Natural de Irecê, no interior do estado, Ednaldo Freire Ferreira é um dos fundadores da maior facção do estado, possui suas próprias plantações de maconha e já havia fugido de presídio antes

A história da escalada dos grandes grupos criminosos na Bahia, fortalecendo quadrilhas menores e ao mesmo tempo aumentando rivalidades entre elas, pode ser contada a partir da trajetória de Dada, chefão do tráfico no estado, solto no início deste mês (3/10), após decisão do plantão judiciário do Tribunal de Justiça da Bahia. 

Em 2020, a cúpula da maior facção baiana estava preocupada com a segurança de seus homens que cumpriam pena no Conjunto Penal Masculino de Salvador. "As facas não chegaram, irmão", informou, por um aplicativo, Ednaldo Freire Ferreira a um comparsa em abril daquele ano. Dada buscava armas junto a um fornecedor para que seu grupo pudesse se defender de um possível ataque dentro da prisão.

Obtidos com exclusividade pelo GLOBO, os grampos de investigação que corria enquanto Dada estava preso revelam que ele não só se manteve como "cabeça'" do tráfico, negociando armas e drogas, mas também deixa clara a ebulição nos presídios do estado, que vem crescendo nos últimos anos e de onde saem decisões que afetam a segurança pública. A conversa entre Dada e e um intermediário de armas acontecia por um motivo: naquele mesmo dia, uma leva de 17 novos presos havia chegado à unidade, a maioria, de quadrilhas rivais.

Entregadores estavam 'de baratinho'

Após o comparsa explicar que os contatos que levariam as facas ao presídio estavam "de baratino", Dada afirmou que já havia encontrado uma solução: "Um parceiro tirou umas chapas lá dentro, vamos fazer quatro faconas". Em seguida, o traficante enviou ao interlocutor uma fotografia de uma chapa de ferro retirada de dentro de uma cela que estava sendo transformada numa faca.

A troca de mensagens foi interceptada pela Polícia Federal e acabou levando a nova ordem de prisão contra Dada, em 2022. Mais uma tentativa de conter o traficante que, outras vezes, já tinha conseguido se livrar da prisão fechada. Mesmo assim, no em 30 de setembro, o advogado dele, Luiz Henrique Gesteira, conseguiria uma medida de prisão domiciliar que favoreceu seu cliente junto ao desembargador Luiz Fernando Lima. 

O argumento era de que ele tem um filho autista grave, que depende da presença do pai e havia tido uma nova "convulsão". No dia 3, Dada saiu pela porta da frente do presídio. Não deu tempo de detê-lo apesar de, logo em seguida, o desembargador Júlio Travessa revogou a soltura, mas Dada já estava longe. Ele agora se encontra foragido.
Chapa de metal usada para a construção de facas para proteção de bando de Dada em presídio — Foto: Reprodução

Cronologia de uma decisão sob investigação

A decisão controversa é investigada pelo Conselho Nacional de Justiça, que mantém o caso sob sigilo. De acordo com o Ministério Público estadual, o pedido do advogado de Dada foi protocolado às 2h12 do dia 30 e conclusão foi às 6h41 e a decisão proferida na mesma data, às 20h42, todos os horários foram destacados em negrito no recurso dos promotores. Na última terça-feira, por suspeitas de irregularidades na decisão judicial, Lima foi afastado de seu cargo pelo CNJ. O MP alega que não havia "urgência" para o caso ser tratado no plantão judiciário.

O traficante beneficiado pela decisão é considerado um preso de alta periculosidade pela polícia baiana: além de manejar facas artesanais dentro de um dos maiores presídios da Bahia, Dada é um dos fundadores da maior facção do estado, possui suas próprias plantações de maconha e já havia fugido da cadeia antes. A investigação mais recente contra Dada, que culminou na decretação de sua prisão e em sua posterior captura em setembro deste ano, revela como ele seguiu administrando seus negócios mesmo de dentro da cadeia. Numa outra mensagem interceptada pela PF, ele negocia a quitação de uma dívida por meio de um carregamento da maconha que produz.

"Eu vou pra luta, vou vender", diz traficante da cadeia

"Eu vou pra luta, eu vou vender, vou fazer chegar a moeda toda em sua mão, mas se quiser o chá também, o chá vai tá chegando aí, um chá de primeira qualidade, e aí se você aceitar eu também vou tá enviando para você, firmeza meu parceiro? Independente deu tá te devendo ou não, nós vai dividir o chá entre nós mesmo aí, pra fortalecer nós mesmo a família, viu?", afirmou Dada num áudio enviado a um comparsa, após encaminhar uma série de imagens de sua plantação de maconha.

Dada mandou fotos de pés de maconha para comparsa — Foto: Reprodução

Dada, natural de Irecê, no interior da Bahia, é condenado a penas que somam mais de 15 anos de prisão por crimes como tráfico de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa e já foi preso pelo menos cinco vezes nos últimos dez anos em três estados diferentes: além da Bahia, Dada chegou a ser capturado em Tocantins e em Pernambuco.

Primeira fuga em 2016

Sua primeira fuga remonta a abril de 2016, quando cumpria uma pena de sete anos de prisão por tráfico de drogas após ser preso em flagrante transportando dois quilos de maconha em sua cidade natal. Na ocasião, Dada recebeu o benefício da saída temporária e não voltou mais para o presídio. Ele só seria recapturado cinco meses depois, em Palmas, no Tocantins.

Após a prisão, Dada seguiu preso em regime fechado até julho de 2021, quando foi beneficiado com a progressão para o regime semiaberto. Um mês depois, conseguiu autorização da Vara de Execuções Penais (VEP) para cumprir sua pena em regime domiciliar, sob o argumento de que ele tem um filho "portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 3 (CID F84.0) e dependente da figura paterna". 

Dada, no entanto, não cumpriu as regras do regime domiciliar: em setembro passado, quando foi novamente preso, o traficante circulava num carro de luxo com um documento falso pela cidade de Sertânia, em Pernambuco — a quase 900 km do endereço de seu domicílio, em Irecê, onde deveria estar cumprindo sua pena.


Fonte: O GLOBO