Cúpula da Petrobras tentou adiar divulgação sobre revisão no estatuto. Senador aciona CVM para suspender alterações. Investidores temem indicações políticas e redução de dividendos

A reunião que aprovou as mudanças no estatuto da Petrobras foi marcada por um duro embate entre os conselheiros alinhados ao governo Lula e os representantes de acionistas minoritários quanto à divulgação das novas regras. Para analistas de mercado, as alterações vão permitir a volta de indicações políticas, além da retenção de parte dos dividendos.

A divergência se deu primeiro em torno das mudanças em si, que ferem a Lei das Estatais, e depois em torno da comunicação ao mercado. Após a direção da companhia e os conselheiros indicados pela gestão petista não deixarem claro quando as alterações estatutárias se tornariam públicas, os minoritários pressionaram para que isso ocorresse imediatamente.

A revisão do estatuto só foi divulgada na manhã de segunda-feira e fez com que as ações caíssem 6%. A companhia perdeu R$ 32,3 bilhões em valor de mercado em um único dia. Ontem as ações subiram em um dia de recuperação no mercado (leia mais abaixo).

A argumentação dos representantes do governo Lula foi de que as restrições previstas na Lei das Estatais a nomeações de ministros de Estado e funcionários com cargo de confiança, além de representantes de partido, foram derrubadas por uma decisão monocrática do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski e, por isso, não precisam mais constar no estatuto da Petrobras.

Os minoritários foram contra a regra argumentando que, além de a decisão de Lewandowski ter sido tomada por liminar, a Lei das Estatais está em vigor e, portanto, as restrições a nomeações políticas ainda deveriam ser observadas.

Já o fundo de reserva a ser criado visa guardar recursos para o plano de investimentos da empresa, que pretende aplicar na construção de refinarias e estaleiros, como já foi feito nos governos anteriores de Lula.

Depois de o governo vencer a votação no conselho por 7 votos a 4, os minoritários reivindicaram que as mudanças fossem comunicadas imediatamente ao mercado, em razão do impacto que poderiam ter sobre o valor das ações.

Descontentamento

Mas os diretores da Petrobras presentes na reunião evitaram se comprometer, dizendo considerar que poderiam fazer essa divulgação apenas quando a assembleia de acionistas fosse marcada. Embora já tenham sido aprovadas pelo conselho, modificações no estatuto precisam ser aprovadas em assembleia, que ainda não tem data para acontecer.

Depois de um fim de semana de pressão e discussões, as alterações foram divulgadas, provocando queda nas ações.

Conselheiros esperam que a reunião ocorra entre o fim de novembro e o começo de dezembro, em razão do prazo de 30 dias após a publicação do edital.

Entre os representantes de minoritários o clima é de descontentamento por considerarem que houve “uma invasão da Lei das Estatais”, como resumiu uma fonte.

Outra mudança em regra de transparência chegou a ser discutida na reunião: a hipótese de que as divergências entre os votos dos conselheiros não fiquem expressas em documentos oficiais da companhia.

Nas palavras de uma fonte a par das discussões, o conhecimento dos votos divergentes é uma fonte importante para o investidor, pois mostra o ponto de vista dos lados que compõem o colegiado. Os minoritários estudam se vão passar a divulgar seus votos, o que é permitido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, órgão regulador do mercado).

Em outra frente, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) acionou ontem a CVM e pediu a suspensão de indicações políticas na Petrobras após o anúncio de que vai rever o estatuto social da empresa.

O parlamentar pede que o órgão vete nomeações na companhia que fujam da legislação até que o STF julgue em definitivo a decisão monocrática de Lewandowski. Ainda não há previsão de quando o plenário da Corte julgará a questão.

‘Inequívoca gravidade’

No pedido à CVM, Vieira menciona a reportagem publicada no blog da coluna de Malu Gaspar no site do GLOBO sobre a tentativa da cúpula da estatal de adiar a divulgação de mudanças no estatuto que facilitam as nomeações políticas na companhia.

O senador classifica o episódio como fato de “inequívoca gravidade”, que demanda apuração da comissão em função da “altíssima chance de que as perdas” financeiras da Petrobras “se tornem ainda maiores”.

“Não poderia o conselho da Petrobras, uma vez tomada a decisão, ter deliberado por não conferir publicidade a fato de tamanha relevância no próprio dia (20 de outubro), optando por uma omissão com graves e nocivos efeitos aos sócios minoritários”, sustentou o parlamentar.

Em seu pedido, o senador pede que sejam investigadas as condutas dos membros do conselho e da diretoria da estatal.


Fonte: O GLOBO