando a mais de 7 mil parcerias com estabelecimentos comerciais, incluindo Bob's, Bacio di Latte, Giraffas, Subway, Pizza Hut, Rei do Mate, Friday’s e Kibon.
— No período de expansão, marcado pelas parcerias estratégicas com marcas reconhecidas, o aplicativo obteve crescimento comercial de 50,7% — revela Marcio Alencar, CPO da Alelo e Pede Pronto.
Fonte: O GLOBO
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