No passado, ele vivia sozinho em um terreno baldio e era alimentado por vizinhos; há cinco anos, passou a ser cuidado por mulher que viu sua história no Twitter. 'Temos que estar abertos a adotar cachorros idosos', diz ela

Em uma obra embargada, no Morumbi, em São Paulo, um cachorro viveu sozinho, abandonado, durante anos. Os vizinhos do terreno que deixavam água e comida por baixo do portão dizem que o cãozinho pode ter sobrevivido de quatro a sete anos assim. Ninguém sabe ao certo por quanto tempo Duque, como era chamado pelos moradores, permaneceu lá, até ser regatado por Alessandra Siedschlag e seu amigo Ricardo, em março de 2018. 

Logo depois, já idoso, ele foi adotado, protagonizando um episódio raro e emocionante que viralizou nas redes sociais na época e agora volta à tona com a morte do animal, no último dia 20, após passar dias doente.

Ele morava no Butantã com a analista de administração condominial Tamires Nagatani, que soube pelo antigo Twitter de todo o processo de resgate.

Duque no terreno abandonado, antes do regate — Foto: Reprodução

Alessandra, que tirou o cão do abandono, lembra a forma como conheceu Duque. A situação triste do animalzinho a deixou indignada.

— O Ricardo me enviou as mensagens de uma amiga dele, com fotos do Duque na construção. Não conseguimos dormir naquela noite, então decidimos ir até lá no dia seguinte. Alguns moradores disseram que as fotos já estavam rodando a internet há quatro anos. As pessoas postavam o caso, mas ninguém fazia nada — conta ela, que comanda a ONG Projeto Salva Cão. 

— Conseguimos entrar com as ferramentas que tínhamos, mas a gente não sabia se ia encontrar um cachorro feroz. Ele era territorialista, então rosnava, latia, e foram algumas horas para que ele aceitasse sair. Quando saímos ele mudou, ficou animado, feliz.

Alessandra e Ricardo com Duque, no dia do resgate — Foto: Reprodução

Sem ter para onde levá-lo, o cão foi morar com Alessandra, que não conseguiu ficar com ele por muito tempo. A casa já tinha outros moradores: dez gatos e quatro cachorros, com os quais Duque não se enturmou muito bem. Com ajuda de usuários do Twitter, ele passou a frequentar uma creche para cães, onde era adorado pelos supervisores. Porém, era necessário encontrar alguém que quisesse adotá-lo.

Um mês após o regate, surgiu Tamires Nagatani. As fotos de Duque chegaram a ela por meio do Twitter, usado para entrar em contato com a ONG. Interessada e cumprindo com todos os pré-requisitos, ela concretizou a adoção.

Tamires e Duque — Foto: Reprodução

— Cresci com cachorros na casa dos meus pais, sempre pensei que um dia eu ia querer ter um. Quando vi o Duque, passei a divulgar para todo mundo, me apaixonei por ele, mas achava que não tinha condições de adotar um cachorro tão grande — conta Tamires, que mudou de ideia durante a conversa com uma amiga. — Eu estava listando cinco motivos para não adotá-lo. Minha amiga falou que eu estava arrumando muito motivo. Se eu queria adotar, deveria, então, ir em frente. Foi tudo de supetão e, quando o conheci, foi amor à primeira vista.

Duque na casa de Tamires — Foto: Reprodução

A adaptação ao novo lar foi rápida e tranquila. Tamires conta que Duque era um cachorro que gostava de gente, queria estar sempre perto das pessoas. Amigável, dócil, inteligente, carinhoso e sensível, como era descrito pela família, ele percebia quando algum membro da casa estava triste ou doente, permanecendo sempre por perto. No dia 20 de outubro, cinco anos após ser resgatado e adotado, ele faleceu, depois de passar alguns dias doente.

— Ele era muito especial. A maior lição que o Duque deixa é que o amor vem de onde a gente menos espera. Temos que estar abertos a adotar cachorros idosos. Tenho a plena certeza que o tempo que ele viveu comigo foi o melhor que eu pude dar e, antes dele partir, prometi para ele e para mim que ele não seria minha última adoção. Quero proporcionar isso pra outros cachorros como ele, que têm pouca possibilidade de encontrar uma família — diz Tamires.

Tamires e Duque — Foto: Reprodução

Desafios da adoção

Segundo Alessandra, cachorros mais velhos, com pelagem escura e de grande porte, enfrentam muita dificuldade para encontrar uma família. Ela afirma que o tempo de um mês para encontrar um adotante, como foi o caso de Duque, é uma raridade para cachorros como ele, que além de tudo, tinha uma mistura com a raça pitbull. Na maioria dos casos, a busca pode levar anos ou não se concretizar.

— Sem as redes sociais, nada disso teria acontecido. Para nós que atuamos na proteção animal, dependemos dessa rede de apoio. As características do Duque são agravantes na hora da adoção, são rejeitadas por muitas pessoas. Cachorros de raça vão embora em cinco minutos, mas no caso de um vira-lata ou mestiço, especialmente de pitbull, com porte grande e idoso, tudo dificulta — conta a líder da ONG.

Alessandra e Duque — Foto: Reprodução

Ainda de acordo com Alessandra, apesar de as redes sociais funcionarem como uma plataforma para espalhar casos como o de Duque, muitas vezes, as ações acabam se tornando uma eterna divulgação, sem ações concretas.

— Nem sempre, quando você tira uma foto e posta, você está realmente ajudando. É uma ação, mas não é a solução. Muitas pessoas acham que tirar a foto é fazer a sua parte, mas dá para ir além. Claro que não é todo mundo que consegue levar ao veterinário, abrigar em uma noite de chuva, mas nas redes conseguimos alcançar muita gente que pode ajudar. As pessoas acham que é trabalhoso, mas não é impossível — conclui ela.

*Estagiária sob a supervisão de Carla Rocha


Fonte: O GLOBO