Eleitores que o apoiaram em 2020 estão se distanciando do presidente, levantando novas questões sobre sua força na corrida de 2024

A unidade de longa data do Partido Democrata em torno do presidente Joe Biden está começando a se desgastar devido ao seu apoio inabalável a Israel em sua crescente guerra com o grupo terrorista Hamas, com uma coalizão de eleitores jovens e pessoas não-brancas de inclinação progressista demonstrando mais insatisfação em relação a ele do que em qualquer momento desde sua eleição. 

Do Capitólio a Hollywood, em sindicatos e grupos ativistas liberais, e em campi universitários e refeitórios de escolas secundárias, há uma divisão emocional intensa sobre o conflito.

Embora democratas moderados e críticos à direita tenham aplaudido o apoio de Biden a Israel, ele enfrenta uma nova resistência de uma facção energizada de seu partido que enxerga a causa palestina como uma extensão dos movimentos de justiça racial e social que dominaram a política americana no verão (Hemisfério Norte) de 2020. 

Em protestos, cartas abertas, revoltas de funcionários e paralisações, democratas liberais estão exigindo que Biden rompa com a política americana de décadas e peça um cessar-fogo.

O poder político dos céticos em relação a Israel dentro do partido ainda não foi testado, com mais de um ano até as eleições presidenciais de 2024 — que deve ser disputada por Biden e o ex-presidente Donald Trump. Seus esforços têm sido conflituosos e desorganizados, e eles têm poucos consensos sobre quanto de responsabilidade devem atribuir a Biden ou se devem puni-lo em novembro do próximo ano se ele ignorar suas súplicas.

Biden, por sua vez, já enfrenta uma baixa popularidade dentro do Partido Democrata, e não seria necessário muito desgaste entre os eleitores que o apoiaram em 2020 para colocar em questão sua tentativa de reeleição. 

Sua margem de vitória em estados-chave disputados foi de apenas alguns milhares de votos — o que não é suficiente para suportar uma queda significativa do apoio dos eleitores jovens alienados por sua lealdade a um governo israelense de direita que eles veem como hostil a seus valores.

Cessar-fogo x 'pausa humanitária'

No fundo, a turbulência em torno de Israel é uma discordância fundamental sobre políticas, o que a distingue de desafios como a insatisfação dos eleitores com a economia, que os aliados de Biden acreditam que podem ser resolvidos com uma mensagem mais eficaz. 

O presidente, que por décadas se posicionou no centro de seu partido e navegou pela divisão ideológica e geracional dos democratas durante a primeira metade de seu mandato, agora enfrenta um problema que não tem um meio-termo fácil.

Talvez o mais preocupante para Biden seja que nos corredores do Congresso, as vozes democratas mais críticas são os democratas negros e hispânicos que ajudaram a alimentar a sua vitória em 2020. Na quinta-feira, todos os 18 membros da Câmara que assinaram uma resolução apelando a uma "desescalada imediata e cessar-fogo em Israel e na Palestina ocupada" eram pessoas não-brancas.

— Nós processamos a dor, a privação e a crueldade de forma pessoal, tendo enfrentado isso em nossas vidas atuais ou tendo conexões históricas com isso por meio de nossos ancestrais — disse a deputada Bonnie Watson Coleman, de Nova Jersey, uma das copatrocinadoras da resolução de cessar-fogo. — Portanto, entendemos que a crueldade, a guerra e a violência não têm resultados positivos.

Para os democratas no Congresso e nos grupos liberais em Washington, a pressão para se opor à política de Israel de Biden está surgindo dos funcionários mais jovens e progressistas, que cresceram em um ambiente mais cético em relação a Israel.

Centenas de ex-funcionários que trabalharam nas campanhas presidenciais do senador Bernie Sanders, de Vermont, e da senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, assinaram nesta semana cartas abertas instando-os a apresentar uma resolução de cessar-fogo semelhante no Senado.

Os senadores resistiram aos apelos, mas Sanders pediu, nesta semana, por uma "pausa humanitária", uma posição que alguns outros parlamentares liberais e grupos começaram a adotar e que o secretário de Estado, Antony Blinken, disse que "deve ser considerada". Outros congressistas progressistas, contudo, argumentam que tal pausa não vai suficientemente longe.

— Uma pausa humanitária, o que é isso? — questionou o deputado Cori Bush, do Missouri, que apresentou a resolução de cessar-fogo. — Precisamos de um cessar-fogo. Precisamos impedir que bombas sejam lançadas sobre hospitais, escolas e comunidades.

Biden ou Trump?

No MoveOn, o grupo ativista liberal que apoiou Biden, os mais jovens se revoltaram depois de a organização ter emitido uma declaração inicial condenando o ataque do Hamas que desencadeou a guerra atual, sem abordar a conduta de Israel para com os palestinos.

— Houve uma porcentagem expressiva de nossa equipe que verbalizou suas opiniões — disse Rahna Epting, diretora executiva do MoveOn, em entrevista. — Lembrei a eles que, em última instância, precisamos consultar os membros e ver qual a opinião deles.

A última declaração do MoveOn sobre a guerra — uma petição — sublinha a crise humanitária na Faixa de Gaza e afirma que "o presidente Biden e os nossos líderes devem apelar publicamente a um cessar-fogo imediato".

Diferenças sobre a política em relação a Israel causaram conflitos até mesmo entre os principais dirigentes sindicais do país. O comitê executivo da Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (A.F.L.-C.I.O., na sigla em inglês) abordou o assunto durante uma reunião tensa na segunda-feira à noite, que foi dominada por um monólogo anti-Israel de 30 minutos do presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios dos Estados Unidos, que se descreveu como um "judeu antissionista".

Muitos na esquerda, no entanto, reconhecem que Biden continua a ser preferível a uma alternativa republicana em 2024. Epting disse que o MoveOn poderia "apoiar o presidente Biden e exercer pressão sobre ele ao mesmo tempo".

Matt Duss, ex-conselheiro de política externa de Sanders e um dos defensores mais veementes de um cessar-fogo, condenou a abordagem pró-Israel de Biden — mas disse que não negaria apoio ao democrata no próximo ano por causa das diferenças.

— Vale a pena perder uma eleição para Trump e tudo o que isso traria? Não — disse Duss. — Ao mesmo tempo, acho que cabe a Biden entender onde estão seus eleitores.

Aliados descartam fraqueza de Biden

Para muitos à esquerda, a simpatia pela causa palestina decorre dos mesmos sentimentos de impotência que impulsionaram os protestos após o assassinato de George Floyd há três anos.

— Há definitivamente uma correlação direta — disse DaMareo Cooper, codiretor executivo do Centro Popular para Democracia, um coletivo de grupos comunitários progressistas. — Quando dizemos que as "Vidas Negras Importam" [movimento Black Lives Matter], o que está realmente sendo dito dentro dessa declaração é uma história de opressão.

Os aliados de Biden, porém, descartaram a perspectiva de que sua posição em relação a Israel o prejudicaria em 2024. O deputado Ritchie Torres, de Nova York, um dos mais fervorosos defensores de Israel no Congresso, disse ter se sentido ofendido com os apelos ao cessar-fogo que não exigiam também que o Hamas libertasse reféns americanos e israelenses.

— Temos que ter cuidado para não confundir uma minoria vocal visível com uma maioria — disse Torres. — Os críticos de Israel têm muito mais poder nas redes sociais do que no mundo real.


Fonte: O GLOBO